PF suspeita de uso sistemático do Brasil para formação de espiões da Rússia

FABIO SERAPIÃO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Os três casos de supostos espiões russos atuando pelo mundo com identidade brasileira acenderam o alerta na Polícia Federal ainda em 2022 e levantaram a suspeita do uso do país de forma sistemática para formar agentes ilegais pelo governo russo.

Serguei Tcherkasov, detido na Holanda e enviado para o Brasil em maio, Mikhail Mikushin, detido na Noruega em outubro, e o suposto espião apontado por autoridades gregas pelo sobrenome Chmirev se valiam de identidade brasileira para viajar o mundo trabalhando para os serviços de inteligência russos, de acordo com as investigações abertas pelos países.

Por meio da falsificação de documentos, eles viraram Viktor Muller Ferreira, José Assis Giammaria e Gehard Daniel Campos Wittich.

Para os investigadores, a facilidade de conseguir uma certidão de nascimento no Brasil e, posteriormente, outros documentos até chegar ao passaporte é um atrativo para as agências de espionagem. Além disso, a boa receptividade do passaporte brasileiro no mundo é apontada como fator importante para o aumento no número de casos de espiões ilegais cujas identidades foram “esquentadas” no Brasil.

Assim como no caso de Tcherkasov, o setor de inteligência da PF trocou informações com autoridades dos outros países e dos Estados Unidos à época das prisões. O russo conseguiu seus documentos supostamente corrompendo uma agente cartorária. A relação dos dois é investigada no inquérito aberto para apurar lavagem de dinheiro e corrupção.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, a PF mapeou transações em dinheiro recebidas pelo suposto espião e chegou em integrantes do governo russo sediados no Brasil. Para isso, os investigadores cruzaram imagens do circuito interno de uma agência bancária no Rio e registros de uma pessoa que visitou o russo na prisão.
São citados pela PF como suspeitos de integrarem o consulado russo no país e depositarem valores para Tcherkasov dois homens identificados como Aleksei Matveev e Ivan Chetverikov. A investigação de Tcherkasov ficou por conta das autoridades brasileiras, mas no dois outros casos as apurações foram abertas nos países onde eles foram descobertos.

O surgimento desses espiões ilegais tem movimentado as agências de inteligência em todo mundo. A Folha de S.Paulo apurou que autoridades americanas relataram às brasileiras tratar-se do maior caso de espiões conhecidos como “illegals” desde 2010, quando o FBI, a polícia federal americana, deflagrou a operação Ghost Stories contra 10 espiões russos que integravam uma rede atuante em áreas do país.

Eles foram presos e depois trocados em uma negociação dos EUA com a Rússia. O caso virou série de TV e envolvia casais de espiões e outros russos responsáveis por se infiltrar em diversos setores da sociedade americana.

Na segunda-feira (3), o jornal britânico The Guardian revelou a história de um terceiro suposto agente de inteligência russo que teria vivido por anos no Rio de Janeiro, chegando a comprar uma propriedade perto do consulado americano na cidade.

Gehard Daniel Campos Wittich -ou um espião russo de sobrenome Chmirev, segundo uma alta autoridade grega- teria vivido por ao menos cinco anos no Rio com identidade falsa, se apresentando como o filho de pai austríaco com mãe brasileira criado por seus avós em Viena.

Como a Folha de S.Paulo mostrou, Wittich fundou uma empresa de impressão 3D no Rio de Janeiro que recebeu R$ 27 mil de órgãos do governo federal brasileiro entre 2020 e 2022 para a realização de serviços gráficos.

O principal cliente dele no governo federal foi a Marinha. Em 2020, o Centro Tecnológico do Corpo de Fuzileiros Navais fez três encomendas à empresa que somaram R$ 14,3 mil. A Polícia do Exército também solicitou uma imagem de 80 cm de uma cobra, mascote da unidade, por R$ 3.500. O maior pedido foi feito pelo Ministério da Cultura: 500 batoques para rolos de película cinematográfica por R$ 8.500.

A real identidade do suposto espião foi descoberta após ele dizer para sua namorada brasileira -que não sabia das suas atividades para o governo russo- que viajaria a um evento de trabalho na Malásia.

Como ele deixou de fazer contato com sua namorada, ela iniciou uma campanha nas redes sociais e pediu ajuda da embaixada brasileira na Malásia para tentar localizá-lo.

A pista sobre Wittich veio de Atenas, onde autoridades gregas informaram que ele na verdade era casado com uma espiã russa que atuava no país europeu -e que também havia desaparecido. Segundo o Guardian, as autoridades que acompanham o caso acreditam que Wittich e sua esposa retornaram à Rússia diante do risco de terem suas identidades expostas.

Em outubro de 2022, foi revelado que autoridades de segurança da Noruega também prenderam outro suposto espião russo que afirmava ser um acadêmico brasileiro. O homem se identificou como José Assis Giammaria e trabalhava na Universidade de Tromsø (norte do país).

Antes de chegar à Noruega, Giammaria havia passado anos estudando em universidades do Canadá sobre temas relacionados à segurança no Ártico. Informações sobre ele levantadas pela PF brasileira mostram como ele conseguiu um CPF apenas aos 22 anos, o que é considerado tardio e indício para falsificação de documentos. O pai não tinha registro do Brasil, e a mãe chegou a possuir um CPF, atualmente suspenso.
Em 2013, ele tirou o passaporte brasileiro, e três anos depois foram registradas pela PF uma entrada no Brasil vindo do Canadá e a saída dele para Toronto.

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