SAN FRACISCO, EUA (FOLHAPRESS) – Uma nova safra de games busca conscientizar jogadores sobre os perigos do aquecimento global sem deixar de lado seu objetivo número um: a diversão. Encabeçados por “Terra Nil”, lançado para PC e dispositivos móveis, esses “jogos climáticos” incorporam em seu design noções básicas sobre ecologia, abordam temas ambientais e incentivam as pessoas a agirem por um futuro mais verde.
Desenvolvido pelo estúdio sul-africano Free Lives -conhecido por games bem humorados como “Broforce” e “Cricket Through the Ages”-, “Terra Nil” é um jogo que subverte o gênero de construção de cidades. Ao invés de explorar recursos naturais em busca de construir megalópoles, o jogador precisa usar princípios estratégicos de gestão de recursos e posicionamento de unidades para recuperar a natureza em um cenário de degradação.
Cada fase pode ser dividida em três momentos. No primeiro, o jogador precisa usar máquinas para recuperar o solo e deixá-lo pronto para receber vegetação. Em seguida, é necessário instalar novos equipamentos para ampliar a biodiversidade e equilibrar a atmosfera de maneira que a vida seja sustentável na região. Por último, o jogador precisa “limpar a área”, tirando qualquer construção humana para que a natureza ocupe todo o mapa.
“É um jogo sobre equilíbrio. O que, de certa forma, combina com a ideia de ser um jogo sobre a natureza, já que a natureza não busca crescimento infinito. São ecossistemas que naturalmente encontram uma harmonia”, afirmou Sam Alfred, designer chefe e programador do game, durante palestra na GDC, a Convenção de Desenvolvedores de Games, em San Francisco.
Para manter a experiência coerente, ele decidiu abandonar recursos tradicionais de jogos de construção de cidades como dinheiro e população, que incentivam o acúmulo desenfreado, por outros menos usuais. Em “Terra Nil”, os jogadores são premiados pela diversidade de seus biomas e o principal recurso para fazer construções são folhas de árvores.
“Jogadores vão se importar com qualquer métrica que você decida mensurar. Por isso, decidimos usar um medidor de biodiversidade para definir o objetivo de cada nível”, afirmou Alfred. “Se você quer que seus jogadores se importem com algo que não seja ouro, população, pontos de vida ou territórios ocupados, tudo o que você precisa fazer é colocar isso como forma de vencer o jogo.”
Ao desvirtuar um gênero tradicional como o de construção de cidades, Alfred sabe que pode chatear alguns fãs. Ainda assim, ele espera que o game cative uma audiência diferente, mais casual. Por isso, ao invés de fazer um jogo difícil, que estresse os jogadores com desastres e becos sem saída, ele criou uma experiência relaxante e contemplativa.
“Como em livros de colorir, os jogadores gostam de preencher os espaços em branco, de limpar o que está sujo, e de reviver as coisas que estão mortas”, afirmou. Ele lembra de pessoas que jogaram “Terra Nil” em períodos de teste e relataram como o título as ajudou a lidar com o estresse causado pelas mudanças climáticas.
Já “Highwater”, título lançado no início do mês para dispositivos móveis pela Netflix, adota uma abordagem bem mais sombria e menos esperançosa sobre a crise climática.
No game, o jogador assume o papel de Nikos, um jovem órfão que quer se juntar a um grupo de milionários e partir para Marte, deixando para trás um planeta Terra com cidades inundadas pelo aumento do nível dos oceanos e destruído pelas guerras decorrentes da disputa por escassos recursos.
Para isso, o jogador precisa explorar áreas inundadas em um bote inflável, conseguindo ajuda de onde for possível. Ao mesmo tempo, descobre em recortes de jornal e itens espalhados em ilhas improvisadas a trajetória de degradação ambiental -muitas vezes bem próxima da nossa realidade- que levou ao apocalipse climático.
No meio do caminho entre esses dois títulos está “Floodland”, game de sobrevivência em sociedade também ambientado em um planeta devastado pelas mudanças climáticas. Lançado em novembro do ano passado, esse construtor de cidades para PC expõe o drama de uma sociedade arrasada, mas deixa uma mensagem de esperança: através da união a humanidade pode sobreviver às condições mais adversas.
Os três títulos encaram questões ambientais relacionadas ao aquecimento global, e não escondem isso. Ainda assim, para Arnaud Fayolle, diretor de arte da Ubisoft, os “jogos climáticos” podem ser ainda mais efetivos no objetivo de converter mentes e corações para a causa ambiental com estratégias sutis.
“Alguns desenvolvedores têm a coragem de fazer games que dão oportunidade para os jogadores explorarem toda a complexa gama de problemas interconectados do aquecimento global para entender como podemos vencer as mudanças climáticas, e encorajo todos a jogar esses games. Mas, vamos ser realistas, esses jogos atraem muito mais pessoas já dedicadas à causa”, afirmou em sua palestra na GDC.
Segundo o desenvolvedor, que trabalha no grupo Positive Play, dedicado a amplificar o impacto positivo dos videogames na gigante dos jogos virtuais, todos os títulos podem abordar de alguma forma as questões ambientais, basta que eles saibam onde elas ressoam melhor com seu público-alvo.
Jogos de administração e construção podem ser usados para incentivar práticas que procuram transformar o sistema socioeconômico atual de forma a reverter os danos ao ambiente. Títulos de ação e RPGs são mais propensos a incentivar as pessoas a resistirem e protestarem contra a degradação do planeta. Já simuladores de vida, jogos esportivos e de exploração podem dar exemplos para as pessoas de como viver de forma mais sustentável.
“Podemos continuar fazendo games como nós sabemos e amamos, só precisamos identificar o potencial único que nossas histórias, mundos e personagens podem ter para influenciar os jogadores em sua jornada rumo à sustentabilidade”, diz Fayolle. “Fazendo isso, empoderamos nossos jogadores com os meios necessários para que eles possam agir e se inspirar com ações positivas e se sentirem capazes de fazer a diferença.”
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