Novo paradigma da tecnologia, o ChatGPT, inteligência artificial lançada novembro do ano passado, vem levantando preocupações acerca de seu impacto sobre o mercado de trabalho. O economista José Pastore, professor da FEA-USP e presidente do Conselho de Emprego e Relações de Trabalho da FecomercioSP, classifica essa questão como a “pergunta de um trilhão de dólares”, mas avalia que o saldo da ferramenta será positivo para a geração de empregos no longo prazo — embora não sem antes causar um baque inicial de destruição de postos de trabalho.
“As tecnologias, quando destroem, elas também criam novos empregos. Agora, a destruição é rápida e visível; a criação é lenta e é invisível”, afirmou em entrevista ao Estadão. “A criação gera benefícios sociais de médio e longo prazo, o que as pessoas já não aceitam com tanta facilidade, porque gostam de coisas mais rápidas”, avalia.
Ele avalia que o Brasil tem um longo caminho para avançar na digitalização do mercado de trabalho, uma vez que, no País, o desemprego convive com a falta de mão de obra qualificada. O economista defende a capacitação como saída, inclusive com o incentivo de políticas públicas. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como o Brasil está em termos de digitalização do mercado de trabalho, tanto do ponto de vista da oferta quanto da demanda?
Há vários tipos de demanda para digital. Quando você considera a demanda do pessoal de TI (tecnologia da informação), uma pesquisa da Brasscon indica uma demanda não atendida muito grande. Para os próximos anos, nós vamos precisar de cerca de 800 mil pessoas com habilidade na área de TI. No entanto, o País vai formar no máximo 300 mil, e mesmo assim como uma qualidade discutível. Agora, nos não temos pesquisas fortes (sobre a digitalização) em outras áreas, como aqueles profissionais que estão no chão da loja, no chão da agência de viagem… Eles precisam ter conhecimento para poder atender o freguês, pesquisar um produto, ver as características de um produto, informar bem o consumidor. O que a gente nota é que as poucas empresas que têm pessoal bem qualificado nesse campo têm uma competitividade muito superior às outras. Então a gente nota que esse tipo de profissional, mesmo sendo um conhecimento simples, ele faz diferença.
Quais são os ganhos dessa capacitação digital mesmo nas profissões mais tradicionais?
Basicamente, a diferença é na competitividade das empresas no mercado consumidor. Elas exploram melhor os hábitos dos consumidores, as expectativas dos consumidores, as alternativas de produtos e de serviços que existem. O que as grandes empresas têm e as pequenas e médias não têm é o profissional de vários campos que tenha o mínimo de habilidades digitais.
Quais os motivos para essa falta de capacitação?
Um deles é a questão do custo do treinamento em serviço das pessoas. As empresas calculam quanto tempo vai ser gasto, quantas pessoas vão ser envolvidas nisso, quanto tempo do gestor vai entrar nessa preparação. O segundo fator é a questão de ter ou não ter o gestor competente para poder treinar em serviço. E, nas pequenas e médias, em geral, não tem.
No Brasil temos um quadro de desemprego, ao mesmo tempo que falta de mão de obra qualificada. Como equacionar isso?
O grosso das profissões que são oferecidas no Brasil, cerca de dois terços, são de baixa qualificação. Já um terço dos profissionais requer uma certa qualificação. Para esses profissionais, em várias áreas há falta de mão de obra. Por quê? Porque o nosso sistema educacional é muito precário, sequer prepara na educação básica. E preparação de educação básica é muito importante para o mundo digital.
Qual sua visão sobre o ChatGPT? Esse tipo de inteligência artificial vai destruir empregos ou criar novas empregos?
Essa não é a pergunta de um milhão de dólares; é uma pergunta de um trilhão de dólares. O ChatGPT, de fato, é assustador, porque ele substitui muitas atividades humanas e em vários setores. Por exemplo, o setor da pesquisa: você vai fazer uma pesquisa bibliográfica, seja ela para a ciência, para a contabilidade, para o Direito, para a política. Essa ferramenta tem uma facilidade incrível, ela avança muito. Mesmo que você não confie totalmente na resposta, ele dá uma base a partir da qual você pode explorar, dá uma adiantada muito grande. Então, é bem provável que isso aí vá reduzir o tempo das pessoas que ficam hoje em dia no computador pesquisando um site aqui, outro site lá, uma biblioteca aqui, uma biblioteca lá… E, reduzindo o tempo, vai reduzir a demanda por essas pessoas também. Mas o que a gente sabe é que as tecnologias, quando destroem, elas também criam novos empregos. Agora, a destruição é rápida e visível; a criação é lenta e é invisível. A destruição do emprego traz impactos sociais imediatos, e isso apavora todo mundo. A criação gera benefícios sociais de médio e longo prazo, o que as pessoas já não aceitam com tanta facilidade, porque gostam de coisas mais rápidas.
Mas o saldo deve ser positivo ou negativo?
O Fórum Econômico Mundial tem um estudo sobre isso. Ele acha que vai haver uma destruição de empregos, mas também um pequeno aumento na geração de empregos, com inteligência artificial e todos esses sites que substituem atividades intelectuais. Ele está estimando para os próximos dois anos uma destruição de 85 milhões de empregos no mundo inteiro e a geração de 95 milhões. São estimativas ainda sujeitas a chuvas e trovoadas, né? Essas estimativas são tentativas de você verificar o que acontece, mas é preciso acompanhar o dia a dia, para ver o que vai acontecer com o resultado final. Tem uma coisa importante que dificulta a gente fazer esse tipo de prospecção que é o seguinte: os trabalhos que serão gerados no futuro ainda não têm nome. A gente ainda não sabe quais são. Então, é difícil para a gente poder dizer se eles vão poder atender melhor a humanidade do que a tecnologia, em relação os postos que eles estão destruindo.
Mas esses novos empregos serão mais bem remunerados…
Provavelmente. De um modo geral, os empregos que são gerados a partir do deslocamento de mão de obra devido à entrada e tecnologias digitais sofisticadas exigem muita capacitação. Agora, um assunto preocupa muito e eu estou pesquisando há dois, três anos é sobre o impacto social e político dessa transformação digital no mundo. Ela vai bem mais longe do que a gente pensa. Por quê? Porque, no passado, as tecnologias substituíam trabalhos manuais rotineiros. Hoje, elas substituem vários trabalhos intelectuais. E, quando ela substitui, ela provoca uma destruição de um determinado emprego e a criação de outro. Agora, nesse processo, não significa que o trabalhador que está no emprego que foi destruído vá entrar no emprego que foi criado, porque as habilidades podem ser muito diferentes. Isso tem consequências sociais muito sérias.
A pandemia de alguma forma incentivou a digitalização do mercado de trabalho?
Ainda não há pesquisas consolidadas para responder essa pergunta, mas a gente sabe, com dados dos mais diversos tipos, que a pandemia acelerou muito o uso da tecnologias digitais. Isso é uma coisa que terá de ser pesquisada mais tarde. Ela teve impacto diferenciado, que exigir mais de um determinado campo do que de outro.
Em termos de políticas públicas, qual o papel do governo no incentivo à capacitação digital?
Para você estimular uma empresa a treinar seus empregados, você alguns desafios pela frente. Quando a empresa é bem estruturada, tem um capital bom para poder investir em educação e treinamento, ela faz por conta própria. Mas quando ela tem limitações de capital, de acesso às escolas e programas de capacitação, elas precisam de estímulo. E o Brasil já teve um estímulo desse tipo. Era uma lei de 1975, a Lei 6.297, que vigorou até o tempo Plano Collor. O que dizia essa lei? Toda a empresa que investir no treinamento, na capacitação do seu pessoal, e que estiver bem documentado num relatório, terá uma isenção parcial de Imposto de Renda. Isso aí é um estímulo importantíssimo. A gente não teve condições de avaliar essa medida com precisão porque, naquele tempo, os relatórios iam para o Ministério do Trabalho tudo em papel, tudo escrito à máquina. Havia salas e salas com pastas cheias que ninguém tenha condições de analisar. A lei acabou sendo revogada porque recebeu esse tipo de crítica, de que não havia nenhuma avaliação. Mas hoje em dia, no mundo da informática, que você tem condições para exigir das empresas um bom relatório de programa, do que ela pretende e do que ela conseguiu fazer, eu acho que vale a pena repensar alguma coisa parecida com isso.
O sr. acha que isso deve ser discutido no âmbito da reforma tributária?
Eu acho que sim. É uma coisa importante, que deve ser priorizada.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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