Coaches de masculinidade estão em alta e preocupam especialistas

Red Pill, “machosfera” e “manosfera” são termos que têm chamado a atenção em referência a grupos que discutem o papel dos homens na sociedade, mas acabam por reproduzir ideias machistas e, por vezes, misóginas (de ódio a mulheres). Neles, um pano de fundo é bastante comum: supervalorização do masculino e reação a conquista de direitos de minorias, como mulheres (principal alvo) e LGBTs.

Na internet, esses grupos têm espaço em fóruns, redes de mensagens, perfis e podcasts, com ampla gama de influenciadores, os “coaches de masculinidade”, que dão dicas de sedução, segurança e estilo de vida e reúnem milhares de seguidores. Grande parte inclui conceitos ultrapassados, com representações estereotipadas e sem reconhecer a diversidade das mulheres.

Um tema recorrente são os relacionamentos. Em vez de uma ótica da parceria, muitos concebem a relação de modo que a mulher raramente aparece como produtora de riqueza material. O homem serviria à mulher com dinheiro, que ganha fora de casa, e ela retribui sexual e afetivamente, e com serviços domésticos. Isso quando ela, segundo os red pills, não tiver sido “transformada” pelo feminismo.

POLÊMICA. Um dos coaches, Thiago Schutz, ganhou holofotes este mês. Dono do perfil Manual Red Pill Brasil, ele viralizou com um vídeo em que exemplifica suposta manipulação de uma mulher que oferece cerveja a um homem que bebe Campari – daí o apelido “Coach do Campari” ou “Calvo do Campari”. Nas redes, o trecho trouxe à tona o debate sobre masculinidade frágil, além de memes e sátiras.

Entre elas, o vídeo da atriz Lívia La Gatto, que, sem citar nomes, ironizava falas misóginas dos “coaches da masculinidade”. Schutz, então, reagiu com uma fala sobre “processo ou bala”, na intenção de que a postagem fosse apagada. A atriz registrou boletim de ocorrência e ele afirmou ter sido mal interpretado. Ao Estadão, a defesa de Schutz disse que ele já deu depoimento e segue à disposição das autoridades.

MASCULINISMO. A “manosfera” ou “machosfera” reúne grupos com várias designações (red pill, incel, man going their own way), que defendem diferentes jeitos de ver e de se relacionar com mulheres, mas em comum, segundo seus participantes, lutam pelos direitos dos homens e se contrapõem ao feminismo. Especialistas em gênero e estudiosos do extremismo, porém, indicam que essa é, diversas vezes, uma roupagem para tornar aceitáveis ideias machistas e/ou misóginas. “No senso comum, até pelo ‘ismo’, pode dar a ideia de que o masculinismo seria simétrico ao feminismo. E não é”, diz a antropóloga Isabela Kalil, do Observatório da Extrema Direita. “O masculinismo está muito próximo, por exemplo, do supremacismo branco. Porque o feminismo não propõe a aniquilação do outro. O que propõe é a ampliação de direitos e projeto de emancipação e inclusão.”

A alegoria da red pill vem do filme Matrix, dirigido pelas irmãs Wachowski (duas mulheres trans). Nele, o protagonista Neo (Keanu Reeves) escolhe entre duas pílulas, azul e vermelha. Ao pegar a segunda, ele sai de uma espécie de simulação e passa a lutar contra um sistema onde máquinas subjugam humanos. Quem opta pela vermelha encararia a realidade – sob suposto domínio feminino – e deve ser viril.

Para especialistas, essa sensação de desvantagem por parte de brancos e heterossexuais é uma reação à conquista de direitos por minorias, que fazem o domínio social masculino perder força. As transformações criam frustrações e parte deles passa a ter comportamento infantilizado. “É como, de repente, acordar no meio do deserto, com 30 anos, e não saber o que aconteceu”, compara Christian Dunker, professor de Psicologia da USP. “Muitos desses homens têm uma versão simplificada do que a vida espera deles. E esse sentimento pode evoluir para violência, falta de responsabilidade afetiva”, afirma o especialista.

Narrativas red pills, diz Isabela Kalil, têm potencial de objetificar e desumanizar a mulher. “Diminuir o espaço de humanidade do outro e transformá-lo em objeto permite que violências sejam aceitas.” Estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública diz que todas as formas de violência contra mulher cresceram em 2022. Para ela, grupos masculinistas, sobretudo os extremos, expõem “uma cultura de violência contra a mulher, que pode aparecer de forma muito evidente, mas, às vezes, aparece de modo mais ‘suave’”.

LIMITES. Schutz nega que o red pill – ou ele – pregue ódio à mulher ou seja uma seita. “Pelo contrário. Ela ensina como usar a racionalidade no autoconhecimento para enxergar possíveis incoerências na vida e nas relações entre as pessoas”, disse ao Estadão, por e-mail.

“O que a Red mostra é que homens também podem estabelecer seus limites e preferências do que gostam ou não gostam, coisa que as mulheres já fazem de forma mais natural e mais aceita pela sociedade”, disse Schutz. Para ele, só o fato de expor os limites “é visto como machismo ou misoginia”.

O red pill atrai também advogados. Alex Ciqueira se apresenta como criminalista especialista na “defesa de homens contra falsas acusações”. “Talvez a mulher sofra mais a violência física pela força do homem, mas quando se trata de violência psicológica, talvez os números se igualem”, afirma.

Já para os estudiosos, é preciso combater falas que violem a lei. “É proibido assédio, violência contra mulher. Isso tem de ser punido”, diz a historiadora Cristina Scheibe, que defende a necessidade de educar mais sobre o tema. “Deveria estar, como conteúdos transversais, em todo ensino fundamental, médio e superior.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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