(FOLHAPRESS) – A cidade de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, recebeu nos últimos dez anos apenas 166 unidades do programa de moradia do governo estadual. Isso representa cerca de 2% da demanda para sanar o déficit habitacional no município, estimado de 8 a 10 mil casas.
Nesse ritmo, seriam necessários 50 anos para resolver o problema.
Em todo estado, no mesmo período, foram entregues 67,3 mil unidades. No litoral, a cidade mais beneficiada por políticas habitacionais foi Santos, onde foram entregues 1.146 moradias desde fevereiro de 2013 –a cidade é a maior da região.
Em segundo lugar, aparece São Vicente com 860 casas concedidas. Ilhabela, Guarujá, Mongaguá, Iguape e Praia Grande passaram a década sem serem incluídas em projetos de habitação social.
Paralelamente, na última década, a população do litoral norte aumentou 22,7% – passou de 281,7 mil no último censo, em 2010, para 345,8 mil em 2021, segundo estimativa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O aumento populacional na região foi maior do que o registrado em todo estado no mesmo período, 13%.
Epicentro da tragédia causada pelas fortes chuvas que atingiram o litoral norte durante o Carnaval, São Sebastião aumentou em 23,9% a população em 10 anos. Atualmente, a cidade tem cerca de 25 mil pessoas que vivem em condições precárias e em áreas de risco. A maioria são ocupações de encostas impulsionadas pela inauguração da rodovia Rio-Santos na década de 1970 e a posterior consolidação do local como destino turístico.
Nas últimas semanas, equipes de resgate confirmaram a morte de 65 pessoas vítimas de deslizamentos. O maior número de óbitos se concentrou na Vila Sahy, bairro construído em uma encosta de morro a partir do começou nos anos de 1990, em áreas desocupadas pelos canteiros de obras da rodovia. Hoje, é habitado, majoritariamente, por pessoas que trabalham e prestam serviços a turistas e donos de casas de veraneio na praia de Barra do Sahy e arredores.
De acordo com o secretário estadual de Habitação, Marcelo Branco, a baixa produção na cidade litorânea é um problema que se arrasta há mais de 50 anos e demanda uma resposta a longo prazo. “Não vejo um motivo específico para se ter construído pouco no litoral”, diz. Segundo ele, há 6.000 unidades em construção atualmente na região.
Procurada, a Prefeitura de São Sebastião afirmou que fez reiterados pedidos ao governo estadual para ser incluída no cronograma de empreendimentos habitacionais, mas não teve resposta.
Segundo Arthur Rollo, advogado do prefeito Felipe Augusto (PSDB), as tentativas se arrastam desde a gestão anterior, iniciada em 2009. “A resposta do governo estadual sempre foi que não havia verba por causa do contingenciamento de orçamento do governo federal”, diz Rollo.
Em 2020, o projeto de construção de 220 unidades habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida em dois terrenos da prefeitura na praia de Maresias suscitou embate entre parte da população local e o prefeito Augusto.
Na época, integrantes da Somar (Sociedade Amigos de Maresias) se posicionaram contrários ao projeto porque o sistema de saneamento básico do bairro não seria suficiente para os novos moradores.
O mesmo terreno alvo de disputa em 2020 faz parte da lista de locais onde o governo estadual pretende erguer cerca de 1.200 unidades habitacionais para abrigar as vítimas da tragédia. Há outros dois terrenos em Maresias que também devem ser ocupados por obras dos empreendimentos nos próximos meses.
Outro entrave para a construção de empreendimentos para a população de baixa renda em São Sebastião foi a demora de nove anos para a Câmara municipal aprovar o Plano Diretor, que regulamenta a verticalização no município, entre outros regramentos.
De acordo com o engenheiro Ivan Maglio, autor do projeto que baseia a lei municipal, os estudos foram apresentados à prefeitura em 2011. O Plano Diretor só foi aprovado em 2020, após forte resistência de moradores, comerciantes e donos de casas de veraneios e pousadas contrários à permissão para construir prédios na cidade.
A regra atual permite erguer edificações de até nove metros de altura com mais três metros para a instalação de caixa d’água.
Em entrevista coletiva dias após a tragédia em São Sebastião, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) defendeu a verticalização no município e sugeriu construção de empreendimentos sociais com até 15 metros de altura para abrigar as vítimas que perderam suas casas.
A fragilidade de leis que regram a ocupação do solo é uma das causas para a ocupação desordenada de áreas de risco, segundo a urbanista e coordenadora-executiva no Instituto Pólis, Margareth Uemura.
“Sem regras claras e consistentes, a ocupação fica ao sabor da oferta do mercado imobiliário”, diz. “Não é do interesse da iniciativa privada incluir habitações populares nos projetos de empreendimentos. É papel do Estado atender essa faixa.”
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