(FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu nesta terça-feira (7) uma nova frente de pressão sobre o Banco Central ao pedir a vigilância dos agentes que podem atuar para demitir o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto. Outros membros do governo, na contramão do petista, buscam baixar a temperatura do tom beligerante do discurso.
Lula afirmou que o Senado, que pode aprovar a exoneração do presidente do BC após pedido do governo, deve monitorar a atuação da autarquia. E disse esperar que os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) também estejam acompanhando a situação.
Haddad e Tebet compõem o CMN (Conselho Monetário Nacional), que pode iniciar o processo de exoneração do presidente da autarquia. O órgão, composto de três votos (sendo o terceiro do próprio chefe do BC), pode encaminhar ao presidente da República tal pedido em caso de “comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos” da autoridade monetária -de acordo com a lei de autonomia, aprovada em 2021.
“Naquele tempo [mandatos anteriores], era fácil jogar a culpa no presidente da República. Agora, não. A culpa é do Banco do Central. Agora, é o Senado que pode trocar o presidente do Banco Central”, disse Lula nesta terça.
Lula já afirmou que incentiva o discurso contra o BC como forma de pressão contra o atual patamar dos juros, considerado por ele elevado. Segundo o petista, a “classe empresarial precisa aprender a reivindicar, a reclamar dos juros altos” e ele, como presidente, também deve reclamar.
A estratégia de Lula, no entanto, tem causado estresse nas expectativas de inflação e pressionado os juros negociados no mercado, fazendo as taxas de longo prazo subirem -causando um efeito reverso ao defendido pelo presidente.
Apesar do tom de Lula, ministros e aliados têm atuado para amenizar o discurso e acenam na direção de conciliação. À Folha de S.Paulo, o líder do governo no Congresso, Jaques Wagner, afirmou que o presidente apenas reverbera o que a maioria da população pensaria sobre o patamar dos juros -mas que o governo vai respeitar o mandato de Campos Neto.
A percepção da equipe econômica de Lula, desde a campanha presidencial, é que qualquer mudança relativa ao BC demandaria um intenso uso de capital político, sendo que o governo tem uma série de outras prioridades na área econômica.
Entre os desafios, a aprovação ainda neste ano de uma reforma tributária complexa que mexe com o interesse de estados, municípios e diferentes setores. Além disso, o governo precisa discutir com os parlamentares neste exercício a nova regra fiscal que substituirá o teto de gastos -que impede o crescimento real das despesas federais.
Em sua primeira declaração pública desde que os ataques de Lula se intensificaram, Campos Neto defendeu a autonomia da instituição sob o argumento de que a independência traz como resultado um melhor custo-benefício da política de juros ao país.
“A principal razão, no caso da autonomia do Banco Central, é desconectar o ciclo de política monetária do ciclo político porque eles têm diferentes lentes e diferentes interesses”, afirmou Campos Neto em um evento em Miami, nos Estados Unidos.
“Quanto mais independente você é, mais efetivo você é e menos o país vai pagar em termos de custo-benefício da política monetária.”
A autonomia formal do BC já foi criticada por Lula em diversas ocasiões e até chamada de “bobagem” por ele.
O petista disse que poderia rever a autonomia depois de 2024, quando termina o mandato de Campos Neto -indicado ao cargo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Quero saber do que serviu a independência. Eu vou esperar esse cidadão [Roberto Campos Neto] terminar o mandato dele para a gente fazer uma avaliação do que significou o BC independente”, disse Lula em entrevista à RedeTV!.
A declaração foi dada um dia depois de o BC anunciar a manutenção da taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano pela quarta vez consecutiva, na primeira reunião desde que Lula tomou posse.
No comunicado, o colegiado do BC havia subido o tom com alertas sobre as incertezas fiscais e a piora nas expectativas de inflação, que estão se distanciando da meta em prazos mais longos. Os recados provocaram uma escalada na tensão entre governo e BC.
Nesta semana, Haddad revelou publicamente a insatisfação com o BC ao dizer que a nota da autoridade monetária pós-Copom poderia ter sido “um pouco mais generosa” depois das medidas anunciadas pela gestão petista para melhorar as contas públicas.
Nesta terça, o ministro leu a ata da reunião como uma sinalização positiva. No documento, o colegiado do BC afirmou que, embora só trabalhe em seus cenários com políticas já implementadas, a execução do pacote que promete uma melhora fiscal de R$ 242,7 bilhões poderia reduzir a pressão sobre a inflação.
“Alguns membros notaram que as medianas das projeções de déficit primário do Questionário Pré-Copom (QPC) e da pesquisa Focus para o ano de 2023 são sensivelmente menores do que o previsto no orçamento federal, possivelmente incorporando o pacote fiscal anunciado pelo Ministério da Fazenda”, disse.
“O Comitê manteve sua governança usual de incorporar as políticas já aprovadas em lei, mas reconhece que a execução de tal pacote atenuaria os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação”, acrescentou o texto.
Em outro trecho do documento, o BC ponderou que “será importante acompanhar os desafios na sua implementação”.
O ministro da Fazenda classificou o documento divulgado pelo BC como “mais amigável”. “A ata do Copom veio melhor do que o comunicado. Uma ata mais extensa, mais analítica, colocando pontos importantes sobre o trabalho do Ministério da Fazenda. Uma ata mais amigável em relação aos próximos passos que precisam ser tomados”, afirmou.
A percepção de alguns economistas é que esse gesto pode representar o “hasteamento de uma bandeira branca pelo BC”. Tony Volpon, ex-diretor da instituição, escreveu em suas redes sociais que um esforço de comunicação em conjunto com a ata pode talvez evitar “a perigosa crise” que estava sendo contratada.
Alberto Ramos, diretor do grupo de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, vê a menção do BC ao pacote fiscal do governo como um “gesto diplomático”.
“Parece uma ata equilibrada, foi um gesto educado, foi um gesto diplomático, mas não me parece que foi uma conclusão técnica porque o pacote, no meu entender, é relativamente fraco e vamos ver como vai ser a implementação”, disse.
Ainda assim, Mauricio Oreng, superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander, lembra que a ata reforça a intenção do BC de seguir mantendo a Selic no atual patamar de 13,75%, ajustando seus próximos passos em função da conjuntura atual.
“Nesse momento, a sinalização é um espaço menor para cortar juros, ou seja, vai demorar mais tempo esse processo de flexibilização da política monetária lá na frente; quando acontecer, talvez seja ainda mais lento do que se imaginava”, afirmou.
O documento ainda mostrou “especial preocupação” do Copom diante da piora nas expectativas de inflação. No texto, o BC analisou os possíveis fatores que levaram a esse cenário.
“Tal deterioração [de inflação de prazos mais longos] pode ter ocorrido por diversas razões, destacando-se, dentre esses fatores, uma possível percepção de leniência do Banco Central com as metas estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional, uma política fiscal expansionista, que pressione a demanda agregada ao longo do horizonte de projeções, ou a possibilidade de alteração das metas de inflação ora definidas”, escreveu.
O último tema entrou no radar depois que Lula criticou publicamente as metas de inflação fixadas para os próximos anos –os alvos são 3,25% em 2023 e 3% em 2024 e 2025, com margens de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou menos.
Com relação à eventual mudança nas metas de inflação, o BC não entrou no mérito da questão e disse que “mais importante do que a análise das motivações para a elevação das expectativas, o comitê enfatiza que irá atuar para garantir que a inflação convirja para as metas”.
Sobre a percepção de complacência do BC, a autoridade monetária reafirmou seu compromisso para atingir as metas. “[O BC] avalia que, uma vez observada a desancoragem [piora da percepção dos analistas do mercado financeiro], é necessário se manter ainda mais atento na condução da política monetária para reancorar as expectativas e assim reduzir o custo futuro da desinflação”, acrescentou.
Quanto à política fiscal expansionista, o colegiado ponderou que a avaliação dos estímulos de demanda deve considerar o estágio do ciclo econômico e o grau da ociosidade na economia, enfatizando que a política de juros é o instrumento usado para mitigar possíveis efeitos inflacionários.
A ata também aprofundou a discussão sobre a questão fiscal, com alerta do BC para os riscos em torno da regra que substituirá o teto de gastos. “A revisão do arcabouço fiscal diminui a visibilidade sobre as contas públicas para os próximos anos e introduz prêmios nos preços de ativos e impacta as expectativas de inflação.”
O Copom disse ainda que seguirá acompanhando o impacto dos estímulos fiscais sobre a atividade econômica e a inflação.
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