SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nos últimos anos, muitos recursos tecnológicos, como softwares que ajudam a melhorar a proporcionalidade da roupa e equipamentos eletrônicos de corte, passaram a ser incorporados à produção de vestuário sob medida.
A alfaiataria digital foi apontada, em 2018, como uma das profissões do futuro pela empresa global de consultoria em tecnologia e macrotendências Cognizant. Mas ninguém poderia prever a chegada da pandemia a tempo de buscar alternativas para evitar o contato pessoal entre o artesão e seu cliente.
Neste momento, outro desafio é encontrar um consumidor disposto a encomendar peças personalizadas quando a apresentação pessoal se restringiu, na maioria dos casos, a contatos virtuais.
Acostumado a produzir centenas de ternos, calças e camisas, o alfaiate paulistano Fabrizio Allur diz que alguns de seus clientes se dispuseram a tomar as próprias medidas sob a orientação dele por meio de aplicativos de videochamadas.
“Nos primeiros dois meses da quarentena, o movimento simplesmente parou. Depois, quando começou a retomar, como todos estavam com receio, fizemos essa experiência online para produção algumas de dezenas de peças”, diz Fabrizio.
No caso de camisas, ele considera possível conseguir bons resultados. Já com ternos afirma ser muito difícil porque são necessárias provas e ajustes no meio do processo, o que no seu caso foi feito após a autorização para reabertura, quando então as peças foram finalizadas.
Ele afirma também que investiu em uma linha de jaquetas de couro prontas, para venda online, com o que chama de “toque de alfaiataria”.
E o que dizer de quem depende do mercado de casamentos? Depois de cinco anos criando vestidos sob medida para noivas e madrinhas, a estilista Renata Castro, do ateliê Something Blue, viu seu negócio de 150 peças por ano chegar a zero, com adiamentos de cerimônias e festas.
“O que me salvou nos primeiros meses foi o contrato com uma empresa de suplementos alimentares, que encomendou uma grande quantidade de cangas para distribuir como brinde às colaboradoras”, afirma.
“Quase todos os eventos que eu tinha na agenda foram adiados, e, somente no meio do ano, quando algumas noivas decidiram realizar as cerimônias online, é que retomamos a confecção das roupas, mas boa parte delas ainda não remarcou a data”, diz Renata, que tem no currículo a participação em dois reality shows -Prova de Noiva, no Discovery Home & Health, e Um Show de Noiva, no canal E! Entertainment.
Com o recrudescimento da pandemia no final de 2020, o boom de casamentos esperado para o primeiro semestre deste ano deverá ser mais uma vez adiado.
Para o diretor da fabricante de tecidos francesa Dormeuil, Eric Orliange, algumas mudanças trazidas por esta crise serão definitivas. O executivo, que é responsável pelo mercado latino-americano da companhia e tem representante no Brasil para atender aos alfaiates daqui, conversou com a reportagem por telefone, de Paris, onde vive e trabalha.
“Muitas dessas transformações no modo de se vestir e consumir roupas já estavam previstas pela indústria com o crescimento do trabalho remoto, a desobrigação do uso de paletó e gravata em muitas empresas e a ascensão da geração startup, que se veste de modo informal. Por isso, há muitos anos desenvolvemos tecidos tecnológicos confortáveis que encurtam a distância entre o formal e o esportivo”, diz.
Ainda assim, ele acredita que a procura por peças sob medida deverá crescer no segmento de luxo, entre aqueles que as usam por opção, não por obrigação profissional.
Já há quem idealize um mundo onde tudo o que vestimos será feito sob medida e a boa e velha fita métrica será aposentada.
O paulistano Cairê Moreira, que se apresenta como profissional de vestuário digital, criou em 2018 o Atelier 4.0, no qual desenvolve modelos customizados utilizando dispositivos como tablets para captação e digitalização da imagem do corpo em 3D. Em seguida, com a ajuda de softwares de games e animação, ele cria uma base para modelagem e corte.
“Além de inovador, esse método pode abolir de vez os limites de tamanhos padronizados pela indústria, nos quais todos temos que nos adaptar. E poderá servir tanto para a peça única como para a produção em escala”, diz Cairê, que aponta para um futuro no qual não precisaremos comprar modelos pré-fabricados em lojas ou pela internet.
Outro entusiasta desse sistema de escaneamento é o alfaiate Alexandre Fragata, que trabalha no mercado de moda desde 2009 e atende a clientes no ateliê MN76, na Vila Nova Conceição, zona sul da capital paulista.
No fim do ano passado ele se juntou ao trio de empreendedores Aline Koskinas, Fernando Koskinas e Fabio Joly, da Mym, empresa criada em meio à pandemia e que também faz escaneamento 3D por meio de sensores que produzem uma réplica digital do corpo em menos de trinta segundos.
A partir desse arquivo, eles confeccionam um manequim real para modelagem. “Essa peça, feita em polietileno expandido, pode ser enviada para qualquer lugar do mundo para medidas, provas e ajustes sem a presença do cliente”, diz Aline, que já idealiza o uso da ferramenta na criação de peças a partir da automedida.
Juntos, conseguiram trazer para o grupo o designer e estilista veterano Jum Nakao para ser mentor do projeto e estão trabalhando para tornar real o uso dessas tecnologias na confecção de roupa sob medida.
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