LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Atraídos por um acordo de reciprocidade entre a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e sua homóloga lusitana, advogados brasileiros optam cada vez mais por cruzar o Atlântico para o exercício profissional. Atualmente, mais de 9,3% dos advogados registrados em Portugal são brasileiros.
Dados fornecidos à Folha pela Ordem dos Advogados Portugueses mostram que, dos cerca de 34 mil profissionais inscritos na instituição, 3.173 são brasileiros. Desses, quase 60% estão concentrados na região de Lisboa.
As cifras representam um aumento de quase 482% em relação aos 536 brasileiros que estavam inscritos na entidade portuguesa em 2017, ano em que a imigração do Brasil voltou a crescer em Portugal.
Além do acordo de reciprocidade para o exercício profissional e da facilidade com o idioma, Portugal também atrai brasileiros com uma ampla oferta de pós-graduações no direito, incluindo mestrados e doutorados. Em muitos casos, alunos acabam optando por permanecer no país após o fim dos estudos.
É o caso da advogada carioca Raphaela Souza, que chegou ao país para um mestrado na Universidade de Lisboa em 2016. Mesmo antes da conclusão, ela sabia que queria permanecer advogando em Portugal.
“Já migrei com os documentos necessários para iniciar os trâmites de inscrição na Ordem dos Advogados Portugueses, uma grande facilidade que nos isenta de estágio da realização de um exame final de avaliação”, explica Souza, proprietária da consultoria Portugal Para Todos.
Assim como muitos dos colegas brasileiros, a advogada acabou se especializando na área de nacionalidade portuguesa e imigração: um setor que, com as diversas mudanças na legislação e nos regulamentos nos últimos anos, está bastante aquecido.
Números do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que quase 400 mil brasileiros obtiveram a nacionalidade lusa desde 2010. A facilitação do acesso ao benefício para netos de portugueses, em 2020, ajudou a fazer a demanda explodir.
Além de se inserirem no mercado local, muitos têm optado pelo empreendedorismo, abrindo dezenas de escritórios. A criação de negócios próprios também é uma maneira de driblar dois problemas citados pelos profissionais brasileiros: baixos salários e, em alguns casos, discriminação profissional.
Após um período como advogado de uma multinacional em São Paulo, Carlos Rebolo foi transferido para o escritório da empresa em Lisboa em 2014. “Fui muito bem acolhido e logo me senti em casa”, conta.
Quando já estava bem estabelecido na capital lusa, no fim de 2017, recebeu a informação de que precisaria se mudar para outra capital europeia por conta de uma reorganização da empresa. Decidido a permanecer em Portugal, resolveu então explorar o mercado local de advocacia.
“Na minha perspectiva na época, o mercado de trabalho local também não me parecia atrativo, e já iniciava o desejo de enveredar pelo empreendedorismo. Foi quando pensei: ‘por que não ter a minha própria sociedade de advogados?'”
Junto com uma sócia, a também advogada brasileira Angela Theodoro, estão à frente da sociedade TR Advogados, um escritório focado em direito empresarial e investimentos estrangeiros, áreas em que a dupla já tinha larga experiência.
“Entendemos que Portugal está em um momento bastante positivo, com grande afluxo de investimentos, posicionando-se como um polo atrativo em termos de tecnologia, infraestrutura, capacitação da força de trabalho, tudo isso num ambiente com alta qualidade de vida”, completa Theodoro.
A reciprocidade com o Brasil passou a contar no estatuto da Ordem dos Advogados Portugueses em dezembro de 2015. Pelo princípio, os advogados brasileiros não precisam revalidar seus diplomas nem fazer provas adicionais, sendo suficiente a inscrição válida e em atividade na OAB.
Os brasileiros também não precisam fazer estágios profissionais, mas há uma longa lista de documentação a apresentar. A conclusão do processo de inscrição pode levar alguns meses.
Embora haja semelhanças entre o direito de Portugal e do Brasil, as muitas diferenças legais em cada lado do Atlântico representam um desafio adicional para os profissionais estrangeiros.
“Os maiores desafios são em torno da complexidade da própria profissão”, diz a advogada Raphaela Souza. “Ainda que o acordo de reciprocidade nos permita inscrição na ordem portuguesa, nós nos deparamos com ordenamentos e leis distintas das regras que são aplicadas no Brasil.”
Na avaliação da profissional, essas diferenças impõem a “necessidade contínua de estudos, cursos e especializações”. A advogada destaca a boa oferta de cursos gratuitos que já podem ser feitos no portal da entidade profissional lusitana.
As ordens de advogados dos dois países também celebraram acordo para permitir uma formação adicional para os advogados que realizarem essa mobilidade transatlântica.
“O acordo tem sido benéfico para ambos os países, tendo surgido apenas algumas dificuldades devido à falta de formação dos profissionais sobre as regras específicas de cada um dos ordenamentos”, diz o presidente da Ordem dos Advogados Portugueses, Luís Menezes Leitão. “O principal desafio está na necessidade de formação à chegada, porque depois os brasileiros integram-se sem dificuldade”, afirma.
Leitão, reconhece, no entanto, que há limitações quando à capacidade de acolhimento no mercado profissional luso. “Elas existem efetivamente, mas não se referem especificamente a advogados oriundos do Brasil. Na verdade, Portugal tem o triplo da média de advogados da União Europeia, pelo que quem pretende exercer advocacia em Portugal tem de ter consciência dessa situação e das dificuldades que a mesma acarreta”, ressalta.
O acordo de reciprocidade também permite que advogados portugueses exerçam a profissão no Brasil. A OAB informou, através de sua assessoria, que não tem o número específico dos profissionais atuantes no Brasil ao abrigo do mecanismo. A entidade detalhou, porém, que existem 1.675 advogados nascidos em Portugal e que estão regularmente inscritos na instituição.
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