SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, afirmou nesta quarta (23) que seu país prepara um ataque terrestre a posições curdas no norte da Síria. “Estamos continuando a operação aérea e iremos para cima dos terroristas por terra com força no momento mais conveniente para nós”, disse no Parlamento turco.
A ameaça de escalada, após o início de uma ação contra os curdos, levou a um pedido imediato de Moscou para que o líder turco evite uma nova invasão, sob risco de ver a violência na região sair de controle.
Erdogan, falando a membros de seu partido, o AK (Justiça e Desenvolvimento), afirmou que estão sendo feitos preparativos para reforçar a segurança no corredor de cidades que leva a Kobani, o principal centro curdo do norte sírio.
“Eles são a fonte de nossos problemas”, disse, referindo-se então ao ataque terrorista que atingiu Istambul no dia 13 passado, atribuídos a militantes do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) turco, apoiado pelos seus irmãos étnicos na fronteira sul.
A renovada ofensiva turca responde a dois aspectos. Um é doméstico, onde a dura posição de Erdogan, no poder desde 2003 (como premiê até 2014, como presidente dali em diante), ante a secessão curda no sul do país é um pilar de sua popularidade.
Mais importante, contudo, é o cenário externo. Iniciada em 2011, a guerra civil da Síria serviu de playground para potências externas tentarem exercer influência: Ocidente, turcos, iranianos, sauditas, emiratis e, desde 2015, russos agem no país. Só que Moscou e Ancara foram mais fundo, com Vladimir Putin salvando a ditadura local da derrota e Erdogan apostando tudo para resolver seu problema com os curdos.
A saber: o Curdistão é a maior nação extraoficial do mundo, com talvez 40 milhões de habitantes, metade deles no sul da Turquia. No norte sírio, sempre tiveram grande autonomia, mas viram na guerra civil uma oportunidade de ampliar isso –o que levantou sobrancelhas em Ancara, vendo um reforço da retaguarda de sua minoria revelde.
Assim, Erdogan aliou-se a milícias árabes contra curdos, enquanto todos lutavam contra ora a ditadura de Bashar al-Assad, ora contra os fundamentalistas do Estado Islâmico. Ao fim, Rússia e Turquia evitaram um choque maior e dividiram responsabilidades no norte da Síria.
Com o enfraquecimento geopolítico de Putin, devido ao foco na Guerra da Ucrânia, Erdogan aproveitou o momento para tentar forçar a mão sobre os curdos –de resto, houve seis mortos pelo terror na sua principal cidade há poucos domingos.
Desde o domingo (20), 471 alvos foram atingidos no Curdistão sírio e também no Iraque, afirmou o ministro da Defesa turco, Hulusi Akar. “O verdadeiro alvo é Kobani”, disse o comandante curdo Mazloun Abdi ao site Al-Monitor.
“Nós esperamos que nossos argumentos sejam ouvidos”, afirmou o negociador russo Alexander Lavrentiev, alertando contra a escalada. Na véspera, o Kremlin e o Departamento de Estado americanos se uniram para criticar a ação turca.
Na Ucrânia, Erdogan apoia Kiev, mas mantém boa relação com Putin, como faz em outras áreas de contencioso, como o sul do Cáucaso e a Líbia. Recentemente, Ancara mediou o acordo da ONU para exportação de grãos ucranianos e fertilizantes russos pelo mar Negro, e firmou um grande projeto de distribuição de gás natural russo para a Europa.
Em relação aos EUA, parceiros da Turquia na aliança Otan, a situação é ainda mais complexa. Erdogan, cliente militar russo que se viu ejetado da produção do caça de última geração F-35, arrancou promessas de fornecimento de aviões F-16 para rejuvenescer sua frota após ameaçar vetar a entrada da Finlândia e da Suécia no clube militar –o outro item foi a extradição de ativistas rivais nesses países.
Em 2016, um golpe contra Erdogan foi visto como obra de um clérigo protegido pelos EUA, e o líder turco nunca perdoou os americanos por não extraditá-lo. Mas, tecendo as carreiras de sua própria tapeçaria política, o turco conseguiu trabalhar seu caminho entre Washington e Moscou com concessões cruzadas. E parece buscar isso novamente agora.
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