Primeiro brasileiro eleito para a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) desde a sua fundação, em 1959, o economista Ilan Goldfajn espera uma relação de “harmonia” com o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva uma vez que as agendas “são muito parecidas”. Dentre as pautas prioritárias da sua gestão, diz, estão o apoio aos mais vulneráveis, em um cenário de uma inflação elevada e de subida de juros no mundo, ações para apoiar os países na transição para uma energia limpa, considerando as mudanças climáticas, a Amazônia e apoio à infraestrutura física e digital.
Durante a campanha para a eleição de Ilan para a presidência do BID, uma ala dentro do PT atuou para tentar adiar o pleito e ganhar tempo para indicar um novo candidato, com perfil mais alinhado ao partido. O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega chegou a enviar uma carta aos governadores dos países membros, que representam seus países na instituição, enquanto o ex-BC Luiz Awazu Pereira da Silva se colocou como candidato ao cargo, conforme revelou o Estadão/Broadcast.
A movimentação foi ignorada e o BID seguiu com as eleições, realizadas neste domingo, quando Ilan foi eleito com 80% dos votos, superando com folga as exigências para alçar ao posto máximo da instituição, pela primeira vez em 63 anos. “Eu acho que tem tudo para ter uma harmonia [com o governo Lula], uma relação muito boa”, disse o economista.
Ilan, de 56 anos, assume a presidência do BID no diz 19 de janeiro, por um período de cinco anos. Indicado pelo governo Bolsonaro (PL), com o seu nome escolhido pelo ministro da Economia Paulo Guedes, ele presidiu o Banco Central (BC) no governo de Michel Temer (MDB), entre 2016 e 2019. Ilan chefiou ainda o departamento de economia do Itaú Unibanco, maior banco da América Latina, e, mais recentemente, ocupava o posto de diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Hemisfério Ocidental, do qual se licenciou para concorrer à presidência do BID. Abaixo, os principais trechos da entrevista:
O senhor é o primeiro brasileiro a assumir a presidência do BID após um escândalo ético e uma campanha cheia de altos e baixos em meio às eleições presidenciais no Brasil? Qual a sua avaliação?
É um marco histórico nesse momento. É o primeiro brasileiro em 63 anos desde o Juscelino Kubitschek, que teve o sonho de criar o BID, que realmente é muito importante. Eu acho que ficou claro que a candidatura é do Brasil e ficou claro que a gente teve o apoio de toda a região, de várias matizes ideológicas, Estados Unidos, Canadá, América Central, Caribe, países da Europa, Argentina, Peru, Venezuela, Panamá, Uruguai, Paraguai, de todo o Mercosul, então, acho que ficou clara a percepção da região de que há um apoio para essa presidência. E isso é muito importante, muito importante para o Brasil ter um candidato que tem esse apoio regional. Isso foi bem relevante.
Quais os desafios da sua gestão à frente do BID, considerando o cenário atual, de aperto monetário ao redor do globo e risco de recessão nas economias desenvolvidas, o que deve impactar países do Mercosul, da América Latina?
Não só o Mercosul, mas toda a região será impactada pela questão global. Vamos ter uma desaceleração, os juros vão estar altos e a dependência do BID é uma dependência cada vez maior porque os recursos multilaterais vão ser cada vez mais relevantes nesse cenário.
Há uma grande preocupação com as populações mais vulneráveis com o cenário de elevada inflação e a subida de juros para controlá-la, de que maneira o BID pode atuar para suportar os países?
O BID pode atuar na pobreza e na insegurança alimentar. Há programas de transferências de renda, que tentam ajudar que as redes de proteção social, programas que tentam ajudar na distribuição de alimentos, enfim, tem toda uma rede de proteção. É um momento de cuidar da pobreza, de cuidar dos mais vulneráveis porque a pobreza aumentou desde a pandemia e continua subindo, ainda mais com as commodities que subiram de preços, alimentos, energia.
E quanto à questão ambiental?
Os bancos regionais, inclusive, o BID, são líderes, são eles que têm que puxar essa agenda, que é fundamental. Você precisa contribuir para o combate ao aquecimento global, tem as metas de Paris, de menor uso do carbono. Na região, tem que olhar porque tem países que tem uma transição mais difícil, que dependem muito das exportações de petróleo. Também na região, nós temos muitos desastres naturais que precisa adaptar os países à uma nova mudança, tem muito mais furacão, enchente, então, isso tudo é do banco de desenvolvimento. Sem falar na questão da Amazônia. Eu como brasileiro, chegando na presidência, tenho de pensar na Amazônia, na proteção da biodiversidade, na floresta. Não tem como não puxar essa agenda.
O senhor vai assumir a presidência do BID em meio a um elevado grau de desmatamento na Amazônia. O senhor já tem algum plano quando diz que tem de puxar essa agenda?
É um tema que deve existir. Já existe um fundo de Amazônia, algumas coisas que já existem. Eu tenho de chegar lá e sentir o que está acontecendo.
E qual a estratégia para recuperar a credibilidade do BID após os problemas éticos envolvendo a gestão anterior?
É um pouco do que fiz no meu passado, quando entrei no Banco Central. Primeiro, transparência, muita comunicação, prestação de contas, muito respeito às regras, diálogo, diálogo com o Conselho, com os funcionários, com os países, ou seja, não tem como você conseguir uma votação como a gente conseguiu hoje de manhã sem diálogo. Tem de ter diálogo com todo mundo.
A falta de um diálogo entre o governo atual e o eleito foi uma questão levantada durante a sua campanha, com uma ala do PT tentando minar a sua candidatura, como o senhor vê a relação com o novo governo?
Eu acho que tem tudo para ter uma harmonia, uma relação muito boa. Saiu um tweet do vice-presidente Geraldo Alckmin em nome do presidente Lula. Eu acho que essa harmonia vai existir até porque as agendas são muito parecidas, tem muitas coisas que conciliam, a questão do meio ambiente, da pobreza, da desigualdade, eu acho que até mesmo o financiamento à infraestrutura é muito importante.
O BID deve ampliar o apoio à infraestrutura na sua gestão? No Brasil, há uma expectativa de maiores investimentos, a volta do PAC…
Eu acho que é uma das áreas prioritárias, a infraestrutura tanto física sustentável, quanto digital. E aqui eu estou falando da região, não estou falando especificamente do Brasil, mas acho que é uma prioridade e que é relevante para o BID.
O senhor falou que tem tudo para ser uma harmonia com o novo governo. Então, por que o senhor acha que teve essa atuação contra o seu nome?
Todo mundo que eu conversei no Brasil sempre apoiou o meu nome. Eu entendo que não há ninguém no Brasil que tenha qualquer objeção. Isso é importante e agora está em uma outra fase. É a fase da presidência BID, eu vou ter uma boa relação, uma relação harmônica com todos os governos da região e tenho certeza que com o Brasil também.
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