(FOLHAPRESS) – “Gestos românticos vêm em muitas formas”, diz a abertura de um vídeo publicado pelo Ministério da Defesa da Ucrânia no Twitter. Buquês de flores, chocolates e a torre Eiffel surgem na tela ao som de “Je T’Aime, Moi Non Plus”, música de Serge Gainsbourg em que um casal reproduz em detalhes uma relação sexual.
Os desavisados podem ter dúvidas sobre um possível ataque hacker, até que o vídeo anuncia a que veio.
“Se você realmente quer ganhar nossos corações, nada supera artilharia móvel com munição de autopropulsão de 155 milímetros”, continua a peça. “‘Merci beacoup’, França! Por favor nos mandem mais desses”, finaliza o vídeo, que exibe os armamentos produzidos pelos franceses e enviados para o arsenal ucraniano.
A peça é uma de muitas publicações irônicas em contas de órgãos oficiais ucranianos em redes sociais a se multiplicarem desde o final de julho.
Conteúdos do tipo foram utilizados, por exemplo, para “comemorar” a explosão da ponte que liga a Rússia à Crimeia. É o caso de um vídeo que exibe a megaestrutura em chamas ao lado de Marilyn Monroe cantando “feliz aniversário, senhor presidente” –Vladimir Putin havia completado 70 anos na véspera.
Mikhailo Podoliak, principal assessor do gabinete de Zelenski, usou uma cena de “Harry Potter” mostrando uma das vilãs mais detestadas pelos fãs da saga do jovem bruxo, para ilustrar um comentário sobre crianças ucranianas que estão sendo levadas e criadas na Rússia.
Professor de relações internacionais da Universidade de Oxford, Corneliu Bjola diz que a princípio se surpreendeu com os memes ucranianos. Em um contexto como o de uma guerra, o humor poderia facilmente sair pela culatra.
Compreendeu, porém, que elas representam uma estratégia para manter o apoio dos países ocidentais –sem o qual ela seria inevitavelmente derrotada. “O melhor jeito de fazer isso não é com discussões entre Estados, mas falando diretamente com o público estrangeiro, que pode por sua vez exercer pressão sobre seus respectivos governos”, diz.
As mesmas publicações também servem para levantar a moral interna no plano doméstico. E ajudam a minar a narrativa de intimidação russa, insinuando que as tropas de Putin não são tão fortes ou capazes quanto alegam.
As postagens representariam, assim, uma espécie de cartão de visitas da Ucrânia ao Ocidente. Não é à toa que as montagens têm legendas em inglês e fazem tantas referências à cultura pop americana.
As funções listadas pelo pesquisador para os memes ucranianos condicionam em grande medida a natureza deles. Além de caricaturas de Putin e de suas tropas, outras publicações recorrentes incluem montagens de cenas de batalha com trilhas sonoras românticas e fotografias de soldados ucranianos interagindo com cachorros e gatos –há inclusive um perfil no Twitter exclusivo para isso.
Bjola conta ainda que essa estratégia não nasceu agora, mas depois da invasão da Crimeia, em 2014, com a criação de uma unidade estratégica de comunicação digital pela pasta das Relações Exteriores.
As postagens sarcásticas diminuem quando a Ucrânia tem grandes perdas ou é palco de atrocidades. A Rússia, por sua vez, aposta em uma comunicação digital mais austera, ecoando por exemplo as ameaças de uso de armas nucleares feitas por Putin. “Ela quer romper a conexão da Ucrânia com os países ocidentais. Para isso, é preciso retratar a si mesma como agressiva, disposta a fazer o que for preciso para vencer”, analisa Bjola.
É uma quebra de paradigma em relação ao histórico do governo russo, que costumava usar paródias e sátiras contra líderes ocidentais.
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