Sete em cada dez mulheres que congelam óvulos têm 35 anos ou mais

Após ganhar Valentina, em 2018, a médica Pâmella Morenghi Cury até pensava na possibilidade de uma nova gravidez, mas não fazia planos concretos. Em ascensão na carreira, ela adiou a decisão até que, agora em agosto, aos 38 anos, ainda sem ter uma definição, decidiu congelar óvulos. “Eu queria ter a opção (de engravidar novamente), mas, pelo meu momento de crescimento na carreira e de ter que equilibrar isso com os cuidados com minha filha, percebi que ter outro filho neste momento não seria ideal, até mesmo porque a minha dedicação a Valentina já é limitada pela questão do trabalho e gostaria de ter mais tempo com ela”, conta.

Ao mesmo tempo, Pâmella ponderou que, com a proximidade dos 40 anos, poderia não conseguir engravidar naturalmente quando decidisse tentar. “Fiquei me questionando se daria tempo, se eu teria óvulos em boa qualidade quando quisesse e por isso decidi congelar”, afirma. Embora o congelamento tenha melhores resultados se feito antes dos 35 anos, quando a mulher possui óvulos em maior quantidade e melhor qualidade, a maioria dos procedimentos no País é realizada por mulheres que, como Pâmella, têm 35 anos ou mais, como mostram dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Entre 2020 e 2021, foram 21.059 ciclos de estimulação dos ovários para congelamento. Desses, 72,4% foram realizados nessa faixa etária.

Motivação

Não há limite de idade para a realização do procedimento de congelamento, mas a resposta da mulher piora com o passar dos anos, o que faz os médicos recomendarem que se faça antes dos 35. Para especialistas em reprodução assistida, a maior parte das mulheres acaba realizando o procedimento depois da idade considerada ideal por motivos profissionais, sociais e financeiros. Com a priorização da carreira e dos estudos, algumas mulheres adiam não só a gravidez, mas a decisão sobre se querem ou não ter filhos, o que impede que se planejem até sobre o congelamento.

“Às vezes ela assume novas responsabilidades no trabalho, decide fazer um novo curso, uma pós-graduação e a vida vai seguindo. Se a pessoa não tem o desejo de gestar naquele momento, nem sempre isso surge como uma prioridade e aí o ‘clique’ sobre a gravidez vem mais tardiamente. Também há os casos de mulheres que tinham um relacionamento e se separam com 35, 36 anos e optam por congelar pela incerteza de quando encontrarão um novo parceiro”, diz o ginecologista e obstetra Alvaro Pigatto Ceschin, presidente da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA).

A falta de um parceiro levou a gerente de compras Paula Chignall Schefer, de 44 anos, a congelar os óvulos com 35 anos. “Ainda bem, porque conheci meu marido só com 41 anos e, se não tivesse congelado os óvulos, acredito que dificilmente teríamos conseguido naturalmente”, diz, hoje mãe de Maria Laura, de 1 ano.

Barreira financeira

Para Thais Sanches Domingues Cury, especialista em reprodução assistida e sócia-diretora da Clínica Huntington, a limitação financeira é outra razão para se adiar o congelamento, uma vez que o procedimento tem um custo alto. “No início dos 30 anos, muitas mulheres estudam, estão se estabilizando na carreira e não têm condições de custear.”

Cada ciclo de congelamento de óvulos, que inclui a estimulação hormonal, a coleta dos gametas e o congelamento, custa entre R$ 15 mil e R$ 25 mil. Se a resposta à estimulação não for satisfatória em número de óvulos coletados, a mulher pode optar por passar por mais de um ciclo, o que aumenta o custo.

Segundo Caio Parente Barbosa, ginecologista e obstetra do Instituto Ideia Fértil de Saúde Reprodutiva, organização sem fins lucrativos que oferece tratamentos de reprodução assistida com custo mais baixo, a maioria das mulheres acima dos 35 anos acaba tendo de realizar mais de um ciclo de estimulação ovariana para conseguir congelar o número de óvulos considerado ideal para altas chances de gravidez no futuro. “Até os 37 anos, o ideal é que a mulher tenha 15 óvulos congelados para uma chance de 80% de gravidez no futuro.”

O especialista afirma que, entre os 38 e os 39 anos, essa média de óvulos coletados por ciclo cai para oito; dos 40 aos 42, o número vai para seis e, a partir dos 43 anos, são somente três a quatro óvulos congelados, em média, por ciclo, o que exige um investimento alto na realização de vários ciclos.

E os números da Anvisa mostram essa diferença de resposta de acordo com a idade. Entre as pacientes com menos de 35 anos, foram 5.811 ciclos realizados entre 2020 e 2021, com 58.595 óvulos congelados, uma média de 10 óvulos por ciclo. Já entre as mulheres com 35 anos ou mais, foram 15.248 ciclos feitos, com 96.035 óvulos preservados, média de 6,2 óvulos por ciclo.

“Até pouco tempo atrás, a gravidez não era um tema tratado nas consultas ginecológicas anuais, a não ser que a mulher estivesse tentando engravidar naquele momento. Nos últimos anos, isso vem mudando, mas é necessário que a informação sobre esse tema seja mais difundida, para que a mulher possa se planejar de acordo com suas prioridades e seu momento”, diz Thais Cury.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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