GIULIANA MIRANDA (FOLHAPRESS) – A redução das mortes e dos casos severos de Covid-19 em todo o mundo, reflexo direto do avanço expressivo da cobertura global de vacinação, já faz com que a própria OMS (Organização Mundial da Saúde) fale abertamente sobre um possível fim do status de pandemia conferido à doença.
Responsável por declarar a pandemia em março de 2020, a entidade também tem a prerrogativa de determinar o rebaixamento à categoria de endemia: uma classificação mais branda, mas que ainda representa ocorrência da doença em uma ou mais regiões.
Da mesma forma que não existem critérios fixos -como um número específico de casos e mortes- para a OMS determinar que existe uma pandemia, tampouco há referências preestabelecidas para que decrete o término do status pandêmico.
Na prática, os dados epidemiológicos são analisados e interpretados por um comitê de especialistas, que acaba por embasar a decisão final.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com a pandemia do vírus H1N1, popularmente conhecido como gripe suína, decretada pela OMS em junho de 2009. Após uma queda consistente de casos e de hospitalizações, e também com o avanço da imunização, o comitê de emergência da OMS aconselhou, em agosto de 2010, o fim da pandemia, que havia sido decretada em junho do ano anterior.
Dados da entidade já vêm mostrando um decréscimo da Covid-19 no mundo. Na última atualização epidemiológica, referente ao período de 19 a 25 de setembro, a OMS reportou cerca de 8.900 mortes causadas pela doença, o que representa uma redução de 18% em relação à semana anterior.
Ainda assim, a circulação do vírus continua elevada, com pelo menos 3 milhões de novos casos confirmados no mesmo período, uma queda de 11% em comparação à semana anterior. Como várias regiões têm subnotificação de infecções, além da falta de acesso a testes, o número real é ainda maior.
Professora da Faculdade de Medicina da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a infectologista Raquel Stucchi vê avanços significativos na situação da Covid-19, mas considera que ainda é preciso cautela com a doença.
“Neste momento, podemos falar que o pior já passou, porque o impacto da Covid na mortalidade já se reduziu muito”, avalia a médica. “São números infinitamente melhores do que o que já tivemos ao longo desta pandemia. Estamos seguros de que não teremos dias ruins novamente? Ainda não, porque nós ainda temos uma grande circulação do vírus no mundo todo.”
O número expressivo de casos em algumas regiões é um fator de risco, já que poderia favorecer a emergência de novas variantes com potencial de escapar à imunidade conferida pelas vacinas atuais.
Como a Organização Mundial da Saúde não tem poderes para impor a implementação (ou o afrouxamento) de regras de combate do vírus aos países, a decisão sobre o que fazer, em caso de pandemia ou de endemia, fica nas mãos dos estados. Ela pode, porém, fazer recomendações.
Neste mês, a entidade divulgou uma série de recomendações sobre a pandemia, pedindo o incremento das redes de testagem e de monitoramento, além de atenção especial contra a disseminação de desinformação.
Depois de declarações otimistas no último dia 14, quando afirmou que o fim da pandemia poderia estar próximo, o diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom, voltou a adotar uma linguagem mais comedida, dizendo que o perigo ainda não acabou.
A reação aconteceu pouco depois de uma fala polêmica do presidente dos EUA sobre o tema. Em entrevista à CNN, Joe Biden afirmou que a pandemia já acabou.
“Nós passamos dois anos e meio em um túnel longo e escuro, e estamos apenas começando a vislumbrar a luz no fim desse túnel”, afirmou Tedros Adhanom, que frisou que ainda há um longo caminho a ser percorrido, “com muitos obstáculos que podem nos fazer tropeçar se não tomarmos cuidado”.
Além da circulação elevada do vírus, existem importantes assimetrias na cobertura vacinal contra a Covid-19. Enquanto países como Portugal têm mais de 90% da população imunizada desde o fim de 2021, o grupo de nações mais pobres do mundo só conseguiu em agosto ultrapassar a barreira de 50% de imunizações.
“Precisamos aumentar a cobertura vacinal, com as vacinas bivalentes contra a variante ômicron, aumentando a cobertura vacinal de uma forma equânime no mundo todo. Precisamos também do acesso às medicações para a prevenção de Covid, para atender aqueles que não respondem de forma adequada à vacina”, salienta a infectologista Raquel Stucchi, da Unicamp.
A médica também destaca as potenciais consequências sociais e econômicas da chamada Covid longa, quando sintomas da doença permanecem nos pacientes mesmo após o fim da infecção.
“Ainda há um número de casos muito elevado no mundo. Apesar de eles não se refletirem na mortalidade, um percentual grande dessas pessoas, algumas estimativas falam até em 20%, vão conviver com a Covid longa por um período prolongado. Isso vai impactar a qualidade de vida, a capacidade de trabalho e de interação na sociedade”, afirma.
Historiadores da ciência destacam que, além das questões médicas, o fim das pandemias também tem uma componente social, marcada pelo momento em que o medo da população diminui e as pessoas aprendem a conviver com o vírus.
Independentemente de a Covid-19 permanecer oficialmente classificada como pandemia, vários países já aliviaram a maior parte das medidas de restrição contra a doença, entre os quais o Brasil.
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