Seja qual for o resultado das urnas neste domingo, o próximo presidente da República enfrentará um cenário bastante desafiador na economia. Em 2023, a expectativa dos analistas é de desaceleração da atividade, num contexto de desorganização das contas públicas, o que coloca em xeque boa parte das promessas dos candidatos.
Por ora, o quadro econômico que se desenha para o ano que vem junta um Produto Interno Bruto (PIB) bastante fraco – o crescimento econômico estimado é de 0,5% -; uma inflação mais branda mas ainda com risco de permanecer acima do teto da meta do governo; e a manutenção de uma taxa básica de juros (Selic) em 13,75% pelo menos até meados de 2023.
A grande incerteza no primeiro ano do próximo governo vem das contas públicas. O nome que assumir a Presidência vai ter de lidar com pressões tanto de perda de receitas como de aumento de despesas, ao mesmo tempo que precisará definir qual será o futuro do teto de gastos.
Desenhado no governo de Michel Temer (MDB) num momento de ampla incerteza com o rumo das contas públicas, o teto de gastos, que limita o crescimento das despesas do governo à inflação do ano anterior, se transformou na principal âncora fiscal do País. Mas nos últimos anos passou a ser questionado por diversos motivos, que vão de políticos a econômicos, como a queda de investimento público na economia brasileira.
“O próximo presidente vai receber a economia com bastantes desafios como os últimos governos também receberam, não à beira de nenhum abismo, nada disso, mas não haverá liberdade para se fazer o que se bem entende”, disse Armando Castelar, coordenador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV).
PRESSÃO BILIONÁRIA
Um exercício realizado pela consultoria Tendências dá a dimensão do tamanho da pressão das finanças públicas que o futuro presidente vai enfrentar logo de cara. A conta contratada para o próximo ano pode chegar a R$ 276,5 bilhões.
Nesse cálculo bilionário, foram computados, pelo lado das despesas, a manutenção do valor de R$ 600 para o benefício do Auxílio Brasil, o aumento linear de 10% nos salários dos servidores da União, o orçamento necessário para manter o gasto discricionário do governo no mesmo nível de 2022 e o custo com o pagamento de precatórios.
Pelo lado da receita, o exercício estima uma perda de arrecadação com o corte na alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e com o reajuste da faixa de isenção da tabela do Imposto de Renda para R$ 5 mil, além da prorrogação da desoneração dos tributos sobre combustíveis e de outros setores que já estão contemplados no projeto de lei orçamentário.
“Há um compromisso de quem quer que ganhe a eleição de manter o Auxílio Brasil no valor de R$ 600. E isso tem um efeito fiscal relevante”, afirmou Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências. “Não dá para colocar tudo isso num Orçamento com teto de gastos, não tem como”, disse.
“Na questão fiscal, não há nada prestes a explodir. Agora, tem uma despesa com juros que está subindo, tem despesas reprimidas, como a do funcionalismo, que está há vários anos sem reajuste. Então, o novo governo vai ter de lidar com pressões assim que ele entrar”, acrescentou Castelar.
No Orçamento que enviou ao Congresso no fim de agosto, a equipe econômica estipulou um valor de R$ 405 para o Auxílio Brasil no ano que vem e separou quase R$ 12 bilhões para o reajuste dos servidores. “Esse valor (para o reajuste) nos parece bem irreal e achamos que vai ser mais do que isso”, afirmou Alessandra.
TETO REVISTO
Líder nas pesquisas de intenção de voto, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já disse que pretende abolir o teto de gastos num eventual governo, mas não indicou qual seria sua política fiscal. “Quem tem responsabilidade não precisa de teto de gastos”, declarou o petista na semana passada, em São Paulo, durante um evento no qual recebeu o apoio de intelectuais e economistas. “O teto de gastos foi o aprisionamento que o sistema financeiro fez do governo.”
Na segunda posição na disputa pelo Palácio do Planalto, o candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) também tem sido vago nas propostas para a área fiscal, embora prometa responsabilidade com as contas públicas. O seu governo, no entanto, já alterou o teto de gastos, pelo menos, cinco vezes. A última grande mexida foi com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que abriu espaço para que o governo federal ampliasse os benefícios sociais, a pouco meses da disputa eleitoral – a chamada “PEC Kamikaze”.
O debate sobre a substituição do teto como âncora fiscal já está, inclusive, dentro do Ministério da Economia. Técnicos estudam a criação de uma meta para a dívida pública com bandas de flutuação. A inspiração vem do desenho construído para a meta de inflação, adotado em 1999.
“O problema é que a discussão dos dois lados não ataca diretamente este problema (fiscal). De um lado, tem o PT prometendo mundos e fundos, sem mostrar a conta de como tudo vai caber no Orçamento. E, do outro lado, tem o Paulo Guedes (ministro da Economia) achando que dá para continuar desonerando a economia, achando que o excesso de arrecadação vai continuar para sempre”, afirmou Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos.
Nas demais campanhas presidenciais, os assessores econômicos de Ciro Gomes (PDT) também falam em responsabilidade fiscal e reforma do teto, para permitir um aumento do gasto público acima da inflação, acompanhando a alta do PIB, enquanto Simone Tebet (MDB) promete ampla revisão do Orçamento e, ainda sem detalhar, a apresentação de um novo cálculo para o teto.
“Eu acho que o teto de gastos é um tema sensível e eu tendo a defendê-lo mais do que a média das pessoas”, disse Castelar. “Não é claro que outra âncora possa cumprir o papel que ele tem. Para mim, se fizer uma análise de custo e benefício, o País mais perde do que ganha acabando com o teto.”
PRINCIPAL ENTRAVE
O rumo das contas públicas se tornou o principal entrave da economia brasileira na última década. São vários os governos que têm buscado o ajuste fiscal.
Sem o controle das contas, o País vê o seu endividamento crescer e perde credibilidade internacional. Em 2015, por exemplo, a economia brasileira perdeu o grau de investimento concedido pelas principais agências internacionais de crédito, justamente por causa da desorganização fiscal.
Num cenário de desconfiança internacional, a moeda brasileira acaba se desvalorizando, porque os investidores optam por deixar o País em busca de locais mais seguros, o que desemboca num ciclo de inflação elevada, subida da taxa básica juros e, consequentemente, em menor crescimento econômico.
“A tarefa do próximo governo (na área fiscal) é difícil, mas menos difícil do que era a tarefa do Joaquim Levy quando a Dilma foi reeleita. Hoje, a economia não está em queda livre como estava naquela época”, afirmou Sobral, em referência ao ex-ministro da Fazenda de Dilma Rousseff (PT).
Neste ano, as contas do governo até caminham para o azul – se confirmado, será o primeiro superávit registrado desde 2013 -, mas analistas dizem que essa melhora fiscal será apenas pontual. Em 2023, a tendência é o governo voltar a ter déficit.
Nos últimos meses, o avanço dos preços das commodities no mercado internacional e a inflação elevada contribuíram para que a arrecadação crescesse de forma expressiva, ajudando o desempenho das contas públicas.
A economia brasileira é grande exportadora de produtos básicos – como soja e minério ferro – e, portanto, se beneficia dos períodos de melhora das commodities. Já a inflação leva ao aumento de preços dos produtos, o que também ajuda a turbinar os cofres públicos, já que grande parte dos tributos é arrecadada por meio de uma porcentagem do valor pago.
No ano que vem, no entanto, esses dois impulsos vão sair de cena. O mundo vai crescer menos, o que deve afetar a cotação dos produtos básicos – com o aperto monetário em vigor em importantes economias, os analistas não descartam um cenário recessivo para Estados Unidos e países da Europa. E a inflação brasileira deve ficar mais comportada. No relatório Focus, do Banco Central, os analistas consultados estimam que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fique em 5%.
“Muitas das surpresas são baseadas em efeitos mais conjunturais do que estruturais. Os números fortes de arrecadação vêm, em parte, por essa performance econômica do Brasil mais forte do que a esperada, mas tem uma parte importante dessa história que é inflação alta e as commodities”, disse Alessandra. “E, apesar dos números bons deste ano, a gente já vê essa desaceleração na arrecadação quando comparada com o ano passado. E vai continuar assim, porque a inflação vai se acomodar e as commodities, que já estão vindo para baixo, vão cair mais.”
JANELA DE OPORTUNIDADE
Mais do que definir uma nova regra fiscal, o que os economistas dizem é que o Brasil precisa mostrar clareza com o rumo das contas públicas no próximo governo. Na prática, se o teto for substituído, a nova âncora fiscal precisa passar a credibilidade de que a economia brasileira vai manter o seu endividamento controlado nos próximos anos.
Atualmente, a dívida bruta do País está no patamar de 80% do PIB, considerado alto para uma economia emergente. Em 2013, era de 51,5%.
Os analistas dizem que, se o Brasil endereçar bem a suas principais questões na economia, pode haver uma janela de oportunidade para a economia brasileira a partir de 2024. Com a questão fiscal endereçada, a taxa básica de juros pode começar a cair em meados do ano que vem, o que contribuiria para uma melhora da atividade mais adiante.
“A gente já passou do ponto em que a inflação subia sem parar. Ela está caindo, e deve continuar caindo”, disse Sobral. “A taxa de câmbio parece bem precificada, o Brasil não tem um problema de conta-corrente como outros países da região. Passada essa perspectiva da economia para o ano que vem, que, de fato, não é tão boa, daí para frente, com juros caindo e o fiscal estabilizado, as coisas começam a se mover”, afirmou.
A ajuda também pode vir do cenário internacional. A expectativa é de que os bancos centrais possam começar a reduzir o aperto monetário em 2024, melhorando o desempenho da atividade global. “Existe um cenário relativamente positivo, mas, se vai ocorrer ou não, são outros quinhentos”, afirmou Castelar. “Se o País fizer o dever de casa razoavelmente bem em 2023, a tendência é você ter um cenário de mais otimismo a partir de 2024 e 2025. Mas, se for na direção de fazer as coisas erradas, aí o Brasil vai lidar com os problemas que foram criados, em vez de aproveitar o ambiente externo mais positivo.”
Hoje, de toda forma, não há uma expectativa de um grande desempenho da economia brasileira para os próximos anos. Os analistas trabalham com uma projeção de que o Brasil deve crescer próximo de 2% tanto em 2024 como em 2025.
“Eu acho que o crescimento potencial do Brasil, o crescimento de médio e longo prazos, é muito baixo. O País não adicionou capacidade produtiva (na sua economia) e a demografia não ajuda mais”, disse Sobral. “Mas, dado tudo o que aconteceu na última década, crescer 2% por três anos seguidos é espetacular. A barra para o mercado se surpreender positivamente é muito baixa. Ninguém espera uma explosão de crescimento.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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