(FOLHAPRESS) – Dois terços das ações que beneficiam mulheres no Orçamento tiveram cortes na proposta para 2023, enviada pelo governo Jair Bolsonaro (PL) ao Congresso no fim de agosto. Nos casos mais expressivos, a tesourada representa 99% do que havia sido reservado inicialmente em 2022.
Os dados foram reunidos pela Folha usando a lista de iniciativas consideradas pelo próprio governo na formulação do chamado Orçamento Mulher, uma relação de políticas públicas que exercem impacto nos direitos da população feminina do país.
O documento elenca 79 ações orçamentárias, que incluem desde medidas focadas no combate à desigualdade de gênero até políticas universais, mas que afetam as mulheres de forma distinta. Nesse segundo grupo, há iniciativas nas áreas de saúde, educação, habitação e assistência social.
Na proposta para 2023, 74 dessas ações continuaram sendo contempladas com previsão de recursos. Desse grupo, 47 (ou 63,5%) sofreram redução de verbas em relação à reserva inicial para 2022.
Atingido pelos cortes, o público feminino é um dos segmentos com maior índice de rejeição a Bolsonaro e, portanto, um dos principais obstáculos para sua reeleição. O presidente chega ao primeiro turno das eleições, neste domingo (2), em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O chefe do Executivo coleciona um histórico de declarações machistas e ataques às mulheres –que representam 52% do eleitorado, segundo o Datafolha. Sua campanha vinha tentando amenizar o discurso de Bolsonaro e melhorar sua imagem perante o público feminino.
O presidente passou a destacar ações do governo para mulheres, como a priorização delas na distribuição de títulos de terra (preferência comum em diferentes políticas sociais) e a inclusão de marisqueiras no seguro defeso.
Ele também costuma bater na tecla de que sancionou mais de 70 projetos de lei para proteção de mulheres, embora não tenha sido o autor de nenhum deles, como mostrou a Folha.
Uma das maiores reduções recaiu sobre o dinheiro para dar apoio à implantação de escolas para educação infantil (o que inclui as creches). O governo previu apenas R$ 2,5 milhões para essa ação na proposta para o ano que vem, 97,5% a menos do que em 2022.
Além da importância para as crianças, o gasto com creches afeta a vida das mães, principalmente as de baixa renda, que não têm como bancar uma mensalidade em uma instituição privada. Sem vagas disponíveis na rede pública, muitas precisam deixar os filhos com familiares, vizinhos ou simplesmente abrir mão de trabalhar ou buscar emprego.
Dinâmica semelhante vale para as despesas com educação básica, que beneficiam crianças e adolescentes até o ensino médio. Uma das ações de apoio a essa política teve os recursos diminuídos de R$ 664,6 milhões neste ano para R$ 29,2 milhões em 2023.
A tesourada mais significativa, de 99,6%, foi aplicada sobre os subsídios para projetos de interesse social em áreas rurais. A ação contava com R$ 27,9 milhões iniciais em 2022, mas o valor foi achatado para meros R$ 100 mil no ano que vem.
A verba é usada para subsidiar a aquisição, construção ou reforma de imóvel residencial para agricultores com renda bruta anual de até R$ 60 mil (o equivalente a R$ 5.000 mensais para garantir o sustento de toda a família).
Usualmente, programas sociais em geral costumam privilegiar mulheres como titulares do benefício, uma vez que elas tendem a empregar os recursos em favor da família.
A economista Carla Beni, professora da FGV (Fundação Getulio Vargas), vê nos dados o que ela chama de “descaso com a teia protetiva” da mulher na sociedade. Primeiro, ela relembra os cortes no orçamento do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos em anos anteriores -inclusive no que diz respeito ao combate à violência contra a mulher.
Depois, houve uma baixa execução do orçamento que havia sido disponibilizado. Agora, o levantamento da Folha aponta um corte generalizado em ações que poderiam beneficiar essa parcela da população.
“Você vê uma certa fachada de que há importância com a mulher. Mas, na hora de pôr isso em prática, esse corte nas ações é o retrato do total descaso com a teia protetiva da mulher”, afirma.
A obrigatoriedade da elaboração do chamado Orçamento Mulher foi incluída na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) em 2021 durante a votação no Congresso Nacional. O dispositivo foi vetado por Bolsonaro sob a justificativa de que “contraria o interesse público”, uma vez que não haveria previsão constitucional para a criação de “outros orçamentos”.
O veto foi derrubado pelos parlamentares, uma vez que não se trata de autorizar despesas paralelas, mas sim estabelecer uma classificação especial para rastrear políticas públicas com impactos sobre as mulheres. Esse tipo de avaliação transversal do Orçamento e das iniciativas sob uma perspectiva de gênero está em linha com a experiência internacional.
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