SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quatro a cada dez pessoas (38%) se sentem cobradas pelo conteúdo que publicam nas redes sociais e têm medo constante de serem julgadas. Um terço delas também relata muita ansiedade para saber se suas postagens serão bem aceitas ou não.
Os dados são de uma pesquisa Datafolha sobre saúde mental do brasileiro, encomendada pela Abrata (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos) e pela farmacêutica Viatris.
Foram entrevistadas, de forma presencial, 2.098 pessoas a partir de 16 anos, de todas as classes econômicas, em 130 municípios que abrangem as cinco regiões socioeconômicas do Brasil. A margem de erro é dois pontos percentuais para mais ou para menos.
O levantamento, realizado no mês passado, mostra que 65% dos entrevistados se sentem pressionados a encarar as coisas sempre de uma forma muito positiva nas redes sociais, mesmo quando estão com problemas.
As mulheres (71%) e as pessoas entre 16 e 24 anos (65%) são as que mais relatam essa pressão.
“Entre os mais novos, os nativos digitais, às vezes não há o mesmo discernimento dos mais velhos de que existe uma vida dentro das redes sociais e uma outra vida fora”, diz o psiquiatra Fernando Fernandes, conselheiro da Abrata.
Fernandes lembra que, antes das redes, o desenvolvimento social do indivíduo se dava no núcleo familiar, entre os amigos, na comunidade onde ele vivia. Com isso, sentimentos como respeito, admiração ou mesmo reprovação aconteciam em um ambiente mais controlado.
“Agora, todo mundo pode mensurar isso nas redes sociais. Será que o psiquismo do ser humano está adaptado? O jovem tem maturidade para lidar com isso? É claro que vira fonte de ansiedade para muitas pessoas.”
Para 65% dos entrevistados, o fato de todo mundo parecer feliz, bonito e bem-sucedido nas redes sociais faz com que as pessoas se sintam insatisfeitas com suas vidas. As mulheres são as que mais relatam esse sentimento (69% contra 61% dos homens).
“Vivemos numa sociedade líquida, sem garantias do agora ou do futuro. Ao mesmo tempo, na internet, as pessoas estão viajando, têm corpos, cabelos bonitos. Você vê tudo aquilo e quer também, mas a sua realidade é bem diferente”, explica Carolina de Souza, 30, bacharel em direito pela PUC-MG e que acaba de lançar o livro “Suicídio e Internet” (Dialética).
De acordo com o Datafolha, 79% dos brasileiros dizem que as redes sociais podem contribuir para aumentar os problemas de saúde mental. Para 84% dos entrevistados, os haters, pessoas que julgam e propagam o ódio nas redes sociais, podem influenciar no crescimento do nível de suicídio na sociedade.
Na opinião da autora, o principal grupo de risco são crianças e adolescentes que usam as redes sem a supervisão dos pais. “A internet não tem fronteira. O conteúdo que incita o suicídio é difundido de forma mundial e muito rápida. Mesmo quando é retirado do ar, muitos jovens e adolescentes já tiveram acesso a ele.”
Carolina fala do tema suicídio com conhecimento de causa. Com menos de dez anos de idade, ela já havia tentado se matar algumas vezes. A busca pela compreensão do problema a levou a pesquisas sobre o tema e hoje é especialista em crimes cibernéticos e em educomunicação para a prevenção do suicídio.
No campo científico, ainda não há fortes evidências de que as redes sociais de uma forma geral possam aumentar o risco de transtornos mentais.
Algumas pesquisas mostram que adolescentes mais expostos aos dispositivos eletrônicos (como computador, celulares e videogames) manifestam menores níveis de autoestima, satisfação com a vida e felicidade.
Outros estudos apontam uma relação entre o comportamento suicida e de autolesão a hábitos intensos de consumo de internet e contato com sites onde havia conteúdo relacionado ao tema. E outros trabalhos não conseguiram estabelecer essa relação de causa e efeito.
Para o psiquiatra Fernandes, é difícil até relacionar redes sociais a um maior risco de depressão porque as pessoas que já têm a doença tendem a preferir atividades solitárias e passivas. “Nada é mais solitário e passivo do que ficar em frente a uma tela. É um comportamento atrelado.”
Segundo ele, às vezes, esse consumo excessivo de tela, de mídia, é o único estímulo que a pessoa consegue ter para se manter entretido com algo.
Outro dado que chama atenção na pesquisa Datafolha é o alto índice de pessoas que relatam que sofreram esgotamento e desequilíbrio mental ou que convivem com alguém que passou por essa situação.
Mais da metade das mulheres (57%) afirma ter passado por algum tipo com esgotamento mental por mais de um dia. Entre os jovens de 16 a 24 anos, 63% dizem que vivenciaram situações de estresse e cansaço por mais de um dia.
“A autocobrança para dar conta de tantos papéis no dia a dia, principalmente as mulheres, pode ser um gatilho para a depressão. É preciso reduzir o tempo de acesso às redes sociais, principalmente no período da noite”, afirma Marta Axthein, presidente da Abrata.
O levantamento também revelou que 34% dos brasileiros declaram ter passado por problemas psicológicos durante a pandemia de Covid-19. No ano passado, 44% haviam relatado essas questões em outra pesquisa Datafolha.
“O motivo dessa queda pode estar relacionado a uma percepção diferente sobre os riscos à saúde, além de uma eventual melhora no ambiente econômico comparados ao momento mais agudo da Covid-19”, explica o psiquiatra Fernandes.
A pesquisa faz parte da Campanha “Bem Me Quer, Bem Me Quero: Cuidar da Saúde Mental é um Exercício Diário”, alusiva ao Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio. A ação faz um alerta para a valorização do autocuidado em prol da saúde mental.
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