SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O uso de antidepressivos representou uma melhoria significativa e de longo prazo em cerca de 15% de pacientes com depressão ao se comparar com o uso de placebos. Para os outros 85%, também há melhora, porém os benefícios se mostraram próximos aos vistos em participantes que utilizaram o placebo.
A conclusão é de um estudo publicado no início de agosto na revista médica BMJ. Com esse resultado, os autores apontam que antidepressivos representam um benefício considerável no tratamento da depressão em uma parcela específica de pacientes. Por isso, na avaliação deles, seria necessário investigar fatores associados a essas pessoas que apresentam melhores respostas aos medicamentos.
Para Marcelo Feijó, professor do departamento de psiquiatria da EMA (Escola Paulista de Medicina) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), o estudo mostra que antidepressivos funcionam, mas que também indica a necessidade de entender por que ele tem um resultado significativo em certo grupo.
“É um dado importante porque mostra que precisamos melhorar os tipos de tratamento para depressão”, diz.
O artigo consistiu na revisão de estudos clínicos sobre a eficácia de antidepressivos. Todas essas pesquisas revisadas foram feitas entre 1979 e 2016 e tinham sido submetidas ao FDA (Agência de Drogas e Alimentos dos EUA) como estudos clínicos para análise da eficácia dos remédios. Alguns autores da nova pesquisa são vinculados à agência, enquanto outros são pesquisadores de universidades norte-americanas, como Harvard e Johns Hopkins.
No total, a nova pesquisa revisou 232 estudos clínicos. Somando os participantes de todas essas pesquisas, a revisão observou o efeito de antidepressivos e placebos em mais de 73 mil pessoas.
Os cientistas consideraram a escala de avaliação de Hamilton de depressão (HAMD17, na sigla em inglês). Essa escala é composta de 17 questões e, com as respostas, é feito um cálculo para indicar se a pessoa está ou não com depressão. A nova pesquisa utilizou esse modelo para observar os efeitos que os medicamentos e os placebos tinham nos participantes.
O resultado foi que os antidepressivos apresentam cerca de 1,7 a mais de mudança positiva na escala HAMD17 dos participantes em comparação aos placebos. Ou seja, o benefício de antidepressivos em relação a placebos é pequeno, pelo menos em grande parte dos casos.
Christian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), afirma que a confusão dos efeitos entre placebo e antidepressivo é conhecida, mas ainda sem explicação. “No fundo, ninguém sabe dizer exatamente por que isso acontece.”
O efeito de melhora mediante a utilização de um placebo não é particularidade dos estudos clínicos com antidepressivos. “Em depressões, nas primeiras semanas de tratamento, o efeito placebo explica até 40% da melhora. Portanto, para ser considerado eficaz, qualquer novo antidepressivo tem que resultar em uma melhora acima do placebo”, afirma Wagner Gattaz, professor titular do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.
Gattaz explica que uma das hipóteses para explicar o efeito placebo é a sugestão ao participante da pesquisa de que ele estaria utilizando, na realidade, o medicamento. “Esta sugestão psicológica pode levar o organismo, controlado pelo cérebro, a desenvolver mecanismos biológicos que explicam o efeito placebo.”
Melhoria significativa Além da pequena alteração proporcionada pelos antidepressivos, há situações em que os medicamentos causam uma melhoria maior em comparação a pessoas que utilizam o placebo. Esses casos, no entanto, são mais raros: segundo o novo estudo, cerca de 15% dos pacientes se encontram nesse cenário.
Para os autores, esse dado é um indicativo de que os antidepressivos trazem uma possibilidade de maior redução nos sintomas a curto prazo, além de diminuir quadros mais graves de depressão a longo prazo. Mesmo assim, a melhoria considerável não seria uma realidade para grande parte dos pacientes com depressão.
“O medicamento tem um efeito maior em um grupo do paciente. Isso é interessante e relativamente esperado porque vemos que têm muitos pacientes que não respondem ou respondem parcialmente ao tratamento”, afirma Feijó, professor da Unifesp.
O ponto abre o debate de quais pacientes e fatores clínicos estão no rol em que o uso de antidepressivos ocasiona os melhores benefícios. No próprio estudo, a questão é apontada como uma que precisa ser melhor investigada.
Feijó acredita que esse ponto é um indicativo de que o tratamento com antidepressivo já é positivo para os pacientes, mas que precisa melhorar. “É melhor ter o tratamento do que não ter porque já ajuda bastante, mas ainda tem que evoluir muito”, diz.
Os cientistas também escrevem que é necessário observar com mais cuidado a relação entre benefícios e riscos advindos com o uso de antidepressivos. Já que uma parcela minoritária dos usuários dos medicamentos teria um ganho significativo, a pesquisa sugere que a análise dos riscos associados aos remédios precisam ser melhor explorada por pacientes e médicos.
Para Dunker, isso tem relação com uma tendência da medicina de procurar maior precisão nos tratamentos. Além disso, a ideia de que a resposta aos medicamentos difere a depender do paciente diz respeito à perspectiva de que a depressão é uma doença com diversos fatores de causas e apresentações. Consequentemente, o quadro clínico também teria variadas formas de se tratar.
“Está caindo um pouco por terra essa ideia de que [o cérebro] seria um órgão como outro que reage mais ou menos igual a uma mesma substância”, afirma o professor.
Já Gattaz afirma que é comum pacientes se beneficiarem a mais dos antidepressivos em comparação a outros. Ele explica que estudos já buscam biomarcadores que consigam predizer como seria a resposta dos pacientes aos medicamentos para haver uma exatidão maior no tratamento.
“Não resta qualquer duvida da eficácia dos antidepressivos no tratamento da depressão, assim como na prevenção de novas recaídas. Este estudo confirma esta eficácia, que naturalmente não é para todos os pacientes. Um subgrupo de pacientes não responde adequadamente aos tratamentos convencionais”, diz.
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