SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Os seres humanos dominaram pela primeira vez a arte de fazer desenhos que representam o mundo ao seu redor há pelo menos 45,5 mil anos, quando artistas anônimos retrataram um porco-selvagem nas paredes de uma caverna da Indonésia.
O achado, que vem da ilha de Sulawesi, desbanca de vez a ideia de que manifestações artísticas desse tipo teriam começado na Europa da Era do Gelo, conforme se acreditou durante muito tempo. Os cavalos-selvagens, bisões, renas e rinocerontes pintados pelos antigos europeus só começaram a aparecer nas paredes de pedra do continente bem depois, entre 40 mil e 35 mil anos atrás.
“Nossa descoberta não diminui em nada a majestade e a beleza da arte rupestre da França e da Espanha. Todas as formas de arte rupestre pré-histórica são especiais, na minha opinião. Mas nosso trabalho de fato sugere que essas tradições provavelmente foram desenvolvidas pela nossa espécie em um ponto anterior do tempo, talvez em algum lugar da Ásia ou mais provavelmente na África, onde o Homo sapiens evoluiu”, diz Adam Brumm, professor de arqueologia da Universidade Griffith, na Austrália.
Brumm, junto com colegas de outras instituições australianas e indonésias, é autor do estudo sobre as pinturas de Sulawesi que está saindo na edição desta semana da revista especializada Science Advances.
“Pinturas”, no plural, porque a mesma parede de pedra onde está o suíno de 45,5 mil anos também abriga desenhos já bastante esmaecidos de outros bichos, e um abrigo calcário diferente explorado pela equipe revelou ainda mais um porco-selvagem, além do contorno de mãos humanas delineado com pigmento ocre de diferentes tonalidades (nas duas localidades).
Tanto a localização geográfica quanto a idade do achado fazem sentido porque, até onde se sabe, a expansão dos seres humanos de anatomia moderna, vindos do continente africano, avançou mais rapidamente para o leste (rumo à Ásia e ao Pacífico) do que para o oeste (na direção da Europa).
Por volta de 100 mil anos atrás, pouco antes do início dessa expansão, já existem indícios de arte e comportamento simbólico nos grupos do Homo sapiens – adornos corporais, como colares feitos com conchas, e pedaços de pedra decorados com rabiscos geométricos. Mas ainda faltava o salto para o que se chama de arte figurativa – ou sej a, tentativas de representar objetos ou seres vivos, reais ou imaginários.
As figuras de suínos das cavernas de Leang Tedongnge e Leang Balangajia enfim realizam esse salto imaginativo. Os astros dos desenhos, que medem entre 1,5 m e 2 m de comprimento, são os porcos da espécie Sus celebensis, membros do mesmo gênero que os suínos domésticos e seus ancestrais, os javalis.
Ao retratá-los, os artistas parecem ter dedicado considerável atenção a detalhes anatômicos, como os pelos eriçados que formam uma espécie de crina e as protuberâncias na região facial dos bichos que motivaram um de seus nomes populares: porcos-verruguentos.
Embora órgãos sexuais não apareçam na imagem, a anatomia geral dos animais sugere que os artistas tentaram desenhar machos adultos, dizem os pesquisadores.
A datação de 45,5 mil é considerada uma idade mínima, ou seja, a pintura pode ser ainda mais antiga. O que acontece é que os pesquisadores usaram a composição química de um pedaço de rocha calcária que se formou por cima da imagem (ou seja, depois que ela foi desenhada) para estimar a antiguidade do desenho. Como o método envolve a transformação de elementos químicos radioativos, que acontece a uma taxa conhecida, é pouco provável que a idade tenha sido superestimada.
Para Brumm, o achado está longe de ser o fim da história. “Acho muito provável que formas muito mais antigas de arte rupestre existam em algum lugar das muitas partes do mundo habitadas por nossa espécie durante sua jornada épica a partir da África.”
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