(FOLHAPRESS) – As motocicletas correspondem a 12% da frota de veículos em circulação na capital paulista, mas respondem por apenas 5% das multas de trânsito detectadas por radares e agentes na cidade nos primeiros quatro meses deste ano.
A desproporção, que poderia sinalizar uma eventual virtude dos motociclistas, esconde, na opinião de especialistas, uma dificuldade para flagrar e punir irregularidades cometidas por quem anda por aí sobre duas rodas.
As falhas na fiscalização podem, também, cooperar com um número sinistro em relação às motocicletas. Só no primeiro semestre deste ano, foram registrados 415 mortes no trânsito paulistano. Do total, 190 eram motociclistas, o equivalente a 46%. Entre aqueles que estavam em automóveis, por exemplo, foram 53 mortos (13%). Os números foram fornecidos pelo Detran-SP.
No painel de multas da capital paulista, foram registradas 2,9 milhões de infrações entre janeiro e abril de 2022. Entre essas, apenas 145 mil foram cometidas por motociclistas.
Em uma conta aproximada, levando-se em consideração a frota até dezembro de 2021 (último dado disponível no Denatran), é possível dizer que foi aplicada uma multa para cada oito motocicletas emplacadas na capital paulista no primeiro quadrimestre. Com relação a veículos em geral, uma multa a cada três.
Chama também atenção outra variação verificada em relação às motos na comparação com os demais veículos. As multas manuais, aquelas aplicadas por agentes de trânsito, correspondem a 26,3% daquelas cometidas por motociclistas. Em relação aos veículos em geral, elas são apenas a 19% do total.
Ou seja, detectar quem comete infração sobre duas rodas é algo que ainda depende, em grande parte, da ação humana. Segundo especialistas, não deveria ser assim, porque equipamentos eletrônicos já seriam capazes de flagrar grande parte das irregularidades, bastando implementação de ajustes e, em alguns casos, foco.
Segundo o consultor de trânsito Sérgio Ejzenberg, embora as motos correspondam a 12% da frota, elas têm uma exposição muito maior do que a dos carros.
“Ao contrário dos automóveis, elas não passam o dia estacionadas em garagens, estão sempre rodando. Estimo que correspondam a mais do que 20% do número de viagens veiculares. E costumam circular em excesso de velocidade”, diz.
Para Ejzenberg, seria esperado que as motos fossem responsáveis, proporcionalmente, por 20% das infrações. “A fiscalização das motocicletas está sendo negligenciada, permitindo o morticínio diário dos motociclistas.”
Ejzenberg diz que falta coragem, e não meios, para enfrentar o problema. “Basta dotar os agentes de trânsito de ‘radares’ portáteis [tipo pistola] e começar a autuar motociclistas em excesso de velocidade”, diz. “Uma campanha educativa prévia de alerta e sensibilização pode evitar uma contraproducente chuva de autuações. A mudança de comportamento, e não a arrecadação, deve ser o objetivo”, afirma.
Segundo o especialista, também seria interessante a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) estabelecer parceria com aplicativos de entrega para desenvolver práticas que evitem o excesso de velocidade e a condução perigosa da motocicleta.
Já o consultor em mobilidade, o urbanista Flamínio Fischman afirma que a fiscalização presencial é prejudicada inclusive pelos riscos aos quais estão submetidos os agentes. “Experimenta colocar um agente de trânsito numa avenida, fiscalizando conduta de motociclistas. Rapidamente, ele vai ser abordado por vários deles e existe uma pressão”, conta.
A fiscalização eletrônica, segundo Fischman, seria a melhor opção para detectar as infrações de motos. Câmeras poderiam flagrar, por exemplo, motociclista sem a viseira do capacete ou consultando e mandando mensagens pelo celular.
Além disso, diz Fischman, mudanças simples nos radares já existentes, como direcioná-los para registrar placas traseiras –as motos não têm placa dianteira– e ajuste do foco dos equipamentos para flagrar infrações entre as faixas de rolamento seriam importantes.
Fischman também afirma que a engenharia de tráfego ainda é deficiente para lidar com as motocicletas. “É totalmente concebida pelos modelos dos anos 1970. Tudo é voltado para o automóvel e a motocicleta ficou renegada”, afirma, citando, por exemplo que o desenho urbano ainda conta com barreiras de concreto e guard-rails desenhados para os carros, mas que podem ser fatais para motociclistas.
Questionada, a Prefeitura de São Paulo, sob a gestão de Ricardo Nunes (MDB), afirmou por meio da Secretaria de Mobilidade e Trânsito e da CET que a fiscalização das motos é realizada por meio de equipamentos eletrônicos e pelos agentes da Polícia Militar, pelo CPTran (Comando de Policiamento de Trânsito). “Os equipamentos de fiscalização eletrônica do município têm a capacidade de identificar e registrar as infrações cometidas por motociclistas de acordo com os enquadramentos específicos de cada ponto de fiscalização”, afirmou, em nota.
O CPTran, sob a responsabilidade da PM, afirmou que realiza, diariamente, a Operação Hércules, destinada à fiscalização de motocicletas e similares, tanto por causa dos acidentes quanto pelos crimes contra o patrimônio. Também cita outras fiscalizações que contam com a abordagem de motos, como a Operação Visibilidade.
Segundo o CPTran, somente no primeiro semestre de 2022, mais de 41 mil motocicletas foram fiscalizadas, sendo quase 31 mil em operações Hércules. O comando de policiamento também afirma que quase 37 mil autos de infração foram emitidos somente nas operações Hércules.
O órgão da PM também diz que realiza campanhas educativas e que participa de reuniões de análise dos sinistros de trânsito, solicitando, inclusive melhorias viárias em pontos críticos.
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