LISBOA, PORTUGUAL (FOLHAPRESS) – Assim como a vizinha Espanha, que vive a pior nevasca em 50 anos, Portugal enfrenta agora uma onda de frio recorde. A tempestade Filomena e outros fenômenos meteorológicos derrubaram os termômetros em todos o país, levando neve a lugares que ela não ocorria há mais de uma década, como o Alentejo.
Na maioria dos distritos do norte e do centro, as mínimas eram negativas, chegando a -5ºC em Bragança.
Além de cobrir de neve várias regiões do país, a queda abrupta das temperaturas expôs a precariedade das condições de aquecimento para milhões de portugueses.
Pelo menos 18,9% da população, cerca de 2 milhões de pessoas, não tem dinheiro para aquecer a própria casa, de acordo com uma pesquisa de 2019 da Eurostat (agência de estatísticas da União Europeia). Um resultado bem acima dos 6,9% da média dos países da UE.
Tentando recorrer a soluções mais baratas, como fogareiros improvisados de querosene ou carvão, os portugueses estão também vulneráveis a acidentes, muitas vezes fatais.
No mais recente, em 27 de dezembro, um casal de idosos morreu asfixiado por monóxido de carbono na região da Guarda. Eles usavam um fogareiro a carvão para aquecer o quarto em que dormiam.
A dificuldade financeira para aquecer a casa, chamada oficialmente de pobreza energética, é considerada um problema sério para a Comissão Europeia.
“A pobreza energética é uma forma diferente de pobreza, associada a várias consequências adversas para a saúde e o bem-estar das pessoas”, define a instituição, que enumera doenças cardíacas, respiratórias e abalos à saúde mental causados pela exposição a baixas temperaturas e o “estresse associado a contas de eletricidade incomportáveis”.
A questão financeira tem um grande peso em Portugal. Apesar de ter um dos salários mínimos mais baixos da zona euro, o país tem a eletricidade entre as mais caras do bloco.
Dados de 2018 também da Eurostat, ajustados pelo poder de compra entre os países, mostravam Portugal como o membro da UE com a eletricidade mais cara para as famílias.
As más condições de isolamento térmico das casas lusitanas também são apontadas como parte do problema.
Enquanto há países com normas definidas sobre o tema desde os anos 1960, o primeiro regulamento sobre condições térmicas da construção em Portugal é de 1990. Ou seja, uma parte significativa das casas do país simplesmente não foi construída levando esses critérios em consideração.
Mesmo nas grandes cidades, como Lisboa e Porto, o conforto térmico pode ser precário. Sistema de aquecimento central são raridade, e é comum encontrar habitações de classe média com excesso de umidade, além de janelas e portas que não impedem a entrada e saída de ar.
“Eu costumo brincar que Portugal é o país mais frio do mundo. Nunca passei tanto frio dentro de casa quanto aqui”, diz o húngaro Lörinc Káts, que faz um semestre do curso de relações internacionais em Lisboa.
A situação, porém, é ainda mais grave no interior, onde lareiras rudimentares muitas vezes são as únicas formas de aquecimento dos moradores, sobretudo idosos.
Esses fatores ajudam a compreender melhor como, mesmo estando longe de ter um dos invernos mais rigorosos da Europa, Portugal ainda está na liderança entre as mortes por frio.
Uma análise das informações sobre óbitos entre 1980 e 2013 em 30 países europeus, publicada no Journal of Public Health, mostra Portugal em segundo lugar entre as nações com mais mortes em excesso no inverno, atrás apenas de Malta.
Os pesquisadores chamam a atenção para a questão paradoxal de países com invernos menos rigorosos liderarem entre as mortes excessivas nesta estação.
“Muitos fatores parecem contribuir para esse efeito. Gastar proporcionalmente mais em custos de aquecimento é um fator de proteção óbvio, que nas regiões mais frias é virtualmente inegociável para a sobrevivência […]. Outros fatores de proteção incluem a qualidade da habitação [especialmente isolamento e eficiência energética dos materiais de construção]”, diz o trabalho.
Em audição recente no Parlamento, o ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, afirmou que o governo lançará um plano para combater a pobreza energética ainda no primeiro trimestre de 2021.
De acordo com o ministro, estão previstos 620 milhões de euros (cerca de R$ 4 bilhões) para o projeto, que prevê obras de reabilitação em edifícios públicos e privados, além de uma espécie de voucher para financiar obras de melhoria térmica e energética nas casas do país.
Com o frio recorde e a proximidade de um novo confinamento geral ampliando o consumo de eletricidade doméstico dos portugueses, o governo anunciou um desconto de 10% nas contas de luz de todo o país.
A medida, divulgada nesta terça-feira (12), será válida a partir de janeiro e enquanto durar o confinamento provocado pela Covid-19. Todas as famílias serão abrangidas, independentemente da faixa de renda.
O país já tem em vigor uma tarifa social de eletricidade, que garante à populações mais pobres descontos de 33,8% sobre a energia consumida. O desconto recém-anunciado é cumulativo.
Em outubro de 2019, 749 mil famílias eram beneficiárias da tarifa social da eletricidade.
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