MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Recordes de temperaturas altas, secas, incêndios florestais, apagões de energia elétrica e risco de racionamento de água. Mesmo antes de o verão começar no hemisfério norte, nesta terça (21), a Europa já enfrentava situações que causam apreensão pelo que pode acontecer na estação mais aguardada do ano.
Após um mês de maio anômalo em parte do continente, como em Portugal, onde o período foi o mais quente dos últimos 92 anos, uma onda de calor chegou à maior parte da Europa Ocidental, com índices recordes para esta época –áreas de França, Suíça e Alemanha marcaram entre 36,9 ºC e 43 ºC. Algumas, como Biarritz, com 42,9 ºC, registraram o recorde histórico, independentemente do período do ano.
Não só a intensidade chama a atenção, mas a precocidade do fenômeno. Na França, essa onda chegou em 15 de junho, o momento mais cedo do ano desde que a medição passou a ser realizada, em 1947.
Uma onda de calor pode ser definida quando a temperatura supera, durante alguns dias, em dois graus celsius ou mais o valor médio do trintênio 1991-2020, explica Massimiliano Fazzini, coordenador da área de riscos climáticos da Sociedade Italiana de Geologia Ambiental. A origem, desta vez, é um anticiclone africano, com alta pressão atmosférica e baixa formação de nuvens. “Ondas de calor com matriz africana geralmente têm seus momentos mais intensos entre a metade de julho e a metade de agosto”, afirma.
O acontecimento cada vez mais precoce, frequente e duradouro ocorre, de acordo com cientistas, devido às concentrações cada vez maiores de gases do efeito estufa, um sintoma da crise climática. “Elas são uma vitrine do que poderemos esperar se o mundo continuar a aquecer”, afirma Edward Gryspeerdt, pesquisador do Grantham Institute for Climate Change, do Imperial College de Londres.
Uma das características das ondas de calor é a permanência das altas temperaturas mesmo durante a parte da noite, dificultando a recuperação fisiológica do corpo. “No Reino Unido, milhares de pessoas morrem anualmente devido ao calor, mais do que em outros eventos extremos, como enchentes”, diz ele.
Na França, as autoridades suspenderam, em algumas cidades, atividades ao ar livre com aglomerações, no fim de semana, como shows. Na Espanha, o primeiro-ministro Pedro Sánchez pediu que a população evitasse a exposição ao sol. “Cuidem dos mais vulneráveis para que eles não sofram insolação”, afirmou.
A onda de calor agravou a seca que atinge o país, e incêndios florestais foram registrados na Catalunha e na região próxima à fronteira com Portugal, que também foi afetada pela seca.
Na Itália, onde as altas temperaturas já vinham sendo registradas desde o início do mês, a onda de calor começou a atingir o país com mais força nesta semana e deve levar a índices recordes de norte a sul nos próximos dias. Em Milão, apagões de energia foram provocados pelo aumento do uso de ar-condicionado, afetando pontos turísticos como o Duomo, que ficou sem elevador para acesso ao topo da catedral.
A maior preocupação, no entanto, é a sobreposição do fenômeno com a pior seca em 70 anos do rio Pó, o maior do país. Com cerca de 650 km, atravessa o norte da península de oeste a leste. “Já são dois anos de seca, intensificada desde dezembro. A bacia do Pó recebeu somente 40% da chuva e da neve que deveriam ter caído entre novembro e maio”, afirma Fazzini, da Sociedade Italiana de Geologia Ambiental.
Com as altas temperaturas, a falta de chuva e o alto consumo, já que a região é um dos principais redutos industriais e agrícolas da Europa, com cerca de 15 milhões de pessoas vivendo em suas margens, o rio está não só secando como sofrendo a subida da água do mar, que já avançou cerca de 20 quilômetros.
Nesta quarta (22), as autoridades regionais devem pedir que o governo declare estado de emergência, para que medidas como a prioridade do uso da água para a agricultura e o consumo familiar sejam adotadas. Segundo a principal associação de produtores agrícolas, as safras de arroz e de grãos estão em risco. Algumas cidades do Piemonte e da Lombardia já estão submetidas a racionamentos noturnos.
Como o verão na Europa não costuma ser chuvoso, a tendência é que a situação se agrave nos próximos meses, diante de novas ondas de calor. “Estamos em junho, e a alta temporada turística ainda vai começar, com mais demanda de água. É muito provável que em julho e agosto tenhamos um racionamento de água ampliado”, diz Fazzini. Diante da gravidade da situação climática, a necessidade de políticas de adaptação e mitigação será sempre maior. “Falar em prevenção já ficou tarde demais.”
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