Menos pessoas assistem à TV, mas nem todas migraram para o streaming

CRISTINA PADIGLIONE- Mesmo com o sutil crescimento de 2% no número de TVs ligadas em 2020, a TV em tempo real apresentou queda de audiência na média total do ano. Isso abrange canais pagos e abertos. Mas, segundo a Kantar Ibope, que mensura a audiência de TV no Brasil, a ascensão de um lado e a baixa, de outro, não significa necessariamente um crescimento dos serviços de streaming ou da TV sob demanda.

Só a partir de 2020 o instituto passou a isolar as métricas referentes à TV não linear numa faixa denominada “Conteúdo de TV/Vídeo Sem Referência”. Um televisor ligado neste segmento, no entanto, pode estar ocupado com outras utilidades.

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“Um aparelho não sintonizado em TV linear pode estar ocupado por streaming, pago ou não, por vídeo sob demanda, videogame, ou até um DVD”, explica Melissa Vogel, CEO da Kantar Ibope no Brasil. “Tudo é contabilizado nesse segmento, até um filme do casamento do espectador”, exemplifica.

“Não é possível dizer que houve aumento do streaming em detrimento da TV linear, mas houve com certeza uma mudança de hábito, com a complementação do ambiente linear pelo streaming, pago ou gratuito, e até dos próprios conteúdos televisivos, do que é oferecido como VOD (vídeo on-demand) pelos canais de TV.”

Só a partir deste ano, o instituto começará a discriminar, dentro dessa faixa de conteúdo não identificado, o tamanho da plateia que cabe aos principais serviços de streaming no país, por meio de uma nova tecnologia. Mais da metade da amostra de 6.060 domicílios com TV, com concentração naqueles que têm TV conectada à internet em casa, receberão o chamado “focal meter”, um aparelho que será ligado ao roteador para capturar as URLs sintonizadas na tela.

O “focal meter” trabalhará com dados paralelos ao people meter, que registra o que cada espectador dos domicílios da amostra está vendo em tempo real, reconhecendo os canais por meio do áudio.

Vogel explica ainda que esse conteúdo agora discriminado como não identificado era, até 2019, um ponto escuro nos relatórios de audiência e não aparecia nas somas de nenhum outro segmento.

No ano passado, ao longo das 24 horas de todos os dias do ano, o saldo dessa faixa de conteúdo não identificado foi de 4,9 pontos, abocanhando 13,2% de participação entre as TVs ligadas. É mais gente do que a audiência da Record -4,4 pontos em 2020- ou do SBT -4,3- na mesma região e período.

No ano que acaba de se encerrar, o número de TVs ligadas subiu de 37 para 38 pontos no PNT, o Painel Nacional de TV, que abrange as 15 regiões metropolitanas de maior consumo do país.

Nesse contexto, a Globo foi de 12,7 para 12,4 pontos, caindo 3% em um ano. A emissora também perdeu terreno entre os televisores ligados. De cada 100 aparelhos ligados, foi sintonizada por 34,4 em 2019, ante 32,9 em 2020.

Em termos proporcionais, a Record perdeu mais, caindo 11% de um ano para o outro, e o SBT acumulou desvantagem ainda maior -21%. Sua fatia de participação no bolo de ligados despencou de 14,6% para 11,6%.

A Band se manteve em 1,2 e a RedeTV! caiu de 0,6 para 0,5 ponto.

O segmento de TV paga, que vem perdendo território desde 2016, teve queda de 6,1 pra 5,3 pontos. Isso abrange todos os canais por assinatura, mas também é um nicho que supera a audiência de Record, do SBT e do próprio conteúdo não identificado.

Os canais pagos compõem o nicho que mais perdeu audiência de 2016 para cá, segundo levantamento feito pela reportagem com base em todos os dados de audiência da Kantar Ibope desde 2014. A TV paga tinha 21,8% de participação entre as TVs ligadas há cinco anos, se contentando agora com 14,1% do bolo.

Isso explica por que todos os canais têm procurado plataformas de streaming, próprias ou não, para alcançar o consumidor com novos pacotes e custos, em outros modelos de distribuição.

É esperado que parte dessa perda, no caso dos canais pagos, seja reencontrada em 2021, a partir do funcionamento do “focal meter”, na plateia a quem hoje se atribui um conteúdo não identificado.

Melissa Vogel lembra ainda que 2020 foi muito atípico. “Passamos seis meses do ano sem transmissões esportivas, os programas de auditório se recolheram.”

A executiva revela que duas categorias apresentaram crescimento de interesse da audiência no ano passado -os reality shows tiveram 9% de crescimento em relação a 2019, e o jornalismo subiu 4% em relação a 2019, como fruto do próprio interesse por informações sobre o novo coronavírus.

Nas métricas referentes aos serviços de streaming, um estudo realizado entre agosto e setembro com usuários de internet para entender hábitos e comportamentos aponta que Brasília e Curitiba estão mais apegadas a isso do que as demais regiões do país.

O estudo perguntou se as pessoas assistiram a conteúdo de alguma das principais plataformas de streaming disponíveis no país nos 30 dias anteriores. O grupo de serviços da questão incluía Amazon Prime Video, Netflix, Claro Video, HBO Go, Fox Play, ESPN Play e Globoplay.

Nem a Disney nem a Pluto, da Viacom, haviam chegado ainda ao país.

As respostas indicam que a Grande São Paulo, com 70,9%, sempre tratada com primazia no consumo de TV, ficou atrás de Brasília, com 78,3%, Curitiba, com 73%, Belo Horizonte, com 71%, e Porto Alegre, também com 71%.

Segundo Vogel, uma outra pesquisa feita pelo instituto em 2020, entre maio e setembro, apontou que 56% das pessoas ampliaram o consumo de streaming pago e 66% aumentaram o hábito de ver streaming gratuito, como YouTube.

Como faz todo início de ano, a Kantar Ibope atualiza os dados de audiência referentes a um ponto percentual em todas as regiões do país. As alterações seguem informações do IBGE e do PNAD, aliadas a levantamentos balizados pelo próprio instituto. Os cruzamentos de dados permitem uma compreensão sobre distribuição por classe social, idade, número de habitantes por domicílio e região, seguindo critérios sócio-econômicos.

Neste ano, um ponto de audiência no PNT equivale a 260.558 domicílios, ou a 716.007 pessoas, ante 254.892 residências em 2019, quando um ponto correspondia a 13 mil pessoas a menos.

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