MAYARA PAIXÃOGUARULHOS, SP (FOLHAPRESS) – A cada 88 pessoas no mundo, ao menos 1 vivia longe de casa no ano passado por ter sido forçada a migrar devido a situações de conflito ou violação de direitos humanos, mostra relatório do Acnur, alto comissariado da ONU para refugiados, divulgado nesta quarta-feira (15). Ao todo, 2021 registrou 89,3 milhões de deslocados forçados.
A cifra representa mais que o dobro da que foi observada há uma década. A título de comparação, é como se toda a população do Sudeste do Brasil tivesse de migrar para outra região ou mudar de país para fugir de conflitos em seu território.
O número tende a apenas crescer com o cenário de multiplicação de conflitos globais, destaca o material. No mês passado, pouco antes da divulgação do relatório com dados de 2021, o órgão anunciou que fatores como a Guerra da Ucrânia já haviam levado o número de deslocados a superar os 100 milhões neste ano.
“A causa é uma certa incapacidade da comunidade internacional de prevenir e solucionar conflitos”, diz Luiz Fernando Godinho, porta-voz do Acnur no Brasil. “Crises humanitárias são questões políticas e só podem ser resolvidas com vontade política; a resposta humanitária é apenas um paliativo.”
Se a paz duradoura fosse restabelecida em alguns locais-chave, o Acnur estima que a quantidade de refugiados poderia ser reduzida a cerca de 10 milhões, cifra registrada há dez anos. Hoje, no entanto, esse número ultrapassa os 27 milhões. A próxima segunda (20) é o Dia Mundial do Refugiado.
O volume de deslocamentos forçados inclui ainda quem precisou se mudar dentro de sua nação -que somam 53,2 milhões, segundo o recente relatório–, além dos solicitantes de asilo (4,6 milhões) e a massa de 4,4 milhões venezuelanos deslocados no exterior (contados à parte por não terem pedido refúgio de forma oficial, mas serem considerados pela ONU sob a mesma necessidade de proteção que os demais).
Ao longo do último ano, ao menos 1,7 milhão de pessoas cruzaram fronteiras internacionais em busca de proteção, e pelo menos outras 14,4 milhões se deslocaram em seus territórios por motivo semelhante. Os sírios, vítimas de uma guerra civil que perdura há 11 anos, continuam sendo a principal nacionalidade entre os refugiados, com 6,8 milhões. A maior parte (3,7 mi) está na vizinha Turquia, que, assim, se tornou o país com mais refugiados.
Chama a atenção, ainda, a situação de Afeganistão e Mianmar. No país da Ásia Central, onde o grupo fundamentalista Talibã retomou o poder em agosto, mais de 900 mil se deslocaram dentro do território ou para países vizinhos para fugir do conflito durante 2021. O país lidera em número de cidadãos que pediram asilo em outros locais.
Já na nação do Sudeste Asiático, que assistiu a um golpe militar no início do ano passado, mais de 400 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas e ir para outro ponto do território. A nacionalidade é a quinta com maior número de refugiados -ao menos 1,2 milhão.
O Brasil recebe uma menção no documento como um dos países onde houve diminuição significativa dos pedidos individuais de asilo, ainda que, ao todo, a cifra global tenha aumentado: 1,7 milhão, uma alta em relação a 2020 (1,3 milhão), ápice da pandemia de Covid.
Godinho explica que, além da redução do fluxo de entrada de refugiados da Venezuela devido às restrições sanitárias para conter a disseminação do coronavírus, uma das possíveis razões para a queda é o que descreve como o esforço, em 2020, de análise dos pedidos de reconhecimento da situação de refugiados de quem deixou o país vizinho.
O material destaca ainda o peso da emergência climática nessa crise. Ainda que não trabalhe com a denominação “refugiado climático”, o Acnur salienta que eventos extremos afetam as vidas dos que já estão deslocados e podem atuar como catalisador de deslocamentos.
Ainda que compile dados de 2021, o relatório também lança bases para o que se espera ver na próxima edição, que levará em conta o ano que viu eclodir a Guerra da Ucrânia. E o cenário alarmante de mais de 100 milhões significa que 1 a cada 78 pessoas estão deslocadas no planeta.
O alto comissariado da ONU chama a atenção para a boa resposta da comunidade internacional no acolhimento de refugiados ucranianos, mas também destaca as diferenças com que foram tratadas pessoas de outros países no continente. “Muitos dos refugiados que já estavam deslocados no final de 2021 enfrentaram condições muito mais terríveis”, afirma um trecho do texto.
A situação traz ensinamentos também para o Brasil, diz Godinho à Folha. “Isso mostrou não só a importância de os países terem a disposição de manter suas fronteiras abertas, mas que a resposta vai além do poder público. É claro que a capacidade do Estado é muito maior, mas a resposta da comunidade é muito importante, e temos visto muitas demonstrações de envolvimento dos cidadãos.”
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