A bibliotecária Caroline Realon, 30 anos, define-se como devedora contumaz. Com um boleto da companhia de energia protestado e dívidas de R$ 7 mil no cartão de crédito, ela conta que lida com a inadimplência desde quando obteve seu primeiro cartão de crédito, ainda na adolescência. “Entro e saio do Serasa, gasto mais do que ganho”, diz Caroline, que sofre de um certo desalento sobre a própria situação financeira: “Fico enrolando para pagar as contas. Vou deixar rolar e pagar quando der, porque não dá para lutar contra os juros.”
O caso da bibliotecária ilustra a situação financeira atual de milhões de brasileiros. Dados do Serasa mostram um contingente de 65,7 milhões de pessoas com contas vencidas, e o valor médio da dívida é superior a R$ 4 mil – ambos os dados estão perto da máxima histórica e têm tendência de alta até o fim do ano.
Como no exemplo de Caroline, quem está devendo geralmente carrega o problema há muito tempo: segundo a empresa de análise de crédito Boa Vista, 83% das dívidas têm atrasos superiores a 90 dias.
De acordo com Lauro Leite, presidente da Return, empresa de recuperação de crédito do Santander, além dos problemas com perda de emprego ou gastos inesperados, a falta de organização também ajuda a tornar as dívidas uma “bola de neve”. Ele diz, por exemplo, que é comum o brasileiro pegar dinheiro emprestado de um cartão de crédito para pagar a conta de outro. “O brasileiro é cheio de cartões”, diz.
E, mesmo quem sai da lista de negativados, costuma voltar pouco tempo depois, segundo Eric Garmes de Oliveira, cofundador da Paschoalatto, que cobra dívidas para os principais bancos do País. Para quem está preso nesse círculo vicioso, diz ele, uma das recomendações é sempre mostrar disposição em negociar e resolver a questão. “Isso é importante para evitar que a dívida seja cobrada judicialmente”, explica.
Na luta para sair da lista de devedores há quatro anos, o representante comercial Anderson Kazuo, 32 anos, já fez diversas negociações. Tudo começou em 2018, quando teve despesas extras com seu carro, mas não conseguiu manter as parcelas em dia. A partir daí, o problema só piorou: hoje, deve R$ 18 mil ao banco e ainda busca uma saída para a quitação. A dívida só cresceu. “Fiz dívidas no cartão o para pagar o conserto de um carro”, lembra.
Nas conversas com o banco credor, no entanto, Anderson diz que nenhuma solução ofertada atendeu às suas necessidades. Segundo ele, a instituição só oferecia apenas a redução da parcela mensal – o que, no fim das contas, ampliaria o total da dívida. “Tem uma oferta na Serasa reduzindo o valor pela metade, então vou ver se consigo utilizar parte do meu FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) para finalizar esse empréstimo”, afirma.
HORIZONTE RUIM
E a situação deve piorar. Economista da Serasa, Luiz Rabi afirma que a trajetória da inadimplência é de alta, por causa da confluência negativa de renda em baixa, juro em alta e inflação galopante. “É um momento ruim do ponto de vista financeiro. Não vai ser simples diminuir o número de inadimplentes”, diz.
De acordo com a Boa Vista, o registro inadimplentes voltou a crescer em maio, pela quarta vez seguida. Em relação ao mesmo mês em 2021, o indicador de dívidas em atraso subiu 12,7%. Segundo a entidade, a curva continuar “acelerada”.
Segundo Rabi, em momentos de dificuldade, o consumidor prefere atrasar contas do dia a dia – como água e luz – do que ficar devendo para o banco, o que geralmente resulta em uma inclusão mais rápida nos serviços de proteção ao crédito. E o brasileiro quer evitar isso, porque ter “nome limpo” para o parcelamento de necessidades de consumo.
Para Elle Braude, da Associação Brasileira de Planejamento Financeiro (Planejar), o primeiro passo diante do endividamento é buscar ajuda – muitas vezes, vale consultar um especialista. Isso porque o endividado deve ter em mente que as ofertas de refinanciamento dos bancos não são, em geral, a melhor opção para o cliente.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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