FOLHAPRESS – Quando veio a público que um dos manifestantes da invasão do Capitólio tinha uma tatuagem de um game, um filme passou pela cabeça dos jogadores. Seriam os jogos apontados então como os culpados?
Dessa vez, ninguém fez essa ilação. Muitos respiram aliviados, inclusive os milhares que sintonizaram na Twitch para acompanhar o desenrolar do ataque ao Congresso.
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Plataforma de transmissões ao vivo de jogos, a Twitch vem se abrindo a outros conteúdos, mostrando como os videogames aos poucos se misturam ao caldo da cultura.
Apontar uma bolha ao redor do videogame é parcialmente correto. O erro é que o termo denota algo de nicho, público pequeno e específico.
Videogame é um bolhão. Afinal, são 2,7 bilhões de jogadores no mundo, de acordo com a consultoria Newzoo. No Brasil, são 67 milhões com mais de 12 anos que jogam videogame, ou 38% dessa população, segundo pesquisa do Datafolha encomendada pela BGS, evento do setor.
Um terço dos entrevistados joga diariamente. A média de idade é de 30 anos; 53% são homens, 47%, mulheres. A renda familiar é R$ 220 acima da média brasileira. O estigma de hobby para classes favorecidas cai em razão de jogos gratuitos, disponíveis até mesmo para celulares, como “Fortnite”, “Genshin Impact” e “Free Fire”.
O levantamento do Datafolha é do primeiro trimestre de 2020. Durante a pandemia, videogame foi o único ramo de entretenimento a crescer.
O segmento aumentou seu faturamento em 20% em 2020, de acordo com projeção da consultoria IDC. Atingiu US$ 180 bilhões, aproximadamente R$ 975 bilhões. O valor supera o mercado global de cinema -US$ 101 bilhões em 2019- e música -US$ 20 bilhões- combinados.
Não há número, no entanto, que consiga capturar o poder da história de “The Last of Us – Part 2”, as risadas de “Among Us”, a fluidez de “Hades” ou a raiva de um bug de “Cyberpunk 2077” interrompendo a partida.
Os títulos aqui lembrados estão entre os mais relevantes dos últimos tempos, embora não tenham frequentado o debate público com o devido peso. Salvo exceções pontuais, ficaram relegados a canais especializados, além de grupos de Facebook e WhatsApp. Espaços do bolhão, sem fomento ao contraditório.
Contribui para a manutenção desse fechamento o receio de desentendimento. O capitalismo não lida bem com uma pessoa passando o domingo controlando um viking de “Assassin’s Creed: Valhalla”.
“Jogar geralmente é visto como perda de tempo que poderia ser gasto com o desenvolvimento de nosso ‘capital humano’ ou algum outro termo deprimente usado por gestores”, escreve o sociólogo Jamie Woodcock no recém-lançado livro “Marx no Fliperama”, da editora Autonomia Literária.
Maratonar uma série não pega tão mal. O lúdico que o videogame elabora é entendido como um ato exclusivamente infantil. Para aumentar a confusão, Atari e Nintendo, empresas dominantes nos anos 1970 e 1980, enfatizavam o público infantil.
A cultura gamer passou a ser atacada durante a década de 1990, momento em que as desenvolvedoras dialogavam com os adolescentes. Jogos como “Mortal Kombat” traziam cenas de violência num tom de terror B.
O argumento de proteger as crianças da suposta má influência fez do videogame o bode expiatório para os casos de violência. Jogos eletrônicos eram alvos mais fáceis do que o lobby das armas de fogo.
Incompreensão de quem está de fora, defesa radical de uma parcela de quem está dentro. Quem se aventura a falar de videogame com seriedade precisa ter casca grossa.
Seja uma resenha negativa de um título ou uma pesquisa sobre problemas de representatividade, há sempre um temor da repercussão. Fazer ataques pessoais a quem contraria os interesses da comunidade se tornou corriqueiro.
Artefatos da cultura popular, incluindo os games, consolidam hegemonias, são sempre políticos. A pluralidade de análises é vital para o acompanhamento e a compreensão.
Seja para explicar a origem da dança na comemoração do gol, os mecanismos de sedução dos aplicativos ou as manobras políticas, o bolhão precisa se abrir. Dentro dele estão elementos fundamentais da cultura contemporânea.
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