RAFAEL BALAGO
WASHINGTON, EUA (FOLHARPESS) – “Pode tirar a máscara. Não precisa mais”, disse o taxista à reportagem da Folha, que embarcava com o rosto coberto numa corrida em Boston. O aplicativo, porém, continua a exigir o item para viajar.
Após meses sem restrições a aglomerações ou fechamento de comércios, os EUA sentem o calor do começo de primavera no hemisfério Norte e se preparam para o terceiro verão da pandemia como se ela já não existisse. Enquanto isso, especialistas lembram que não é bem assim –o governo federal também, já que estendeu a obrigatoriedade do uso de máscaras em aviões e hospitais e no transporte público, que deixaria de valer na segunda (18), por mais duas semanas.
As últimas semanas indicam uma alta de casos de Covid. Dos 50 estados americanos, 27 registraram piora nos contágios. “Os demais estados provavelmente verão o mesmo nas próximas duas semanas”, diz David Dowdy, professor de imunologia na Universidade Johns Hopkins. “Mas o número de internações não está subindo. É razoável adotar algumas medidas de prevenção, mas essa onda não será tão séria quanto a última.”
A média nacional de casos está em 33 mil por dia, muito abaixo dos 780 mil diários atingidos em janeiro deste ano. A alta do momento atinge especialmente a região noroeste do país, que inclui Nova York e Washington. A área tem tido em torno de 120 novos casos diários por 100 mil habitantes. É o dobro do registrado em março, mas distante da taxa de 2.200 vista em janeiro.
A piora é creditada ao avanço da nova subvariante da ômicron, chamada de BA.2. Estudos iniciais apontam que ela é 30% mais contagiosa do que a ômicron original.
“Ainda não sabemos se também gera mais mortes, hospitalizações ou sequelas. Mas não vemos uma onda de internações ligadas à nova cepa, o que é encorajador”, afirma Mark Schleiss, pesquisador da Universidade de Minnesota.
Segundo ele, uma das razões que dificultam os estudos da nova mutação é o aumento do volume de autotestes, feitos em casa –o governo americano distribuiu milhares deles de forma gratuita.
O enredo de uma onda trazida por uma variante já se repetiu outras vezes, mas agora a resposta estatal tem sido mais tímida, também porque os outros números estão estáveis. A média de óbitos está na faixa de 450 diários, menor que os 700 de abril de 2021 e bem abaixo do recorde de 2.200 de janeiro deste ano.
Entre as grandes cidades, a Filadélfia, com 1,6 milhão de habitantes, determinou a volta do uso de máscaras em lugares fechados. Se a situação piorar, a medida seguinte será retomar a exigência de comprovante de vacinação para o acesso a lugares públicos –fechar ou restringir atividades por ora está fora de cogitação.
Os EUA seguem firmes nessa estratégia. Mesmo em janeiro, no maior pico de casos já registrado, escolas e comércios continuaram a operar. À época, as ações dos governos foram reforçar o apelo pelas máscaras e, em algumas cidades, exigir o passe vacinal para espaços de lazer. E a estratégia durou poucas semanas.
“Podemos acabar com o fechamento de escolas e negócios. Temos as ferramentas de que precisamos. É hora de os americanos voltarem ao trabalho e encherem os centros das cidades”, disse Joe Biden, no discurso do Estado da União, em 1º de março. “A Covid já não controla nossas vidas.”
A tática da Casa Branca se concentra na vacina, mas a imunização com o primeiro ciclo completo estancou em 66% –no Brasil, o percentual é de 75,6%. Mesmo com campanhas de estímulo ou punições, o total de imunizados avançou apenas 3 pontos percentuais desde janeiro.
E os 66% abrangem realidades bem distintas: há estados em que praticamente um a cada dois habitantes não se vacinou, como Alabama (51% com ciclo completo) e Geórgia (54%), diferentemente de outros populosos, como Califórnia (72%) e Nova York (77%).
No fim de março, o governo passou a oferecer a quarta dose para maiores de 50 anos. Biden, 79, recebeu a sua em evento público, que usou para pressionar o Congresso a aprovar mais recursos contra a Covid –quer um acordo para liberar US$ 10 bilhões para comprar testes, remédios e vacinas.
Republicanos seguram a aprovação da verba para pressionar democratas a rever medidas que facilitariam a imigração. O acerto deixaria de fora o custeio de exames e imunizantes para pessoas sem plano de saúde. Assim, um teste simples, hoje gratuito em muitos lugares, custa em torno de US$ 100 para não segurados.
Outro encontro de risco entre pandemia e política se dá com as eleições de meio de mandato que renovam parte do Congresso, em novembro. Se em Washington a tênue maioria democrata estará em jogo, devido à reprovação de Biden, o pleito em prefeituras e governos estaduais em várias partes do país pode levar governantes a evitar a adoção de medidas impopulares nos próximos meses.
Schleiss defende que a melhor arma para vencer a Covid agora será vacinar as crianças de forma ampla, já que elas ajudam a espalhar o vírus mesmo que não apresentem sintomas. “É a mesma coisa que se dá com qualquer outra doença viral, como o sarampo. Enquanto não tivermos uma estratégia para universalizar a vacinação infantil contra a Covid, vamos seguir lutando contra a doença.”
Dowdy indica ainda o cuidado em grandes aglomerações. “Não se trata de banir eventos de massa, mas de adotar medidas como melhorar a ventilação, priorizar ambientes externos, exigir vacinação –e até considerar o uso de máscaras”, diz.
O calor é propício a isso tudo. No fim de março, milhares de pessoas foram ver o desabrochar das cerejeiras em Washington, com parques repletos de pessoas sem máscara, aglomerando-se para tirar fotos. O acessório só era visto no metrô, com vagões partindo lotados e muitos passageiros se esquecendo da proteção. Não havia funcionários para cobrar o uso, e os demais viajantes pareciam não se importar.
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