Não usar máscaras propicia o surgimento de novas variantes do coronavírus?

(FOLHAPRESS) – A flexibilização do uso de máscara em ambientes fechados no estado de São Paulo acendeu o alerta para a pandemia de Covid-19. Isso porque a transmissão do vírus pode aumentar, resultando em uma elevação na média de mortes e sobrecarga no sistema de saúde.

Outra preocupação com o relaxamento da medida é com a chance de surgir uma nova variante do Sars-CoV-2. Especialistas e organizações de saúde já vinham afirmando que há uma grande probabilidade de surgirem novas cepas que podem ser mais preocupantes do que aquelas que temos agora.

Para Christovam Barcellos, pesquisador do Observatório Covid-19 da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), o problema é que o não uso de máscaras favorece o aumento de casos e este, por conseguinte, se relaciona com o desenvolvimento de mutações.

“As variantes sempre surgem em momentos de maior transmissão. Dessa forma, a probabilidade de ocorrer uma variante nova é exatamente proporcional ao número de casos que estão sendo gerados. Se a gente gerar milhões de casos no Brasil nas próximas semanas ou meses, é bem provável que surja uma nova cepa”, afirma.

O maior dilema que envolve o surgimento de uma nova variante é não saber o impacto que ela pode trazer para o estágio atual da pandemia, que passa por um arrefecimento no Brasil, mas volta a mostrar sinais de preocupação em outras regiões do mundo.

“Toda variante que surge são perguntas que aparecem: ela é mais ou menos letal? Transmite mais fácil? Causa casos mais graves? Qual a reação clínica das pessoas vacinadas e daquelas não vacinadas?”, diz Barcellos.

Em casos anteriores, novas cepas do vírus conseguiram piorar enormemente o quadro epidemiológico da doença, como no caso da ômicron e da delta. No entanto, para Vitor Mori, pesquisador da Universidade de Vermont, o desenvolvimento dessas novas variantes que impactaram fortemente o aumento de transmissão da doença foram poucos.

“Se a gente olhar o curso da pandemia, nós vemos que foram cinco variantes de preocupação: alfa, beta, delta, gama e ômicron. Isso no curso de dois anos de uma pandemia que afetou muita gente”, afirma.

Por isso, o pesquisador acredita que é muito difícil que necessariamente o abandono do uso de máscara colabore com o desenvolvimento de novas cepas. “Acho que talvez seja um pouco exagerado falar com convicção que tirar o uso da máscara gere novas variantes, porque isso é muito difícil de prever e são muitos fatores que influenciam as mutações”, complementa.

Mesmo assim, ele reitera que a suspensão da obrigação de máscaras em locais fechados deve colaborar com a circulação do vírus, um dos fatores importantes para as mutações ocorrerem.

Ponto semelhante é apontado por Fernando Spilki, virologista e coordenador da Rede Corona-ômica BR-MCTI, um projeto de laboratórios que sequencia os genomas de amostras do Sars-CoV-2 no Brasil.

“Toda situação que mantém o vírus em circulação alta e com número de casos muito grande é uma circunstância que pode levar à possibilidade de o vírus se diversificar”, afirma.

O virologista acredita que não seria o momento de suspender a obrigação de uso de máscara em ambientes fechados, já que esses espaços proporcionam maior risco de transmissão do patógeno, algo que não é tão grande em ambientes abertos sem grandes aglomerações.

“A circulação do vírus ainda é muito alta e, com medidas que propiciam mais isso, há uma maior possibilidade de o vírus encontrar ramificações ao longo da evolução dele, podendo gerar novas variantes”, afirma.

Outro fator que poderia entrar na análise sobre o impacto que a flexibilização de máscaras tem para possíveis mutações é a cobertura vacinal. No Brasil, em média de 73% já concluíram o primeiro ciclo vacinal, mas somente 33% tiveram a dose de reforço.

Para Spilki, o problema é que as vacinas atuais não têm uma grande eficácia em barrar a transmissão do vírus, mas sim em evitar quadros sintomáticos ou críticos da doença. Por isso, a continuidade do uso de máscara, principalmente em ambientes fechados, seria importante, já que é um equipamento que, usado de forma correta, consegue barrar a transmissão do patógeno.

Outro aspecto é que o surgimento de novas variantes já representou uma mudança na eficácia das vacinas, como no caso da ômicron, onde foi visto que o esquema vacinal precisaria ser de três doses e não somente duas. Situações como essa fazem com que o quadro epidemiológico continue instável mesmo com uma cobertura vacinal já alta, sendo então necessário continuar com outras medidas de proteção.

“Toda variante mexe com o quadro da cobertura vacinal. Por exemplo, seria 80% de vacinados no Brasil se os imunizantes usados hoje fossem capazes de imunizar a pessoa, mas não está acontecendo isso, porque tem variantes com escape imunológico”, afirma Barcellos.

Anteriormente, a OMS (Organização Mundial da Saúde) já tinha afirmado que o uso somente da vacina não seria suficiente para barrar a transmissão do vírus, sendo então necessárias outras medidas como a utilização das máscaras.

A organização também já havia indicado que é “muito otimista” acreditar que a ômicron será a última variante do Sars-CoV-2, posição reiterada por Spilki.

“Nós não temos nenhuma evidência para pensar o contrário do que diz a OMS. O que é possível fazer é refrear o processo de evolução do vírus com medidas adequadas de controles. Agora, se é dada toda chance possível de o vírus circular, podem acontecer no futuro variantes que possam alterar pelo menos momentaneamente o quadro epidemiológico, como aconteceu com a ômicron”, diz o virologista.

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