SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “A eficácia daquela vacina lá em São Paulo parece que está lá embaixo”, ironizou o presidente Jair Bolsonaro na véspera do último Natal sobre a Coronavac, vacina contra a Covid-19 produzida pelo Sinovac e fabricada em parceria com o Instituto Butantan, em São Paulo.
De fato, a eficácia da opção paulista, de 78%, divulgada pelo governo João Doria (PSDB) nesta quinta-feira (7), fica abaixo da de outras vacinas como a da Pfizer (95%) e da Moderna (94,1%), ambas em aplicação nos Estados Unidos.
Mas, segundo especialistas ouvidos pela reportagem, isso não significa que ela seja pior.
“O que importa é a capacidade de vacinarmos muita gente rapidamente”, diz o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Universidade de São Paulo.
“Estaremos em uma situação melhor do que aqueles com a vacina da Pfizer BioNtech, porque é uma vacina que sairá com um milhão de doses toda noite da zona oeste de São Paulo para todo o país, sem preocupação extra com cadeia de frio”, afirma “Ganha na relação custo-efetividade”.
Lotufo se refere à necessidade da vacina da Pfizer de ser armazenada a uma temperatura inferior a -70ºC, o que demanda ultracongeladores, insuficientes no Brasil para imunizar em larga escala. Já a vacina da Sinovac pode ser armazenada em uma geladeira comum.
Nenhuma vacina tem 100% de eficácia, ou seja, o fato de se vacinar não significa que alguém esteja totalmente imune à doença.
Por isso é necessário que uma parcela expressiva da população receba o fármaco para evitar que o vírus se espalhe. Isso significa que, mesmo que uma vacina não funcione para um indivíduo, ele pode não ser infectado se as pessoas ao seu redor estiverem protegidas.
Hillegonda Maria Dutilh Novaes, da Faculdade de Medicina da USP, explica que é normal vacinas como a Coronavac, que usam vírus inativado, terem eficácia menor do que uma produzida com a tecnologia usada pela Pfizer e pela Moderna.
O imunizante dessas fabricantes é baseado no RNA mensageiro, que dá instruções ao organismo de quem for vacinado para produzir proteínas encontradas na superfície do vírus da Covid-19, sem que ele tenha tido contato com o vírus de fato. Ou seja, a substância engana o corpo e o faz acreditar que precisa dar uma resposta imune, protegendo o indivíduo.
“É uma tecnologia completamente nova. Como o RNA é um componente genômico instável, precisa ser armazenado em temperaturas baixíssimas”, diz. “Drogas que têm uma ação no núcleo de funcionamento celular [como a de RNA mensageiro] tendem a ser mais poderosas, como as usadas para artrite reumatóide, mas também têm efeitos colaterais mais imprevisíveis.”
Já a tecnologia usada na Coronavac é a mais tradicional em vacinas e usada há décadas. Consiste em inserir em um indivíduo um vírus inativado, incapaz de causar a doença, mas suficiente para o corpo humano montar uma resposta.
“Numa analogia, é como se a Coronavac fosse um carro popular confiável, com riscos muito pequenos. Não é tão veloz, mas funciona. Nas tão esburacadas estradas brasileiras, com nossos problemas de infraestrutura, é bom seguir uma opção confiável, menos espetacular e mais viável. A outra opção é uma Ferrari ultraveloz, mas cara e que pode cair em um buraco e deixar o motorista na mão”, resume Novaes.
O governo federal, por sua vez, aposta em uma vacina produzida pela AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford. Estudo publicado na revista científica Lancet indica que a vacina é segura e tem eficácia de 70% para proteger contra a doença pessoas abaixo de 55 anos. O número supera a eficácia mínima de 50% estabelecida pela Anvisa para dar aprovação a um imunizante contra a Covid-19.
Novaes afirma que é preciso deixar claro que a desconfiança com o imunizante elaborado por uma fabricante da China não se justifica.
“No desenvolvimento de imunobiológicos, a China faz muita coisa boa. As fábricas de outras vacinas também são lá. Deslocar a produção para a China e para a Índia foi uma opção das grandes indústrias 10, 15 anos atrás, e fez parte do desenvolvimento tecnológico e industrial. As fábricas são visitadas pela Anvisa, pelo FDA [órgão regulador americano], são confiáveis”, afirma.
Para Domingos Alves, da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, a Coronavac não deve ser comparada às vacinas da Pfizer ou da Moderna. “Não é 78% frente a 95% de outras vacinas. É 78% frente a nada. Porque efetivamente, das outras vacinas, nós não temos nada. Não temos nem seringa”, diz.
“É a nossa única opção, na prática, para começar a vacinar em janeiro. Está aí porque o Butantan já comprou as doses, elas já estão aí”, continua.
Cristina Bonorino, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, diz que vê o anúncio do Butantan com otimismo, mas que ainda aguarda os dados completos do estudo da vacina.
Segundo ela é importante “que as pessoas não pensem que agora podem ir para a balada. Porque a vacinação vai demorar para isso trazer resultados. Nada vai voltar totalmente ao normal antes do final do ano, principalmente se continuarmos nesse ritmo que está tudo parado”, afirma.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo americano já afirmou que pode demorar meses para haver um impacto da vacinação no crescente número de mortes e contaminações. No Reino Unido, mesmo com mais de 1 milhão de pessoas vacinadas, o comércio voltou a fechar e as aulas foram suspensas para tentar conter um novo avanço da doença.
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