Tecnologias de smart cities da China prometem desafogar o trânsito

RAFAEL BALAGO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Trânsito e insegurança são duas das questões que mais incomodam os moradores de grandes cidades, e empresas chinesas querem ganhar espaço ajudando a resolvê-los. Ao menos duas delas, Alibaba e Huawei, oferecem as chamadas plataformas de smart cities: um pacote de soluções que promete usar alta tecnologia para resolver questões simples da rotina, como um carro parado atrapalhando o tráfego.

Mesmo em batidas leves, é comum que motoristas esperem a polícia ou alguma autoridade chegar, para garantir a responsabilização do culpado. Enquanto aguardam, bloqueiam o espaço. “Em algumas cidades da China, o policial chega, puxa as imagens das câmeras da região e avalia se houve culpa de alguém. Assim, o inocente pode ir embora na hora”, diz Rômulo Horta, diretor de marketing da Huawei no Brasil.

Em Shenzen, metrópole de 12 milhões de habitantes, houve redução de 15% no congestionamento em horários de pico e aumento de 9% no volume de veículos em movimento após a adoção da tecnologia, que inclui monitoramento com câmeras e softwares capazes de ajustar semáforos e rotas para otimizar o uso das vias, tanto com base na situação atual quanto em previsões, feitas a partir do histórico do trânsito.

Singapura está um passo além. Lá, câmeras também monitoram o trânsito, mas, ao detectar um acidente, o sistema pode enviar drones ao local, para fazer imagens da cena de vários ângulos e avaliar se há feridos. As informações são passadas para a central, que decide se envia ambulâncias.

Os sistemas também visam melhorar o fluxo de pedestres nas ruas e no transporte público. A ferramenta City Brain, do Alibaba, por exemplo, é usada em cidades como Hangzhou e Suzhou -com 10 milhões de habitantes cada uma- para organizar a entrada de passageiros no metrô e em ônibus, de modo que as viagens sejam mais rápidas e não haja gargalos, como filas para subir a escada rolante.

De modo geral, as plataformas se dividem em quatro partes: captadores de dados (câmeras, sensores de movimento e som), uma estrutura de análise do que foi coletado, equipamentos para que os funcionários recebam as informações em tempo real e uma rede veloz de internet para conectar todo o sistema.

O modelo de contratação, por sua vez, tem mudado. Em vez de comprar os equipamentos, pode-se contratá-los como um serviço e ter mil pontos de captação de dados em vez de mil câmeras, por exemplo. O software e a rede de internet mais rápida podem também ser pagos de acordo com o uso.

“Nossa sugestão é que governos comecem pela instalação da parte de segurança pública e trânsito, que poderá ser adaptada a outros usos”, diz Ricardo Mansano, gerente de soluções da Huawei. A empresa já fez parte da implantação de mais de 160 smart cities, em mais de cem países e regiões, incluindo o Brasil.

A cidade de Aparecida de Goiânia (GO), de 590 mil habitantes, contratou um pacote que inclui 720 km de fibra óptica e 650 câmeras, além de um datacenter próprio. A ideia é que a internet mais rápida seja usada em outras funções, como oferecer wi-fi gratuito em praças e melhorar o acesso nas escolas públicas.

Na Bahia, há cerca de mil câmeras ligadas a um sistema de reconhecimento facial e de leitura de placas, e mais 300 deverão ser adicionadas. Até o fim de junho, a tecnologia já havia identificado 211 foragidos nas ruas, presos após o sistema, adotado no final de 2018, gerar um alerta.

O reconhecimento pode ser feito mesmo que o alvo esteja usando máscara, e o sistema vai ficando cada vez mais ágil. Um serviço do Alibaba é capaz de analisar 16 horas de vídeo em um minuto, em busca de informações específicas, como checar se um suspeito passou por um determinado local.

Algumas mudanças ajudam a baixar os custos. As câmeras em si não precisam ter capacidades extras, pois a análise das imagens será feita a distância. Pode-se também aproveitar os registros de equipamentos privados, como de casas e empresas, que ficam voltadas para a rua.

Para garantir uma internet mais rápida, é possível criar uma rede privada para conectar os equipamentos, a central e os funcionários que utilizarão os dados. “Com uma conexão 5G, posso enviar imagens em alta resolução para o tablet de um policial na rua, em vez de falar a descrição por rádio”, afirma Mansano.

A troca de dados entre as diferentes partes do governo abre possibilidades como enviar a paramédicos de uma ambulância o histórico de saúde do paciente que estão indo buscar, flagrar um caminhão que esteja jogando entulho na calçada ou monitorar em que parte da cidade está um aluno que não foi à escola.

Como essas plataformas geram uma quantidade gigantesca de dados, faz-se necessário o uso de vários sistemas para analisar informações e gerar alertas, como um acidente ou um foragido na multidão.

Entra aí um dos pontos sensíveis: como garantir que governos e empresas que armazenam as informações farão um bom controle dos dados? Estarão ali relatórios detalhados de como cada pessoa se deslocou pela cidade e ocorrências em que se envolveu. O sistema poderia, inclusive, registrar que alguém jogou o lixo fora do cesto na calçada ou esqueceu de indicar com a seta ao entrar em uma rua de carro.

“Muitas tecnologias de reconhecimento facial estão sendo implantadas no Brasil, mas isso é feito sem se preocupar com a privacidade dos cidadãos”, diz Bárbara Simão, coordenadora da área de privacidade e vigilância do centro de pesquisas InternetLab. “Muitas tecnologias ainda caem em um vácuo normativo.”

Uma forma de tentar equilibrar a questão é incluir nos contratos a possibilidade de que possam ser feitas auditorias externas, para garantir que os dados sejam tratados corretamente. Assim, ajuda-se a evitar casos de vazamentos ou discriminação, como tecnologias de reconhecimento facial mal calibradas para pessoas negras, que podem gerar transtornos a um cidadão que só queria chegar mais cedo em casa.
*
EXEMPLOS DE USO
Trânsito
– Ao analisar dados das câmeras, os sistemas detectam problemas, como um acidente, e enviam um alerta para outros motoristas desviarem da área, de modo a evitar congestionamento;
– Em caso de batida, arquivo de imagens pode mostrar de quem foi a culpa, sem que seja necessário esperar a perícia, o que libera a via mais rapidamente;
– Adequar o tempo dos semáforos para melhorar a fluidez, com base na média de trânsito por dia e horário e nos dados em tempo real;
– Cobrar pedágio urbano usando leitura automática de placas. Pode-se também multar carros que estão circulando sem os documentos em dia;Transporte público
– Sensores podem detectar que trens ou ônibus estão muito cheios e, assim, reforçar a frota de modo mais ágil;
– Reconhecimento facial pode ser usado para cobrar a passagem, o que dispensa uso de bilhetes;Segurança pública
– Câmeras com reconhecimento facial permitem escanear multidões e encontrar foragidos;
– Sensores podem detectar som de tiros, explosões ou fumaça, acelerando o envio de ajuda;Ocupação urbana
– Softwares podem analisar imagens para detectar ocupações irregulares, como invasão de áreas ambientais, construções ou abertura de comércios sem licença;AS PARTES DO SISTEMA
– Captação: Câmeras, sensores de movimento, de calor etc., para gerar dados em tempo real das ruas;
– Gerenciamento: Softwares capazes de analisar grandes quantidades de dados e gerar alertas;
– Entrega de informações: Salas de controle para monitorar os dados e equipamentos para enviar informações a agentes nas ruas;
– Redes: Conexões de internet rápidas, às vezes privadas, para conectar todo o sistema.

Notícias ao Minuto Brasil – Tech