Jovem de 19 anos conquista 700 mil seguidores no TikTok com vídeos sobre síndrome de Tourette

Desde criança, a estudante de Psicologia Joyce Luz, 19 anos, sofre tiques motores e verbais crônicos, virtualmente impossíveis de controlar – situação que piorou durante a pandemia.

“Começou por volta dos oito anos de idade e eram imperceptíveis. Eu piscava o olho, estalava o dedo e me dava socos aleatórios. Mas não a ponto de ir ao médico”, contou a jovem em entrevista à BBC Brasil.

Por anos, o transtorno passou quase despercebido, pois os pais de Joyce acreditavam que era algo normal. Com o agravamento dos sintomas, eles decidiram recorrer a especialistas e descobrir as causas do problema.

Foi aí que em maio deste ano, a estudante recebeu o diagnóstico de síndrome de Tourette, um distúrbio do sistema nervoso que envolve movimentos repetitivos ou sons indesejados.

Pouco depois, ela descobriu outro transtorno, o TFM, responsável por paralisias momentâneas em suas pernas e convulsões. “Eu já tinha os sintomas há muito tempo, mas descobri tudo junto”, disse.

Para ajudar Joyce a “digerir” o diagnóstico duplo, seu psicólogo sugeriu que ela fizesse vídeos no TikTok relatando seu processo de adaptação. Ela topou.

Trajetória até as redes sociais

A partir daí, conteúdos informativos sobre o transtorno e sobre o dia a dia da jovem passaram a ser compartilhados – e não demorou muito para viralizar e conquistar o público.

Ciente de que a síndrome ainda é muito estigmatizada, Joyce pensou que poderia ajudar outras pessoas a seguirem com uma vida normal, apesar das limitações cotidianas.

Hoje, ela possui mais de 760 mil seguidores, conquistados em menos de 7 meses. Seus vídeos mais virais chegam a quase 2 milhões de visualizações e milhares de compartilhamentos, em todas as plataformas.

@ticsluzResponder @givaleriano2006 acho que ajudei a esclarecer um pouco ☺️♬ som original – Joyce Marques

Em um deles, a estudante explica para que serve o cordão de girassol, peça para identificação de pessoas com deficiência. Em outro, responde vídeos dos seguidores que não demoram a repercutir nas redes sociais.

Quatro anos antes do diagnóstico do Tourette, a maranhense descobriu que tem TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), depressão, ansiedade e TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade).

Apesar de tudo, ela tenta seguir uma rotina normal e se dedicar aos estudos. É uma luta diária, haja visto que o TDAH atrapalha consideravelmente seu desempenho escolar.

@ticsluzMinha experiênciazinha♬ som original – Joyce Marques

Infelizmente, mesmo reportando o problema aos professores, Joyce não teve apoio psicológico do corpo docente e ainda sofria com bullying por parte dos colegas.

“Nenhum adulto acreditava em mim. Eu passei o ensino médio tendo dificuldade de aprendizado e ninguém acreditava na minha palavra. A escola se tornou um inferno para mim”, lamentou.

Os prognósticos se agravaram devido ao contexto social da estudante: a ansiedade se alimentava do bullying no colégio e a depressão, da perda de um amigo próximo que ela tinha no ensino fundamental.

“Não tinha coragem de pedir ajuda para ninguém. Nem para os meus pais”, relembrou. As coisas começaram a melhorar quando Joyce ingressou na psicoterapia, obtendo auxílio de profissionais de saúde mental.

A notícia de que tem síndrome de Tourette foi um baque para a jovem, que acreditava “ser o fim”.

“No início não foi fácil e eu sempre me sentia um ser de outro planeta. Eu pensava: ‘Meu Deus. Vou ter que conviver com isso pelo resto da vida’. Mas depois de um tempo, comecei a encontrar pessoas iguais a mim”, relembrou. Muitos amigos se afastaram por não conseguirem compreender o transtorno.

Preconceito no dia a dia

A realidade de quem tem a síndrome de Tourette é rodeada de preconceito e estigmas. Para alguns pacientes, os tiques são leves, mas podem surgir ocasionalmente de forma agressiva por minutos e até horas.

Essas situações são desencadeadas por momentos de estresse e mudanças ambientais repentinas, como barulho, luz etc.

Joyce explica que tudo é tão abrupto que ela já chegou a torcer o pulso, deixou a bochecha em carne viva e até socou a garganta. Em casa, tudo é mais fácil de controlar: o desafio mesmo são os espaços públicos, onde situações constrangedoras podem ocorrer.

Como exemplo, ela contou que certa vez estava com uma amiga na praia. Os tiques ficaram fortes e ela foi até o banheiro de um estabelecimento e se trancou para não se expor. Ainda assim, gritava muito e a dona do local disse que iria chamar a polícia.

Os tiques também se traduzem em palavras de baixo calão. Ao sair do banheiro, foi agredida: “Eu disse palavras obscenas e veio o tique de mostrar o dedo. Aí a mulher me deu um tapa na cara”, relembrou.

Foi tudo muito difícil e estressante. Naquele momento, Joyce e sua amiga tentaram explicar, mas a dona do local se recusou a entender e ainda disse que seu marido estava armado. “Essa foi a situação mais louca que vivi”, disse, indignada.

@ticsluzResposta a @djravinee um pouco do meu antes e depois do diagnóstico! Sim, essa mocinha de cabelos longos sou eu!♬ Survivor – 2WEI & Edda Hayes

Ajuda para pessoas com Tourette

Com o auxílio das redes sociais e o alcance gerado por elas, a estudante de Psicologia tem impactado a vida de muitas pessoas diagnosticadas com a síndrome, mostrando que é possível levar uma vida cotidiana.

Além disso, ela leva conscientização à centenas de milhares que são leigas com relação ao transtorno.

Joyce pretende seguir essa “carreira” de influenciadora digital, dando mais voz à causa – ao mesmo tempo em que cursa Psicologia.

“Eu nunca pensei em cursar psicologia. Mas escolhi depois de ser diagnosticada, já que é muito escasso profissionais que tratam essa síndrome e outras doenças. Como não tive essa ajuda também, segui numa escola normal e foi horrível”, disse. Futuramente, ela também deseja cursar Medicina.

@ticsluzResponder @d4rk._kat sobre o cordão de girassóis 🥰❣️♬ som original – Joyce Marques

Explicando a síndrome de Tourette

O transtorno, que pode ter origem genética, acontece devido a uma desregulação do circuito mesolímbico, região do cérebro que é responsável pelos pensamentos, emoções e movimentos.

“Existe uma possibilidade que uma mutação no gene SLITRK1 seja uma causa de Tourette à parte, mas acontece em casos isolados”, explicou Marcelo Heyde, psiquiatra e professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

De acordo com o psiquiatra, geralmente se inicia na infância e é menos comum na adolescência e vida adulta.

Os meninos tendem a ser afetados pela síndrome do que as meninas. “A evolução clássica do transtorno ocorre a partir dos oito e dez anos de idade. Na adolescência vai piorando e dentro do primeiro ano surgem os tiques vocálicos”, destacou Marcela Ferreira Cordellini, neurologista do Hospital INC (Instituto de Neurologia de Curitiba) e especialista em distúrbios de movimento.

O caso de Joyce explicita bem a predisposição da Tourette vir “acompanhada” de outros transtornos, como o TDAH e o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).

Estima-se que 2% da população (150 milhões de pessoas) tenha TOC e 1%, cerca de 75 milhões, tenham Tourette.

“A pessoa consegue segurar por um tempo, mas a vontade vai acumulando e tem horas que é impossível controlar. É involuntário”, completou a pesquisadora, acrescentando que os tiques mais comuns são a coprolalia (falar palavras obscenas), ecolalia (repetir as mesmas palavras de outras pessoas) e a copropraxia (fazer gestos obscenos, como o ‘dedo do meio’.

Tratamento

A síndrome de Tourette não tem cura. Na verdade, o termo é impreciso: o mais correto é falar “remissão” (atenuação) do transtorno.

@ticsluzResposta a @jozzulu mdsss ela não fez tanto Tic deve ser fake 🥵🥵🥵♬ som original – Joyce Marques

Para reduzir os tiques, é necessário fazer um tratamento multidisciplinar, sempre com médicos especializados.

“O mais recomendado é tratar com um neurologista que trate distúrbios de movimento. Além dele, psiquiatras, já que muitos pacientes sofrem com outros transtornos”, diz a neurologista Marcela Ferreira Cordellini.

Por fim, ela destaca que quanto mais cedo o paciente receber o diagnóstico, maior será a chance de ter uma qualidade de vida e controle dos sintomas.

Fonte: BBC Brasil
Fotos: Arquivo pessoal

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