SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A cena é corriqueira. O cidadão precisa se deslocar, pega o celular, abre um aplicativo de transportes e chama um carro particular. Em um dos dois principais aplicativos, Uber e 99, coloca a origem e destino, confirma e espera. E continua esperando por longos minutos.
Conseguir um serviço do tipo virou questão de sorte em São Paulo.
“Ele aceitou minha corrida, estou tão emocionado, vou poder voltar para casa”, brinca um usuário em uma rede social.
O apagão dos carros particulares tem origem na crise econômica e no custo dos combustíveis. Além de muitos terem abandonado o volante, os aplicativos banem motoristas que cancelam corridas curtas.
Há um desequilíbrio de oferta e demanda: enquanto mais pessoas passaram a se deslocar com o fim das restrições sociais, os motoristas também começaram a evitar trajetos com baixo retorno financeiro diante da alta das despesas.
Das experiências ruins com esperas e cancelamentos consecutivos, há quem comemore: os taxistas.
A menor oferta de motoristas particulares no Uber e na 99 trouxe uma segunda consequência: preços mais altos ao consumidor, tornando, em alguns momentos do dia, os táxis mais baratos do que seus concorrentes.
“Toda hora entra passageiro dizendo que não conseguia, que eles [os motoristas em carros particulares] não aceitavam a corrida. Agora muita gente está vendo que nós somos os profissionais nisso aqui”, diz Edmilson Cruz, motorista de táxi em São Paulo há 20 anos.
Simulações feitas pela reportagem em diferentes áreas da capital paulista indicam uma proximidade nos preços que, a depender do percurso, fazem a balança pender para os táxis. Em São Paulo, táxis podem usar os corredores de ônibus, o que, em vias de tráfego pesado, representa economia de tempo.
Um passageiro que saísse do Hospital Pérola Byington, na região central de São Paulo, na quarta-feira (8) à noite, com destino ao Terminal Rodoviário do Tietê, na zona norte, pagaria entre R$ 23 e R$ 29 pela corrida de táxi, dependendo do aplicativo usado. Se preferisse um carro particular, a corrida sairia por R$ 25,59.
Em outra simulação, indo do Mooca Plaza Shopping, na zona leste, até a estação Sacomã, na zona sul, no início da tarde de terça-feira (7) pagaria R$ 16,90 de táxi por aplicativo e R$ 18,90 de carro particular.
Pelo taxímetro, o valor pode ser ainda mais baixo do que o praticado por táxis que operam em aplicativos -tanto Uber quanto 99 têm essa modalidade.
Nos grupos de conversas de taxistas, o tema é frequente, mas vai além de mera percepção. Cruz estima que desde a escalada no preço dos combustíveis, o movimento cresceu de 30% a 40%. Também diz ter aumentado o número de passageiros que chamam táxi na rua.
Na tela do celular do motorista, uma lista de corridas esperava um carro disponível.
“Uma diferença que ninguém lembra é que quando a gente aceita uma corrida que vem do rádio-taxi, não dá para cancelar. Tem que ir, independentemente da distância”, afirma.
Enquanto as corridas particulares ficam sujeitas às flutuações de oferta e demanda –se há aumento na procura quando chove, por exemplo–, a bandeirada dos taxistas não é corrigida há sete anos.
Os preços só mudam entre as 20h e as 6h, quando vale a bandeira dois, em que há o acréscimo de 30% sobre os R$ 2,75 da tarifa quilométrica.
“São sete anos carregando uma cruz que as autoridades se recusam a olhar. Dizem que vai ter problema se subir o preço. São sete anos vivendo como se não houvesse inflação”, diz Luiz Carlos Fernandes Capelo, presidente do Sindicato dos Taxistas.
O total de taxistas autônomos na capital gira entre 38 mil e 40 mil atualmente. Segundo Capelo, muitos ficaram afastados durante a pandemia e nem todos voltaram ao volante ainda.
O momento, diz o dirigente, é duplamente favorável aos taxistas. Além do descontentamento dos motoristas de aplicativos, o final do ano é um período quente em deslocamentos. Basta passar por shoppings e hipermercados para conseguir uma corrida.
Diante da alta de custos, a Uber e 99 reajustaram a taxa paga a motoristas em setembro, mas poucos conseguem obter a tarifa máxima prometida.
“Conseguem pegar 10% [de alta], mas isso depende de horário, demanda e região. Não ouvi nenhum relato de motorista que tenha conseguido 30% de aumento”, afirma Eduardo Lima, presidente da Amasp (Associação dos Motoristas de Aplicativos de São Paulo).
Segundo ele, os motoristas “estão escolhendo demais” e não pegam mais corridas que não consideram justas. “As plataformas estão cobrando preços variáveis para os passageiros, mas também estão levando mais valor que o motorista”, diz. “O aumento do preço não vai diretamente para quem dirige.”
Uber e 99 confirmam o desequilíbrio de oferta em determinados momentos. Segundo a Uber, em horários de pico, há mais passageiros do que motoristas.
“Se nos meses iniciais da pandemia a demanda caiu abruptamente devido às orientações de isolamento social, depois as pessoas que antes não usavam a Uber no dia a dia passaram a optar pelo app”, destaca em nota.
“Com esse desequilíbrio temporário do mercado, também podem ocorrer com mais frequência tanto cancelamentos pelo usuário (que não deseja esperar mais tempo pela viagem) quanto recusa de viagens pelo motorista (que, pelo cenário de demanda em alta, pode presumir que haverá novos chamados de maior ganho na sequência, por exemplo)”, diz.
A empresa implementou o preço dinâmico diante do cenário e reforçou uma política de indicação, em que motoristas cadastrados ganham recompensa quando novos indicados realizam certo número de viagens.
Também lançou uma campanha com objetivos de viagens semanais para aumento de remuneração.
A 99 destaca que em períodos de alta demanda, os valores podem sofrer alterações, e que percebeu aumento significativo no volume de corridas nos últimos meses, impulsionado pela retomada das atividades nas cidades e pela adoção de carros por aplicativo pela classe C.
“Atenta aos efeitos da crise econômica global e o impacto dos preços dos combustíveis na atividade dos motoristas parceiros, a 99 investe esforços para manter o equilíbrio do marketplace e contribuir para manter os ganhos dos condutores”, afirma.
Acrescenta que lançou um pacote que prevê repasse integral do valor da corrida aos condutores em localidades e horários específicos, “o que já representou ganhos extras de mais de R$ 10 milhões para os motoristas”.
Destaca, também, que prevê um pagamento adicional para situações em que o motorista fica parado por muito tempo e que iniciou, em São Paulo, testes com concessão de kits de conversão de GNV com preços mais acessíveis aos motoristas da plataforma.
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