SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Três meses depois de retomar o poder no Afeganistão prometendo moderação e um regime diferente do quase medievalismo visto no final da década de 1990, o Talibã publicou no último domingo (21) um pacote de diretrizes para a mídia no país que mostra que a realidade guarda bastante distância do discurso.
A primeira regulamentação do setor desde que o grupo fundamentalista islâmico reassumiu o controle do país na prática afeta drasticamente o trabalho de mulheres em emissoras de televisão.
Segundo as novas regras, fica proibida a transmissão de dramas de TV que incluem atrizes -medida que mira, por exemplo, novelas produzidas na Turquia e na Índia, bastante populares em tempos e recentes e fundamentais para a renda de muitos canais.
O Talibã também vai passar a ordenar que jornalistas mulheres que apresentem notícias na TV se vistam com um hiyab. O termo em geral se refere ao véu islâmico que cobre o cabelo e o pescoço, deixando o rosto visível.
Embora a maioria das mulheres no Afeganistão já use vestimentas do tipo em público, a medida causou preocupação, já que, segundo ativistas ouvidas pela agência Reuters, como o padrão de hiyab não está especificado nas diretrizes, o termo pode ser considerado vago e interpretado de formas mais conservadoras.
Ao todo, o pacote estabelece nove medidas que, segundo o recém-reinstaurado Ministério da Promoção da Virtude e da Prevenção do Vício, visam coibir conteúdos que infrinjam os valores islâmicos ou afegãos.
As regras geraram críticas de jornalistas exilados e de organizações de direitos humanos. “Imagine como será a mídia com as novas diretrizes: um jornalista, um homem com uma barba espessa, lê sua reportagem e finaliza com elogios ao governo dos talibãs”, escreveu no Twitter Zaki Daryabi, diretor do Etilaat Roz, um dos principais jornais afegãos.
A organização internacional Human Rights Watch (HRW) afirmou que a liberdade de imprensa está se deteriorando no Afeganistão. “O desaparecimento de qualquer espaço para dissidência e o agravamento das restrições para as mulheres na mídia e nas artes é devastador”, disse Patricia Gossman, diretora associada para a Ásia da HRW, em um comunicado.
Na mesma linha, a Zan TV, primeira emissora de televisão afegã exclusivamente formada por produtores e repórteres mulheres, escreveu que as novas diretrizes “reduzirão a presença das mulheres jornalistas”.
As últimas declarações do Talibã contribuem ainda mais para a preocupação dos jornalistas afegãos. Também no domingo, Qari Abdul Sattar Saeed, secretário de imprensa do primeiro-ministro talibã, classificou a mídia como intermediária da “propaganda do inimigo”.
“Até agora, tivemos muita paciência, tolerando a maioria da propaganda espalhada para todo o mundo”, afirmou, acrescentando que os inimigos “devem ser tratados como merecem, com dureza”.
Durante seu primeiro governo, de 1996 a 2001, o Talibã proibiu a televisão e todas as formas de entretenimento que julgou imorais. Após sua derrota para tropas comandadas pelos EUA, o cenário midiático afegão cresceu e dezenas de emissoras de rádio e televisão se destacaram, com apoio do Ocidente.
Após o retorno dos talibãs ao poder, diversos veículos fecharam as portas, devido à fuga de seus jornalistas e ao fim da ajuda internacional e das receitas publicitárias.
O país tem sofrido também com ataques terroristas nas principais cidades do país. Desde que o grupo extremista retomou o controle de Cabul, atentados têm se multiplicado, muitos reivindicados pelo braço local do Estado Islâmico, rival do Talibã.
No último dia 13, seis pessoas morreram após uma bomba explodir em um micro-ônibus na área de Dasht-e-Barchi, povoada pela minoria étnica xiita hazara. Foi ao menos o sexto incidente do tipo em 40 dias.
O jornalista Hamid Seighani, que trabalhava para a rede de televisão Ariana, foi morto na explosão, informaram o Centro de Jornalistas Afegãos e sua mulher.
Nesta terça (23), o Departamento de Estado dos EUA anunciou que um representante do órgão viajará na semana que vem para Doha, no Qatar, para uma nova rodada de reuniões com os talibãs. Na pauta devem estar temas como contraterrorismo, economia e ajuda humanitária.
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