Mourão anunciou e tratou como existente intervenção militar na Amazônia que Bolsonaro desautorizou

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desautorizou uma intervenção militar na Amazônia que seu vice, Hamilton Mourão, anunciou e tratou como existente durante 45 dias.

Militares atuaram na região, apesar de inexistir um decreto presidencial respaldando uma operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem).

A Vice-Presidência e o Ministério da Defesa afirmam que a atuação das Forças Armadas se restringiu a ações de logística e inteligência, sem relação com GLO.

Mourão preside o Conselho Nacional da Amazônia Legal. O carro-chefe do colegiado até agora foi a execução de operações de GLO, em que as Forças são convocadas a atuar em áreas que fogem de sua atuação original de defesa.

No caso da Amazônia, os militares passaram a se sobrepor a agentes do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) na repressão a crimes ambientais em áreas conservadas.

A militarização do combate a ilícitos ambientais durou 16 dos 34 meses do governo Bolsonaro, custou R$ 550 milhões aos cofres públicos e não derrubou os índices de desmatamento da Amazônia, como a Folha mostrou em reportagem publicada no dia 24 de outubro.

Ao todo, foram três GLOs, cujos decretos presidenciais deram amparo legal a três operações de intervenção militar: Verde Brasil, Verde Brasil 2 e Samaúma.

Mourão anunciou e tratou como existente uma segunda fase da Samaúma, mas Bolsonaro não editou um decreto para prorrogá-la, como a Folha constatou.

Para prorrogar a Verde Brasil 2, por exemplo, que antecedeu a Samaúma e durou quase um ano, o presidente assinou novo decreto estabelecendo a extensão do prazo.

Na reunião do Conselho da Amazônia realizada em 24 de agosto, Mourão afirmou que “conversou com o ministro da Defesa [Walter Braga Netto] para que estenda a GLO [da Operação Samaúma], com os recursos que restaram, de modo que, quando os nossos negociadores chegarem a Glasgow para a COP26, em novembro, se tenham números positivos”.

Ao deixar a reunião, o vice-presidente deu uma entrevista de 20 minutos à imprensa. Ele disse: “Eu posso falar de antemão que a GLO vai ser estendida. Conversei com o ministro da Defesa hoje. O recurso inicialmente solicitado demorou a chegar, sobrou recurso, então nós temos condições de estender por mais 45 dias, que é um período crítico de queimadas na Amazônia”.

O prazo final da GLO que garantia a Samaúma, previsto em decreto de Bolsonaro, era 31 de agosto, uma semana depois da reunião do Conselho da Amazônia.

A operação teve início em 28 de junho. O presidente não assinou novo decreto para estender a GLO, como Mourão disse que ocorreria.

Passados os 45 dias citados, o vice-presidente foi questionado por jornalistas sobre o que seria uma nova prorrogação da intervenção militar na Amazônia. O questionamento ocorreu no dia 15 de outubro, na chegada de Mourão ao Palácio do Planalto, como usualmente é feito.

“A GLO da Operação Samaúma termina hoje?”, questionou um jornalista. “Termina”, respondeu o vice-presidente.

“E vão renovar?”, quis saber o repórter. “Não, sem renovação da GLO. O que foi acertado: as Forças Armadas continuam a prestar apoio logístico, de comunicações e de inteligência”, completou Mourão.

Na verdade, a GLO já tinha ficado pelo caminho a partir de 1º de setembro.

Segundo o vice-presidente, o Ministério do Meio Ambiente teve orçamento duplicado e “repassa o recurso necessário para o Ministério da Defesa”. “Coordenação feita dentro do grupo gestor e pronto, segue o baile.”

O próprio Mourão, porém, já havia dito em um programa de rádio que mantém em um veículo oficial do governo que a GLO não havia sido estendida. A Operação Samaúma custou R$ 50 milhões aos cofres públicos, conforme o vice-presidente.

Em nota, a Vice-Presidência da República afirmou que “efetivamente não houve prorrogação da GLO, exclusivamente por dificuldades de alocação de recursos financeiros específicos para tal”.

“As operações que ocorreram, e ainda em curso, estão sob o contexto do Plano Amazônia, onde órgãos de proteção ambiental e combate a ilícitos ambientais atuam em suas respectivas áreas de responsabilidade com apoio, se necessário, de elementos das Forças Armadas em inteligência, logística e segurança”, disse a nota.

O Ministério da Defesa, em nota, também confirmou que “não houve qualquer prorrogação” do prazo do decreto que garantiu a intervenção militar por meio de uma GLO.

“Não houve nenhuma ação, no contexto da Operação Samaúma, após o encerramento do prazo legal estabelecido pelo decreto”, afirmou.

“As Forças Armadas prestam, frequentemente, apoio logístico, de inteligência e de comunicações a diversos órgãos federais, em especial agências de proteção ambiental, nos termos da lei complementar nº 97, de 9 de junho de 1999.”

A ata detalhada da última reunião do Conselho da Amazônia registra o apelo de Mourão para que a GLO prosseguisse, de forma a assegurar “números positivos” na COP26 e demonstrar “claramente o comprometimento do Estado brasileiro (governo Bolsonaro) de resolver esse problema”.

A Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, a COP26, é realizada em Glasgow, no Reino Unido.

Mourão, que preside o Conselho Nacional da Amazônia Legal, foi excluído da possibilidade de chefiar a delegação brasileira na COP26, apesar de ter manifestado intenção nesse sentido.

O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, lidera os trabalhos. Ele ainda não viajou a Glasgow.

Na reunião do Conselho da Amazônia, o vice-presidente antecipou a evolução do dado consolidado do desmatamento da Amazônia, sistematizado pelo Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

O desmatamento entre agosto de 2020 e julho de 2021 teria sido 5% menor do que o registrado no ciclo anterior, segundo Mourão.

A perda de vegetação entre agosto de 2019 e julho de 2020, porém, foi de 10.851 km² de floresta, 7,1% a mais do que no ciclo anterior. Foi um recorde em 12 anos, conforme os dados do Inpe.

O mês seguinte ao fim da Samaúma, setembro, registrou um desmatamento de 1.224 km², uma área do tamanho da cidade do Rio de Janeiro, a pior marca para setembro em dez anos, segundo o sistema de alerta do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).

O acumulado de janeiro a setembro, período que envolve a Verde Brasil 2 e a Samaúma, chegou a 8.939 km², 39% a mais que no mesmo período em 2020 e o pior índice em dez anos, conforme os dados do Imazon.

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