Huawei é antiética e não confiável, diz embaixador interino dos EUA no Brasil

PAULA SOPRANA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A menos de um mês do leilão de 5G no Brasil, marcado para 4 de novembro, o governo americano volta a dizer que mantém preocupações com a chinesa Huawei, grande fornecedora de equipamentos para as operadoras brasileiras, e que trata-se de uma companhia antiética e não confiável por suposto roubo de propriedade intelectual.

A administração de Joe Biden mantém a mesma postura do governo de Donald Trump em relação à gigante de telecomunicações, no centro de uma disputa geopolítica entre os dois países. Segundo Douglas Koneff, encarregado interino de Negócios da Missão dos EUA no Brasil desde junho, “todos os países que querem proteger sua propriedade intelectual vão se preocupar com companhias não confiáveis”.
Trump acusava a Huawei de espionagem a favor do Partido Comunista chinês por meio de redes de telecomunicação. Assim como na gestão do republicano, vários funcionários da equipe de Biden são contrários à participação da empresa em negócios de parceiros comerciais.

“Acho que para um crescimento rápido e sustentável, o Brasil vai precisar dos melhores parceiros nessa área de tecnologia. Não queremos que o Brasil fique para trás”, disse Koneff em entrevista à Folha de S.Paulo.

Koneff participou, na semana passada, da inauguração de um complexo de conectividade dedicado ao 5G no CPQD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações), em Campinas (SP). O evento reuniu Fábio Faria, ministro das Comunicações, e representantes do governo e da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).

Procurada, a Huawei diz que está no Brasil há 23 anos, “sempre comprometida com a integridade, ética e os mais elevados padrões de governança corporativa”, que cibersegurança é tema essencial para a companhia e que possui centros transparência disponíveis para autoridades regulatórias.

Koneff afirma ter um diálogo aberto com o governo federal e que o desenvolvimento de uma rede privativa de 5G do governo (que não terá a Huawei como fornecedora) denota que há “preocupações sobre a segurança da comunicação”.

O americano também defende a tecnologia Open RAN (sigla para rede aberta de acesso por rádio), um conceito que trata da abertura de protocolos entre várias camadas do RAN (que é o link final entre uma rede e um telefone), como software e hardware.

Essa mudança, estudada no Brasil e implementada em alguns países, permite que a infraestrutura móvel tenha componentes de diferentes empresas. Também é uma maneira de alguns fabricantes estrangeiros, como dos Estados Unidos, participarem do mercado brasileiro de telecomunicações.
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PERGUNTA – Qual a sua avaliação sobre o leilão de 5G no Brasil?
DOUGLAS KONEFF – Acho que o governo brasileiro mostrou competência para se unir e realizar o leilão de 5G. Será o maior leilão de espectro do mundo neste ano. Então, parabéns ao governo brasileiro.

P. – Existe alguma perspectiva para o comércio bilateral com o leilão?
DK – O assunto 5G para mim é simples. Cada país quer proteger sua economia, seus gargalos e garantir que a comunicação seja segura para o seu povo. O 5G é transformador para todos os aspectos de nossas vidas, incluindo infraestrutura crítica como transporte, distribuição elétrica, saúde pública. É uma grande oportunidade para o Brasil usar essa tecnologia tão inovadora.

P. – No ano passado, os Estados Unidos alertaram o governo brasileiro sobre a Huawei; a presença dela no 5G poderia afetar a troca de inteligência entre os dois países. Qual a sua posição sobre isso?
DK – Os Estados Unidos continuam a ter fortes preocupações sobre o potencial papel da Huawei na infraestrutura de telecomunicações. Não somente no Brasil. Outros países também têm preocupações: Reino Unido, França, Suécia, Índia, Austrália, Canadá e Japão já chegaram à mesma conclusão.

P. – O governo Biden vai manter a mesma postura de Trump?
DK – Como mencionei, seguimos com forte preocupações, é uma companhia não confiável. Isso não vai mudar com a mudança de administração. Sobretudo, queremos uma arquitetura de 5G aberta.

P. – Se a Huawei participar da implementação das redes 5G, haverá algum tipo de retaliação dos Estados Unidos contra o Brasil?
DK – Ainda não sabemos como a Huawei vai ser incluída neste leilão, mas ela tem um histórico de comportamento antiético, ilegal e inadequado, incluindo roubo de propriedade intelectual. Então, eu acho que para um crescimento rápido e sustentável, o Brasil vai precisar dos melhores parceiros nessa área de tecnologia. Não queremos que o Brasil fique para trás. O Brasil pertence aos países mais avançados do mundo, protegendo seus dados para proteger seu futuro. Eu vi hoje que o Brasil está pensando no futuro, que o Brasil quer sistemas abertos, sistemas diversos com mais opções para seu povo.

P. – O governo americano tornou pública alguma prova contra a Huawei?
DK – Eles têm um comportamento antiético que está público.

P. – O edital do leilão não colocou nenhum impeditivo à empresa, mas ela não vai participar da construção da rede privativa do governo…
DK – O fato de o governo brasileiro querer desenvolver uma rede privativa significa que ele também tem preocupações sobre a segurança da comunicação, e entendemos que o Brasil tem que tomar as próprias decisões sobre esse assunto. Seria melhor perguntar o que o Brasil está arriscando ao ter fornecedores de alto risco

P. – Diante de suas conversas com o governo, como eles encaram a Huawei? Expressam preocupação?
DK – Acho que todos os países que querem proteger sua propriedade intelectual vão se preocupar com companhias não confiáveis.

P. – Você citou que os EUA querem uma arquietura aberta. Refere-se ao Open RAN?
DK – É um bom exemplo. Estive em Campinas [sexta, 8] para inauguração do laboratório de conectividade do CPqD, onde eles nos mostraram a capacidade e velocidade de 5G Open RAN a ser usada em áreas da cidade, rurais, no Amazonas, em aplicações para defesa, no agronegócio… Sem dúvida essa arquitetura Open RAN oferece a vantagem significativa para o Brasil e outros países, porque ela já está sendo testada, desenvolvida e implementada.

P. – Quais experiências os Estados Unidos têm com essa tecnologia? Poderia explicar melhor?
DK – Dish e Dell estão lançando uma rede 5G Open RAN nos Estados Unidos. A Dish lançará seu primeiro serviço em Las Vegas ainda neste ano. O Japão é um exemplo extraordinário de como o Open RAN está sendo implementado com bastante sucesso, eles estão entre as melhores redes do mundo. Há várias aplicações sobre internet das coisas, vai mudar nossa vida.

P. – A promoção do Open RAN não tira um pouco da propriedade das empresas que comprarem as frequências do leilão?
DK – Torna-se um sistema mais aberto, flexível e com mais opções, e com isso os custos ficam mais acessíveis, o que é muito importante.

P. – O que os Estados Unidos podem compartilhar com o Brasil diante da sua experiência com 5G?
DK – Temos grande confiança no governo brasileiro para implementar o leilão de 5G. Eles têm muita experiência. Estive com o ministro [Fabio] Faria, também com o presidente da Anatel, Leonardo Euler, e pessoas de alta capacidade. Temos confiança de que Brasil vai implementar o leilão de maneira muito boa, e está pensando no futuro.
Durante o evento em Campinas, o ministro Fábio Faria disse que o Brasil tem tudo para ser exportador de soluções 5G, e eu acho que o 5G Open RAN é o caminho para o Brasil, porque tem uma arquitetura aberta, flexível, robusta, diversa e que vai usar vários fornecedores, não vai depender de só um vendedor e, especialmente, de vendedores não confiáveis.

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