Aos 72 anos, José Antônio Rabaça não esperava mais viver situações inesperadas em sua vida. Já tinha viajado pelo mundo como atleta e técnico de atletismo. Mas, como todos, foi surpreendido pela pandemia neste ano. Mais do que isso: sofreu na pele os efeitos da covid-19 e correu risco de morte. Tudo isso longe da família e do seu País ao longo de 21 dias internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em Lisboa, durante a chamada Missão Europa, iniciativa do Comitê Olímpico do Brasil (COB) para levar atletas brasileiros para treinar em Portugal, país dos menos afetados pelo novo coronavírus no Velho Continente.
Dois meses depois da internação, Rabaça ainda sente os efeitos da nova doença sobre o seu corpo. E relembra com detalhes das agruras vividas em solo português. “Estava tão mal que não conseguia ficar sentado. Foram dias muito difíceis, mal mexia os meus membros. Sentia dores no corpo todinho, uma sensação horrível”, recordou, em entrevista ao Estadão. “Era difícil até pensar linearmente, era tudo confuso na minha cabeça.”
Leia Também: Morre José Luiz Carbone, ex-técnico e jogador com passagem pela seleção
O treinador, ligado à Confederação Brasileira de Atletismo, viveu estes dias difíceis entre o fim de setembro e o início de outubro. A covid atingiu cerca de 75% dos seus pulmões. “A medida que ficava no hospital, apareciam novos sintomas: febre alta, dor de cabeça, dor de garganta…” Como chegou a Portugal com teste negativo, Rabaça acredita que contraiu o vírus na viagem ou já no país europeu.
Leia Também: Retrospectiva esportes: protagonismo do futebol muda de mãos no Brasil
Ele voltou ao Brasil no dia 13 de outubro, mas o novo coronavírus segue em sua vida. Além de ter perdido 14kg, Rabaça enfrenta dificuldades inesperadas em sua recuperação. “Nem sequer eu andava. Tive que reaprender a andar”, diz o técnico de atletismo, acostumado a orientar seus pupilos do salto em altura.
Com ajuda de fisioterapia diária até hoje, Rabaça reaprendeu a andar e também a dar conta de atividades simples do cotidiano. “Quando voltei para São Paulo, quem me dava banho era meu filho e meu netinho. Eu não conseguia ficar sozinho debaixo do chuveiro. Agora consigo. Fazia tudo por etapas. Me enxugava à prestação. Hoje estou conseguindo enxugar até o pé”, diz, satisfeito com sua evolução.
Rabaça mora com sua esposa e estava acostumado a dividir as tarefas de casa com ela. “Hoje já consigo lavar e enxugar a louça. Estou vencendo as inseguranças. Mas ainda é difícil”, aponta, ainda tentando retomar o “antigo normal”. “Quando eu quero fazer algo, minha memória antiga funciona e tento fazer rápido, como fazia antes. Mas não tenho aquela capacidade ainda, percebo a diferença. Tenho que fazer tudo com cuidado.”
A infecção foi superada há dois meses, porém os sintomas ainda aparecem de forma surpreendente. Para conceder esta entrevista por telefone, por exemplo, o treinador avisou que estava deitado na cama.
“É algo novo para mim falar assim com você, como estou fazendo agora. Até há uns quatro ou cinco dias, eu não conseguia falar por muito tempo. Minha voz ia sumindo. O cansaço ia batendo”, diz Rabaça. “Não sei o que ocorre, de vez em quando tenho uma queda violenta na respiração. Dá falta de ar, é como se fosse um lapso de tempo, parece que tudo para. Tenho um cansaço monstruoso.”
Mesmo longe do hospital, o técnico segue recebendo amparo médico. Dois médicos ligados ao COB o visitam quase diariamente. Ele também tome remédios e, ao mesmo tempo, tenta retomar as atividades físicas. “Antes eu fazia bicicleta e caminhava de 1h30min a 2h por dia. Agora tudo é mais suave. Comecei com 10min de caminhada, agora consigo andar por 40min. Antes eu tremia muito, tinha desequilíbrio muito grande.”
De hábitos saudáveis, Rabaça tem o famoso histórico de atleta. Mas daqueles que viviam do esporte mesmo. “Dizer que éramos profissionais era um exagero, naquela época não havia essas coisas. Mas eu disputei competições sul-americanas, Pan-Americanos. Só não fui para a Olimpíada”, recorda o treinador, que disputava a prova dos 400 metros.
Apesar das limitações atuais, ele segue o sonho olímpico, desta vez como mentor. E sem ganhar nada por isso. “Sou aposentado, então faço esse trabalho como voluntário. Ainda tenho o sonho. Se eu me aposentar, eu morro mais cedo. Pretendo treinar e colocar o Fernando na Olimpíada.” Fernando Ferreira é uma das apostas o salto em altura do Brasil. E tem boas chances de obter o índice para defender as cores do país nos Jogos Olímpicos de Tóquio, adiados para 2021.
APRENDIZADOS – Ferreira era o motivo de Rabaça viajar para Lisboa na Missão Europa. Por causa da covid-19, praticamente não treinaram em solo português. Apesar de não cumprir a tarefa e correr sério risco de morte, o treinador faz uma avaliação surpreendente sobre a viagem. Foram tantos os aprendizados, diz ele, que considera “a melhor viagem da minha vida”.
Rabaça diz que aprendeu a controlar a ansiedade e a solidão, afinal foram 21 dias em isolamento total. O atendimento e o apoio recebido tantos dos médicos locais quanto dos companheiros de viagem, entre atletas e equipes de outras modalidades, ficarão para sempre em sua memória. “A comunidade foi muito simpática e acolhedora. Mesmo depois, por Whatsapp, tive contatos agora com amigos e pessoas que conheci e pessoas com quem eu não conversava há mais de 30 anos.”
O treinador diz que a experiência de ter sobrevivido ao coronavírus mudou até sua personalidade. “Antes eu era muito calado, agora virei um Forrest Gump”, diz, em referência ao filme protagonizado pelo ator americano Tom Hanks. “Virei falante”, afirma, bem-humorado, ao fim de uma entrevista de quase uma hora de duração.
Notícias ao Minuto Brasil – Esporte