Na pior crise hídrica da história do País, o governo não divulga um indicador que determine se e quando um racionamento de energia deve ser iniciado. Cálculos sobre as chances de ocorrer uma falta de eletricidade, que eram publicados mensalmente, deixaram de ser informados no início da gestão Bolsonaro. Esse dado, que avalia a situação de suprimento para vários cenários de chuvas, continua a ser calculado, mas deixou de ser o principal instrumento para a tomada de decisões sobre a necessidade ou não de um racionamento, afirma o Ministério de Minas e Energia (MME).
O ministro Bento Albuquerque afirma publicamente que o governo não trabalha com a hipótese de um racionamento de energia, mas o setor privado avalia que a situação não é confortável. Maior consultoria de energia do País, a PSR vê piora na situação de suprimento de energia e calcula que o risco de haver racionamento no segundo semestre varia de 10% a 40% entre setembro e novembro, dependendo do crescimento da demanda.
Historicamente, o governo sempre divulgou o “risco de déficit” após as reuniões mensais do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), grupo coordenado pelo MME. Desde janeiro de 2019, o dado deixou de ser publicado. Esse indicador era separado por regiões e avaliava a situação de suprimento com base na série histórica de informações climáticas utilizadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), de 91 anos. O risco também era apresentado para uma amostra de 2 mil cenários artificiais a partir do histórico e que reproduzem secas mais severas que as ocorridas.
“O mundo busca parametrizações para a tomada de decisão. Utilizamos termômetro para monitorar febre, e a partir de 37,5 graus é recomendado o uso de analgésico. Utilizamos o Value at Risk (VaR) para dizer quando um portfólio financeiro deve ou não ser desfeito no setor financeiro”, compara o professor do Departamento de Engenharia Elétrica do CTC da PUC-Rio Alexandre Street. “Por que não temos um índice de monitoramento da situação do abastecimento energético para saber se devemos ou não decretar um racionamento? Não faltam metodologias. Bastam boa vontade e um pouco de organização institucional.”
O Estadão/Broadcast questionou o MME oficialmente sobre qual é a métrica utilizada para decretar um racionamento, já que o risco de déficit, apesar de ainda ser calculado, não serviria mais como parâmetro, de acordo com a própria pasta. “Não existe uma métrica definida. Mas, sim, uma análise multifatorial que leva em consideração a perspectiva de consumo e de chuvas para os próximos meses. Essa análise é realizada mensalmente pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) com base nos cenários apresentados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS)”, disse a pasta.
Já o ONS disse que “não há métrica consolidada no setor elétrico brasileiro que possa ser usada para decretar o início e o fim de um racionamento de energia”.
Medidas
A relação entre o aumento do risco de déficit e a ocorrência de apagões é clara. Em janeiro de 2015, um dos piores meses do passado recente devido ao baixo nível dos reservatórios, recordes de consumo de energia e calor intenso, o risco de racionamento chegou a bater em 4,39% no Sudeste/Centro-Oeste, considerando a série histórica, e em 7,3% na série feita por simulações. Foi naquele mesmo mês de janeiro de 2015 que o País registrou um pico de consumo às 14h30 do dia 20, que deixou 10 Estados e o Distrito Federal sem energia por mais de uma hora, desligando, inclusive, linhas de metrô da capital paulista. O limite na época era de 5%, ou seja, o governo era obrigado a adotar medidas adicionais para assegurar o suprimento se o histórico de chuvas – e os cenários artificiais criados a partir delas – mostrasse chances de faltar energia em mais de 5% deles.
Para Luiz Barroso, presidente da PSR, diversas ações podem diminuir o risco de até 40% de chances de racionamento, como bônus financeiro para quem poupar energia, flexibilização dos usos múltiplos e volumes mínimos dos reservatórios de hidrelétricas – ou seja, usar a água primordialmente para geração de energia, atendendo a ponta do consumo -, além da entrada em operação de novas usinas.
O maior risco, segundo ele, é o de o sistema operar no limite nos horários de maior demanda, no início da tarde. A avaliação é de que as medidas mitigatórias em andamento não resolvem o problema da ponta. Barroso explica que a vazão – quantidade de água que chega aos reservatórios das hidrelétricas – tem piorado de forma acentuada, o que aumenta o risco de faltar energia nas próximas semanas. “Se o Sul piorar, ele não só deixa de ajudar o Sudeste como pode precisar de ajuda, o que piora a situação do abastecimento em todo o País.” A consultoria assumiu um crescimento no consumo de 7,8% neste ano, em relação a 2020 – e, mais especificamente, de 9% entre agosto e dezembro.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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