BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A quebra de patentes de vacinas contra a Covid esbarra em resistência da gestão Jair Bolsonaro e da indústria farmacêutica. Na avaliação de integrantes do governo e empresários, a medida não resolveria o problema a curto prazo.
O Senado aprovou nesta quarta (11) projeto de lei que permite a quebra temporária de patentes de vacinas contra a Covid-19, de medicamentos e de testes de diagnóstico.
De acordo com as regras da proposta, em casos de emergência nacional ou internacional em saúde o governo publicará lista de patentes ou de pedidos de patente de produtos potencialmente necessários ao enfrentamento da situação.
A aprovação do projeto foi mal recebida no Ministério da Economia. Para o secretário especial de Produtividade e Competitividade, Carlos da Costa, a medida é nociva ao país e aos consumidores.
Na avaliação do secretário, a lei poderá trazer efeito contrário ao esperado pelos legisladores, acabando por dificultar a produção e a compra desses itens pelo Brasil.
Para ele, o maior gargalo nessa área não é a existência das patentes internacionais. Os detentores desses direitos estão abertos a licenciar os produtos, mas o problema está na transferência de tecnologia entre países, um processo demorado.
“Sem o apoio de quem tem a patente, demora mais ainda. Com quebra de patentes, não apenas poderá demorar muito mais como também traz insegurança jurídica. Ou seja, posterga a entrada dos medicamentos, prejudica o consumidor e prejudica nossa imagem no exterior”, disse à reportagem.
O secretário afirmou que a pasta ainda está avaliando o texto aprovado pelo Congresso para decidir sobre eventual pedido de veto a Bolsonaro.
Há resistência também no Ministério da Saúde. O próprio ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, manifestou-se contra a quebra das patentes das vacinas em depoimento à CPI da Covid, no Senado.
“Tenho receio de que essa medida possa prejudicar o rito de entregas de vacinas ao Brasil, mas é um tema que a OMS [Organização Mundial da Saúde] também discute.”
Apesar dos entraves, fontes ligadas à área da saúde dizem que, no caso específico das vacinas contra a Covid-19, a quebra pode ser positiva para a entrada de novos imunizantes com as tecnologias já aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Países com experiência na produção de vacinas, como a Índia, poderia entrar com a produção no país e desenvolver uma vacina tipo mRNA (RNA mensageiro), como a produzida pela Pfizer.
No entanto, há a avaliação entre integrantes do governo Bolsonaro de que a legislação aprovada pelo Congresso contraria o ordenamento jurídico internacional, além de ser de difícil aplicação.
O chanceler Carlos França tentou apresentar argumentos ao Congresso para defender que regras atuais já preveem possibilidades de licenciamento compulsório. Os apelos, no entanto, foram ignorados.
Em um primeiro momento, dizem interlocutores, a nova lei não deve mudar a posição do Brasil no debate sobre quebra de patentes que ocorre na OMC (Organização Mundial do Comércio).
No órgão internacional, uma iniciativa lançada por África do Sul e Índia apoia uma moratória em patentes de insumos de combate à Covid, mas existe forte resistência de países desenvolvidos.
Tradicionalmente contra a flexibilização de direitos de propriedade intelectual, os Estados Unidos chegaram anunciar apoio a medidas de licenciamento compulsório. No entanto, diplomatas americanos não têm se esforçado em fazer o tema avançar em negociações multilaterais.
Na frente externa, o Brasil é contra a quebra de patentes. Interlocutores dizem que, ao menos em um primeiro momento, a posição do país deve ser mantida.
No entanto, essas fontes admitem que a aprovação da lei no Congresso pode ser usada como argumento de governos que buscam engrossar a lista de apoiadores da quebra de patentes.
O argumento de negociadores brasileiros é que no momento o apoio do Brasil à quebra de patentes não resolveria o problema imediato de falta de vacinas em diversas partes do mundo. Poderia, ainda, ser contraproducente.
O diagnóstico é que a insuficiência de imunizantes em diversas partes do mundo se deve à falta de capacidade produtiva, e não aos direitos de propriedade intelectual.
Para a indústria farmacêutica, a quebra de patente não é a melhor solução para o país. Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindusfarma (sindicato do setor), se posiciona contra a medida.
Para ele, a quebra de patentes pode prejudicar a introdução de novas tecnologias no país. Isso geraria insegurança para o desenvolvedor que investe bilhões e demora anos para chegar a uma vacina ou um medicamento.
“A partir do momento que abra essa fenda [quebra da patente] pode passar qualquer coisa e gera insegurança. A indústria pode pensar duas, três vezes antes de vir para o Brasil”, afirmou Mussolini.
Na sua avaliação, a suspensão dos direitos de propriedade intelectual não levaria a uma ampliação imediata da oferta de vacinas no mundo. A transferência de tecnologia seria mais eficaz e provavelmente mais rápida.
Reginaldo Arcuri, presidente-executivo do Grupo FarmaBrasil (associação do setor), avalia que o fato de quebrar uma patente não quer dizer que o país vá produzir a vacina ou algum medicamento no dia seguinte.
“É complicado de fazer, a patente não é uma receita de bolo como muitas pessoas pensam. Ela descreve o que foi inventado, o processo de construção, mas não é detalhado.”
O relator do projeto no Senado, Nelsinho Trad (PSD-MS), demonstrou pessimismo com a sanção.
“Se olhar o painel de votação, há um indicativo forte de que o governo pode vetar o projeto. Flávio Bolsonaro, Eduardo Gomes, todos do governo votaram contra”, disse. A medida foi aprovada com 61 votos contra 13.
Na avaliação do senador, que é próximo ao Planalto, se o governo optar por vetar a medida, a probabilidade de o veto ser derrubado no Congresso é grande.
A articulação do Planalto ainda não discutiu com as lideranças no Parlamento como deve proceder no caso.
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