SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A declaração do ministro Milton Ribeiro (Educação) de que as universidades deveriam ser para poucos é lamentável, limitada e reforça estereótipos ultrapassados sobre a educação profissionalizante, diz Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho.
A entidade presta apoio à implementação de políticas de ensino profissional e tecnológico. A modalidade, por muito tempo, teve no país o estigma de ser voltada aos mais pobres.
Agora, ganha uma oportunidade de avançar com o novo ensino médio, que começa a ser implantado no ano que vem. Se bem implementado, ele possibilitará aos jovens seguir itinerários escolares de acordo com os seus interesses, o que inclui a educação profissional.
Em entrevista na noite de segunda-feira (9), Ribeiro colocou a modalidade como uma opção oposta ao ensino superior -ignorando, entre outros fatores, que cursos técnicos podem ser tanto de nível médio como superior.
“Com todo o respeito que tenho aos motoristas, é uma profissão muito digna, mas tem muito engenheiro, muito advogado dirigindo Uber porque não consegue colocação devida. Mas se ele fosse um técnico em informática estaria empregado, porque há uma demanda muito grande”, disse o ministro.
A frase, para Ana, reflete uma mentalidade atrasada e vai contra todo o movimento de busca por equidade na educação brasileira. “Ao dizer que a universidade não é para todos, nunca são os brancos e ricos que se sentem ameaçados e excluídos.”
Para ela, o Ministério da Educação de Jair Bolsonaro vai no caminho contrário ao das mudanças no mundo do trabalho a esse ao se omitir de apoiar os estados na implementação do novo ensino médio.
À Folha de S.Paulo ela comenta também o modelo alemão, elogiado por Ribeiro, e comenta por que tem engenheiro e advogado dirigindo Uber.
PERGUNTA – O que achou da fala do ministro?
ANA INOUE – É lamentável que o ministro reforce esse estereótipo de que o ensino superior deve ser para poucos e crie uma cisão com o ensino técnico, quando estamos no momento em que a formação para o mundo profissional precisa ser constante sempre. Mesmo o médico que faz a Faculdade de Medicina da USP, uma das mais prestigiadas do Brasil, depois de seis anos de faculdade terá que continuar se formando porque o mundo traz pandemia, Covid, vacina, novos remédios etc. Essa ideia de que tem uma formação com começo, meio e fim não existe mais. A formação das pessoas vai acontecer ao longo da vida por muitas formas.
P. – Como isso se articula com a educação profissional?
AI – A perspectiva do século 21 é de formação contínua, e o ensino técnico deve ser entendido como parte do desenvolvimento inicial das pessoas. Daqui a 20 anos serão os jovens de hoje que vão estar cuidando do país, da democracia, da educação, da Amazônia. Então temos que pensar qual é a formação necessária. Não é ou universidade ou ensino técnico, tem que ser diversa. E não pode excluir uma parte da população. Isso vai na contramão de todo o movimento que estamos tendo hoje, de buscar mais equidade. Vale dizer que a desigualdade no Brasil tem cor. Ao dizer que a universidade não é para todos, nunca são os brancos e ricos que se sentem ameaçados e excluídos.
É claro que em lugar nenhum do mundo existe a ideia de que todo mundo tem que se formar no ensino superior nessa concepção de produção de conhecimento, pesquisa e tudo mais. É preciso sim dar acesso a todos que queiram isso, mas na maioria dos países tem várias outras formas de ajudar as pessoas a se desenvolverem profissionalmente.
P. – Como o Brasil está preparado para isso?
AI – O modelo do Brasil é um modelo empobrecido. Tem o ensino superior, que acolhe cerca de 20% dos jovens, e cerca de 11% que estão no ensino técnico (e parte deles vão para o superior), mas não temos uma política de desenvolvimento profissional. Não podemos alimentar a ideia do século passado de que ou você trabalha ou se desenvolve intelectualmente, a gente precisa aliar as duas coisas. Para ser um técnico de big data, por exemplo, é preciso saber história, geografia e ciências sociais para saber no que aplicar.
P. – E como anda a política federal para o ensino profissionalizante?
AI – Estamos em um momento muito especial. Todos os estados do Brasil estão discutindo seus currículos de ensino médio, pensando como vão trazer a formação para o mundo do trabalho. O MEC poderia estar ajudando os estados a se organizar, mas está ausente dessa discussão. Por isso que é lamentável o ministro ter essa visão limitada.
O ministro citou a Alemanha como exemplo, como avalia a experiência do país com o ensino profissional?
Há muitos exemplos excelentes no mundo, mas nenhum pode ser replicado exatamente para o Brasil. São países menores, que não têm a desigualdade e o tamanho do Brasil. Não tem como pensar uma solução da Alemanha que funcione para o estado do Amazonas, que tem 6.000 comunidades que não são acessíveis por terra.
A Alemanha tem associações dos setores produtivos que valorizam enormemente a formação profissional dentro da empresa e tem toda uma legislação para isso. É possível extrair alguns elementos [para replicar], mas é algo limitado. E a Alemanha fez um sistema muito rígido, de dificuldade de o jovem escolher o que vai fazer e de separação do ensino técnico do superior, que está sendo revisto.
P. – Por que no Brasil há essa ideia de que o ensino técnico é para pobre?
AI – Porque quando tinha o fordismo [sistema de produção em massa, em linhas gerais], era desejável que tivesse gente que fizesse coisa sem pensar, e muitos cursos técnicos se formaram nessa linha. Mas hoje não cabe mais isso.
P. – E por que, como o ministro disse, tem engenheiro e advogado dirigindo carro de aplicativo?
AI – Há uma ideia de que o ensino superior vai sozinho oferecer uma perspectiva de desenvolvimento profissional, quando o mundo do trabalho envolve formação, requalificação e o que aquilo que o mundo está precisando. É por isso que os estados agora, muito responsavelmente, estão olhando como vão planejar a oferta dos cursos técnicos, quais cursos serão, de forma, em diálogo com o setor produtivo.
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