Embate entre gerações leva à discussão na internet sobre termo ‘cringe’

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Millennials ou Geração Z? A Internet virou palco, na última semana, de um embate entre duas gerações em torno de hábitos como tomar café da manhã, vestir calças skinny, usar Facebook e falar termos como “boleto”. No centro da disputa está a palavra “cringe”, sinônimo de mico ou “vergonha alheia”.

De um lado, os millennials, pessoas nascidas entre os anos de 1981 e 1995, e que mantêm, em sua maioria, os hábitos citados acima. Do outro, a Geração Z, formada por jovens nascidos de 1996 a 2010, e que classificam tudo isso como cringe. Listas e testes surgiram para determinar de que lado você está.

A disputa, que já rendeu uma porção de memes, começou com um tuíte da estudante de psicologia e criadora de conteúdo Carol Rocha, 33, conhecida também como @tchulim, que perguntava o que os jovens da Geração Z achavam cringe nos millennials. “O cringe é o que nós achávamos cafona dos nossos pais”, compara, em entrevista à reportagem.

A ideia de fazer o tuíte, segundo ela, surgiu da reflexão sobre o público de seu podcast, “Imagina Juntas”. Ela, que é millennial, afirma que sempre pesquisou sobre gerações e que, apesar de seu programa focar nos millennials, ela queria ouvir o público da Geração Z. “Queria saber o que eles achavam tão vergonhoso”, diz.

A palavra cringe já estabelecia o conflito entre os grupos. O termo em inglês, apesar de existir há certo tempo e constar em dicionário, teve uma explosão em seu uso recentemente. Seu significado, que inclui vergonha e constrangimento, é usado agora, de maneira geral como “vergonha alheia”.

O cantor Ritchie, 69, chegou a viralizar ao tentar explicar o termo. “Cringe é um verbo inglês, não um adjetivo. Dizer que fulano é cringe não faz sentido algum. No máximo, poderia se dizer que fulano é ‘cringeworthy’ (digno de desgosto, asco ou desprezo). De nada”, escreveu no Twitter o artista que ficou conhecido pelo sucesso “Menina Veneno” (1983).

Para a mestre em Comunicação e Semiótica Renata Bianchi, 45, não foi à toa que essa movimentação e o choque surgiram inicialmente do uso de uma palavra. “São linguagens e falamos de como as tribos se encontram da melhor forma”, explica a integrante da Geração X, formada pelos nascidos de 1965 a 1980.
“Quando minha mãe falava de um cara que era lindo, ela chamava de broto”, relembra, “eu já falo que ele é lindo”. Até a palavra shippar mostra a evolução das gerações, “o shippar vem da era do chip, o chip conecta”, explica, “isso acontece por causa do mundo imerso de tecnologia que a Geração Z está.”

Fernanda Teles, 23, estudante de jornalismo e Geração Z, conta que já conhecia a palavra, mas nunca havia usado. “Vi a galera usando muito essa palavra no Twitter e acabei entendendo o que ela significava, mas não era do meu vocabulário”.

“Me senti extremamente velha e desconectada da minha própria geração”, afirma sobre a atual disputa de gerações, apesar de sempre ter se considerado parte da Geração Z por sua relação com a Internet e com as redes sociais. Durante a pandemia, ela aderiu ao TikTok (@fefateles) e já tem 17 mil seguidores.

“Quando eu vi essas listas, pensei: ‘não estou mais na minha própria geração?'”, completa Teles. Para a estudante, achar cringe atitudes como tomar café da manhã, amar filmes da Disney e gostar de astrologia tem mais a ver com o estilo de vida do que com a questão geracional.

Carol Rocha explica ser natural ter pessoas que se sintam perdidas em sua geração. “Temos as entre-gerações, que ficam em um limbo. Entre os millennials e a Geração Z tem os Zenialls”, comenta sobre as pessoas que são classificadas como Z, mas se identifica com alguns costumes da geração anterior.

Segundo o psicólogo e professor no Instituto de Psicologia da USP, Rogério Lerner, 49, o conflito de gerações é comum em toda a história da humanidade e acontece devido às renovações naturais do mundo. “Esse embate tem a função de testar o grau de adaptação daqueles que estiverem em conflito.”

O estudante e Geração Z Rodrigo Gonçalves Queijo, 20, diz que, assim como Teles, não se sentiu identificado totalmente com as críticas, apesar de concordar com algumas. “Eles falam que é cringe ler livros, porque a geração atual lê Kindle. Mas eu não tenho Kindle, então como ler livros pode ser cringe?”, brinca.

Para ele, o embate é natural e esperado por serem gerações que conflitam na forma de se expressar, já que os millennials são conhecidos por sempre questionarem e a Geração Z por expor sua opinião. Já o tamanho da polêmica é resultado da crítica a coisas consideradas essenciais para um dos grupos e, claro, por causa da internet.

“É natural que essa crise geracional aconteça no ambiente da Internet”, explica a criadora de conteúdo Carol Rocha, que classifica o embate como uma briga pelo território na web. Ela também atribui isso à pandemia, dado que agora, com as medidas de isolamento social, “estamos vivendo pela Internet”.

CONFRONTOS GERACIONAIS

Para Lerner, a tensão entre gerações sempre existe, dado que “a segurança das figuras de apego originárias, passa a conviver com uma espécie de impulso por romper com esses laços originais para buscar figuras de apego secundárias”. E esse embate entre gerações se dá em especial na cultura.

Rocha comenta que as gerações populacionais são delimitadas em uma média entre 14 e 15 anos, e atualmente o que mais diferencia uma da outra é a relação com a Internet. Os millennials (1980-1994) acompanharam o surgimento e a Geração Z (1995-2010) já nasceu inserida neste meio da tecnologia, chamados nascidos digitais.

“Temos ainda os ‘pré-internet’, os boomers”, explica a estudante de psicologia. Ela comenta que o embate de gerações continua acontecendo e já é possível de ser vista na Geração Alpha. “Tenho um filho de 6 anos”, comenta, “ele mexe no iPad desde que era bem pequenininho, para ele realmente não existe o universo sem ter tecnologia.”

Lerner diz que esse confronto geracional não é necessariamente ruim, “em alguma medida isso alimenta a nossa cultura, a meu ver, o que preocupa é quando começa a escapar a capacidade de simbolização e transformação cultural.”

Bianchi diz que as gerações, ou “tribos”, gostam de ter suas características, objetivos e propósitos bem demarcados. “Entre as gerações uma sempre se ressente porque está ficando mais velha”, complementa. A mestre em Comunicação e Semiótica estabeleceu algumas características gerais das quatro últimas gerações:

Baby boomers (1945 a 1964): São os nascidos no pós-guerra. Bianchi afirma que “são aquelas pessoas que ficavam 30 anos na mesma empresa”, já que como sua infância e juventude não foram fáceis, cresceram buscando por estabilidade, tanto na vida financeira quanto amorosa.

Geração X (1965 a 1980): Filhos dos boomers, eles julgavam a geração anterior como chatos e até antiquados. A Geração X busca acumular dinheiro mais rápido para poder curtir a vida, trabalhando assim freneticamente até os 50 anos. “Trocamos a vida pessoal pela profissional.”

Millennials ou Geração Y (1981 a 1995): Essa geração olhou para trás e pensou: “nossa, esse modelo está totalmente errado!”. Bianchi explica que os millennials não querem viver em função de dinheiro, mas sim, viver com um trabalho feliz e com um propósito. Eles viram a chegada da Internet e aprenderam a usar, sendo chamados de “imigrantes digitais”.

Geração Z (1996 a 2010): Enxergam as outras gerações como modelos que realmente não querem seguir. Para Bianchi, a principal diferença é que a Geração Z “recebe informação do mundo inteiro, o tempo todo, em segundos”. Os nativos dessa geração almejam chegar no topo mais rápido, e vêm mais preparados para enfrentar qualquer concorrência que possa aparecer.

Ela conta que, além da esfera da cultura, esse embate se reflete também no mundo corporativo porque as gerações mais novas aceitam muito mais a diversidade e usam isso para serem mais criativos. “As gerações não querem copiar aquilo que deu errado”, explica, “hoje o mundo é muito melhor.”

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