Após os anúncios dos Estados Unidos, de que doaria 500 milhões de doses de vacinas, e da União Europeia, prometendo 100 milhões, nesta sexta (11) chegou a vez do Reino Unido. O primeiro-ministro Boris Johnson anunciou a doação de outras 100 milhões de doses. No total, o G7 -fórum de nações industrializadas que está reunido até domingo- deve enviar 1 bilhão de doses para cerca de 100 países de baixa renda, até o final de 2022.
Para entidades do setor, porém, é muito pouco e tarde demais. A OMS (Organização Mundial da Saúde) calcula em 11 bilhões o número de doses necessárias para imunizar 70% das pessoas no mundo e diz que a vacinação tem que se acelerar para reduzir a chance de novas mutações do Sars-Cov-2. Se, como não cansam de repetir políticos e ativistas, “ninguém está seguro enquanto todos não estiverem seguros”, o número de doses oferecidas pelo G7 mal dá para começar.
Nos cálculos do especialista em vacinas Peter Hotez, professor do Baylor College of Medicine (EUA), só para proteger a África, continente mais atrasado no acesso a imunizantes, seriam necessários 2,2 bilhões de dose (até esta semana, só 2,9% da população africana recebeu ao menos uma injeção). Outro 1,3 bilhão seria preciso para a América Latina e mais 1 bilhão para o sudeste asiático. A oferta do G7 preenche menos de um quarto dessa lacuna.
Ao comentar o anúncio britânico feito nesta manhã, O Unicef também afirmou que volume e a velocidade das doações precisa crescer. Segundo a diretora da seção britânica do fundo para infância da ONU, Joanna Rea, o consórcio Covax -que centraliza a compra e a entrega de imunizantes a mais de 100 países- precisa com urgência de 190 milhões de doses para os grupos mais vulneráveis.
Há países que estão longe de completar a vacinação de idosos e profissionais de saúde e, das quase 2,3 bilhões de vacinas já aplicadas no mundo, só 0,3% foi dado em nações de baixa renda -os países do G7, que têm 10% da população mundial, consumiram um quarto delas.
Para a Save the Children, outro problema é o prazo da oferta do G7 -1 bilhão é a quantidade de doses que precisaria ser entregue até setembro deste ano, diz a entidade. Além disso, um comunicado de cerca de 100 grandes entidades não governamentais britânicas pede US$ 66 bilhões (R$ 336 bi) para garantir a logística de distribuição e a aplicação dessas vacinas.
Isso é ainda mais importante no caso da doação americana, porque as vacinas usam uma tecnologia mais complexa e precisam ficar ultracongeladas até o momento de ser usada -uma estrutura que os países mais pobres não têm.
O uso do G7 como palco para o anúncio de suas doações também expôs a diferença de estratégia entre os Estados Unidos e a União Europeia. Enquanto o primeiro segurou exportações para antes imunizar a maioria de sua população, a Europa foi uma das principais exportadoras do mundo, com 270 milhões de doses, mas ficou atrás em suas campanhas de vacinação: aplicou 54 doses por 100 habitantes, contra 65 dos norte-americanos.
A “economia política” das doações também é bastante distinta. Ao anunciar sua oferta nesta quinta (10), Biden fez questão de dizer que elas estavam sendo compradas pelo governo americano, de uma empresa americana, que fabrica em território americano e dá emprego a americanos. De quebra, colocou-se como alternativa mais “amigável” à China, ressaltando que suas vacinas serão doadas “sem contrapartida”.
A União Europeia, por sua vez, pegou a trilha multilateral em maio do ano passado, quando nem existiam ainda vacinas viáveis, copatrocinando o consórcio Covax, que centraliza a compra e a distribuição de imunizantes. Até esta semana, quase 3 bilhões de euros (R$ 18,6 bi) foram doados à Covax pela UE, além dos 100 milhões de doses anunciados durante a reunião do G7.
Somados os recursos dos membros da UE, no total o bloco europeu repassou quase 16 bilhões de euros (R$ 99,1 bi) a ações globais de distribuição de testes, tratamentos e vacinas. Dos grandes atores mundiais, a União Europeia e seus principais países foram até agora os mais ativos no G7, mas o caminho que escolheu dificulta o faturamento político desse esforço.
Além disso, se a via multilateral tem vantagens -de ganho de escala e foco nos mais pobres-, sua governança é mais complicada e pode acabar sendo menos eficiente. A Covax tem a meta de distribuir 2 bilhões de doses até o fim deste ano, mas até esta semana só havia enviado 81 milhões -só os EUA já aplicaram internamente quase o quádruplo de injeções.
O consórcio concentrou suas encomendas na AstraZeneca, o que faz sentido quando se quer fazer mais com menos recursos para alcançar mais gente nos países subdesenvolvidos -o imunizante é mais barato e mais simples de armazenar e distribuir que o da Pfizer, doado por Biden. Mas, por vários motivos, a fabricante só entregou apenas 30 milhões das mais de 200 milhões de doses que já deveriam estar disponíveis. Como resultado, a Covax só entregou 81 milhões de doses a 129 países, o equivalente a 1% da população desses países.
É aí que entra a discussão sobre como garantir a produção de vacinas -engasgada por falta de matéria-prima e de capacidade de produção- e acelerá-la. Uma proposta, apresentada por Índia e África do Sul e endossada pelos Estados Unidos, pela França e pelo Parlamento Europeu, é suspender as patentes dos imunizantes para que países em desenvolvimento possam fabricá-las. Segundo cálculos da ONG Oxfam, se os laboratórios renunciassem a seus direitos de propriedade intelectual, o custo de vacinar países em desenvolvimento cairia de US$ 80 bilhões para US$ 6,5 bilhões (de R$ 407 bi para R$ 33 bi).
A Comissão Europeia, no entanto, resiste a essa ideia sob o argumento de que os gargalos que restringem a fabricação são outros: falta de matéria-prima, estrutura e know how. O Executivo da UE pretende levar um projeto alternativo detalhado para ser discutido na OMC (Organização Mundial do Comércio), mas as decisões da entidade são tomadas por consenso, o que exige tempo para negociação.
A expectativa é que algum anúncio sobre direitos de propriedade intelectual seja feito até novembro, um tempo longo demais para especialistas em imunização. “Na taxa atual de vacinação, levaria 57 anos para os países pobres alcançarem o mesmo nível de proteção que os do G7”, afirmou a Oxfam. Além da propriedade intelectual, outras áreas em que as potências do G7 poderiam colaborar são o o comércio de suprimentos e embalagens.
Na noite desta sexta, os líderes tinham jantar marcado com a rainha Elizabeth 2ª, os príncipes Charles e William e suas mulheres, Camilla e Kate. O Projeto Éden, onde acontece o encontro, é um centro ambiental, tema prioritário de Charles, 72. Em uma reunião separada com o G7, o príncipe e executivos de grandes companhias que integram a Iniciativa de Mercados Sustentáveis, para discutir ações coordenadas entre setores público e privado no combate às mudanças climáticas.
O jantar com o G7 será o primeiro encontro da rainha com líderes estrangeiros desde o início da pandemia, no final de 2019. Aos 95 anos de idade, ela perdeu há dois meses seu marido, o príncipe Philip, com quem ficou casada por 73 anos. Ele completaria 100 anos nesta quinta (10).
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