O acordo anunciado pelos ministros das Finanças dos países do G7 em torno de dois pilares sobre a tributação da renda de grandes multinacionais é visto por especialistas como diretrizes para as discussões sobre a reforma tributária no Brasil.
Os benefícios para o país das duas medidas, que tratam de novas regras sobre onde os impostos devem ser pagos e de uma alíquota mínima global sobre lucros, no entanto, ainda geram dúvidas, diante da falta de definição sobre os detalhes da sua aplicação.
Em sua reunião mais recente, os ministros das Finanças do G7 concordaram com reformas que farão com que as grandes multinacionais paguem parte dos impostos nos países em que fazem negócios. Também acordaram trabalhar por uma alíquota mínima global de pelo menos 15% para o imposto de renda corporativo.
As medidas devem atingir grandes empresas e Big Techs, classificadas com base na margem de lucro e no faturamento (EUR 750 milhões ou cerca de R$ 4,5 bilhões/ano).
O tema ainda será debatido entre os países do G20 e também no fórum que reúne quase 140 países, incluindo o Brasil, na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
O advogado Thiago de Mattos Marques, do escritório Bichara Advogados, afirma que a alíquota mínima do imposto de renda corporativo é importante para combater abusos, tanto por parte das empresas como de alguns governos, mas vê riscos à soberania dos países, principalmente em desenvolvimento, em relação às suas políticas de atração de investimentos e empresas.
Por isso, em sua avaliação, o consenso obtido entre os países do G7 não será o mesmo no âmbito do G20 nem das nações que fazem parte do grupo que debate o tema na OCDE.
Marques cita como exemplo um país que queira atrair farmacêuticas para a produção de vacinas neste momento e que teria restrição para aplicar o benefício tributário.
“Para nós, que não estamos no G7, essa não é uma medida contra abuso, é uma medida que pode inviabilizar políticas extremamente legítimas”, afirma.
Sobre a proposta de atribuir um percentual da tributação do lucro ao país onde ocorreu determinada venda do produto ou serviço, ele diz que também não haveria grandes vantagens arrecadatórias para países em desenvolvimento.
Marques destaca ainda que as discussões internacionais mostram que um imposto sobre transações financeiras não seria o caminho para tributar a economia digital. Pelo contrário, a ideia do G7 é substituir a chamada “digital tax” de alguns países europeus pela alíquota mínima global.
Já para a advogada Lisa Worcman, sócia da área de Tecnologia, Inovação e Negócios Digitais do escritório Mattos Filho, uma alíquota mínima de 15% reduziria a atratividade de paraísos fiscais em relação ao Brasil, onde a tributação do lucro alcança 34%.
Em termos de arrecadação, a advogada afirma que o Brasil já tem uma carga tributária elevada sobre as empresas e também sobre remessas para o exterior.
“Existe uma lenda de que essas empresas de tecnologia não pagam tributos no Brasil, mas isso não é verdade. Todos os gigantes de tecnologia estão estabelecidos aqui e estão sujeitos a tributação corporativa em bases altíssimas, como todos os contribuintes brasileiros”, afirma.
Para ela, o debate nesses fóruns internacionais mostra que o Brasil deve seguir com uma reforma tributária que reduza o imposto corporativo para um patamar mais próximo da alíquota mínima global.
Também deveria deixar de lado propostas de criação de impostos digitais sobre lucro. “Existe uma indicação de que o ‘digital services tax’ não é a maneira correta de tributar essas empresas da economia digital”, afirma.
Frederico Bastos, sócio do escritório BVZ Advogados e pesquisador do Núcleo de Tributação do Insper, afirma que as propostas citadas no acordo do G7 não têm grande impacto para o Brasil, que já tributa empresas multinacionais e big techs com uma alíquota maior que 15%. Sobre as múltis brasileiras, diz que poucas seriam enquadradas nos valores de faturamento para gerar arrecadação extra relevante.
“O Brasil não é um país que deixa de arrecadar com as atividades dessas multinacionais e empresas de tecnologia”, afirma.
“Todas têm subsidiárias aqui, e os resultados são tributados normalmente por Imposto de Renda, PIS/Cofins, ISS etc. E se uma empresa vai fazer uma remessa para o exterior e declara que isso é royaltie, vai pagar 25% de imposto”, afirma.
Sobre a impossibilidade de estabelecer políticas setoriais de incentivo, Bastos afirma que é possível que a cobrança da diferença de alíquotas se aplique apenas a países que utilizam o benefício fiscal do Imposto de Renda sobre as empresas de maneira ampla, e não como exceção.
Para ele, as discussões também devem levar o Brasil a reavaliar as alíquotas da tributação das empresas, dentro das discussões da reforma tributária.
Rodrigo Spada, presidente da Febrafite (Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais), afirma que a questão da tributação mínima interessa apenas aos países-sede de grandes corporações, que poderão cobrar a diferença entre os 15% e aquilo que é recolhido no país com tributação reduzida.
Já a distribuição da arrecadação com base no local onde são feitos os negócios ajudaria a direcionar uma parte maior dos lucros para países em desenvolvimento.
“O G7 impõe uma lógica que favorece as grandes potências. O segundo pilar [imposto mínimo] interessa muito pouco ao Brasil. É mais uma medida que acentua as desigualdades. Mas ter o pilar 1 [distribuição dos recursos] favoreceria os mercados consumidores.”
A OCDE calcula que as estratégias das grandes empresas para pagar menos impostos geram uma perda global de arrecadação de 4% a 10% do imposto de renda corporativo.
Relatório divulgado pelo Observatório Fiscal da União Europeia estima que o potencial de receita de um imposto mínimo de 15% sobre os lucros das multinacionais de 35 países poderia gerar uma receita extra de EUR 120 bilhões (R$ 743 bilhões).
Desse valor, 40% ficaria com países da União Europeia e 34% com os Estados Unidos. O Brasil teria EUR 942 milhões de arrecadação extra (quase R$ 6 bilhões ou cerca de 5% do IRPJ).
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