Um programa de capacitação e mudança de protocolos em maternidades públicas, realizado em parceria com instituições privadas, reduziu em 57% a taxa de mortalidade materna em 19 hospitais, apontam dados dos serviços de saúde.
O projeto Redução de Mortalidade Materna, da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein com a farmacêutica MSD, foi realizado entre 2018 e 2021 em sete estados. O braço filantrópico do hospital paulistano contou ainda com a participação do Institute for Healthcare Improvement, dos EUA.
Segundo dados do Ministério da Saúde, morreram 71.122 mães de causas relacionadas ao parto ou à gestação, até 42 dias depois do término da gravidez (seja ela levada a termo ou terminada antes, por causa de aborto provocado ou espontâneo).
Iniciado antes da pandemia, o programa é focado em outras causas de morte materna, não relacionadas à Covid-19. As principais são a sepse, a hipertensão e a hemorragia.
De acordo com dados de 2017, o Brasil possui uma taxa de mortalidade materna alta, com 60 óbitos a cada 100 mil nascimentos. O país figura em 88 lugar na lista de países com maior índice desse tipo de morte, empatado com o Quirguistão. Na Noruega, por exemplo, a taxa é de duas mortes. Nem precisa ir tão longe: o Chile, o melhor colocado da América do Sul, tem 13 mortes de mães a cada 100 mil bebês.
A ideia do projeto surgiu a partir do encontro de duas iniciativas, a MSD Para Mães, que a multinacional criou em 2011 e que atua globalmente, e os profissionais do Einstein, que já trabalhavam no programa Parto Adequado, iniciativa que visava reduzir os índices de cesárea no Brasil.
“A mortalidade materna deixa um legado terrível, porque se o bebê nasce e a mãe morre você quebra todo o ciclo da família”, diz o diretor de relações governamentais da MSD no país, Guilherme Leser. “Ele não é só um problema da mortalidade da mãe, ele tem um impacto gigante nas gerações e perpetua o ciclo da pobreza.”
“A ideia era ‘como fazer algo que possa impactar a rotina dos hospitais que não sejam dependentes de investimentos financeiros?'”, diz.
A solução foi testar o impacto de mudanças nas rotinas das equipes de saúde das unidades no total de mortes. “A gente tem uma metodologia específica, baseada em quatro pilares”, diz Rômulo Negrini, coordenador médico da maternidade do Einstein.
São eles: o treinamento de equipes e a simulação de situações, a introdução de protocolos de atendimento, a revisão do mapa das salas do hospital para adequação do fluxo e a capacitação das diretorias dos hospitais parceiros.
O primeiro e o segundo são importantes para que equipes saibam de cabeça como agir rapidamente na chegada de uma paciente grave. O terceiro, afirma Negrini, visa dar celeridade aos atendimentos.
“Se você tem uma paciente que depois do parto tem hemorragia, você precisa levá-la ao centro cirúrgico e para isso você tem que passar por quatro portas que podem estar trancadas, por exemplo, esse não é o melhor fluxo de atendimento possível.”
O último é o que determina se o programa dará ou não certo naquele local. “Se a liderança não entender o porquê, não vale a pena”, diz.
Nem todas as maternidades atendem gestantes com situações de risco. Por isso, o projeto piloto foi realizado no Hospital Agamenon Magalhães, no Recife, que desde 2015 participava do Parto Adequado. “A gente chegou a ter meses com cinco mortes”, diz a diretora do hospital, Cláudia Miranda. “Agora, passamos até 60 dias sem ter um caso.”
No caso do Agamenon, que recebe gestantes de alto risco de todo o estado de Pernambuco, a redução de mortalidade foi de 54%. “Nós identificamos que uma fragilidade nossa era a sepse, então o trabalho foi principalmente voltado para isso”, diz a médica Carol Pordeus, uma das líderes do programa no hospital.
Para combater as mortes por infecção, ela diz, é preciso agir o mais rápido possível. Por isso, o foco da estratégia do piloto foi a implementação do MEOWS (Modified Early Obstetric Warning System), uma metodologia de identificação precoce de sinais de agravamento da saúde da gestante ou puérpera.
Uma nota é atribuída desde a triagem à mulher com base em sinais vitais como temperatura, pressão e ritmo respiratório. Caso a nota indique que pode haver uma infecção, a equipe de enfermagem atua de forma independente, sem precisar da presença de um médico.
“Nós somos um hospital público e, como todos deste país, temos problemas. Esse protocolo faz com que a enfermagem não precise esperar o médico que pode estar em outro atendimento para realizar o procedimento de primeira hora”, afirma Pordeus.
No Agamenon, por exemplo, foi feito um rastreamento de quais bactérias são mais comuns no hospital e se há antibióticos que podem ser administrados pelas enfermeiras na ausência de um médico -que, então, avalia as pacientes para uma eventual mudança de conduta. “A nossa última morte por sepse foi em junho de 2019”, diz Miranda.
Passada a primeira fase do programa, agora o hospital se dedica à atualização de protocolos de combate à hemorragia, como a aplicação de ocitocina de rotina após partos vaginais e cesáreas e a identificação precoce da quantidade de sangue perdido pela paciente.
Na segunda fase, finalizada em 2021, o projeto atuou em outros 18 hospitais, como a Santa Casa do Pará, em Belém; o Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros, em São Paulo; o Hospital Regional Adamastor Teixeira de Oliveira, em Rondônia, e o Hospital e Maternidade Dra. Zilda Arns, em Fortaleza. Maternidades mineiras e fluminenses também participaram.
No total, a redução de mortalidade materna foi de 83% nos casos de hemorragia, 70% nos de sepse e 8% nos de hipertensão.
O Brasil tem como meta reduzir a taxa de mortalidade materna para 30 óbitos por 100 mil nascimentos até 2030. Agora, a terceira fase do projeto foca na capacitação de profissionais em serviços de atenção básica, como UPAs e UBS. “A gente notou que isso poderia prevenir o agravamento do quadro da mulher que depois chega às maternidades já correndo risco de vida”, diz Negrini.
Outra preocupação da equipe, afirma o médico, foi de realizar treinamentos de sensibilização racial com as equipes das unidades. “A maioria das pessoas se consideram sem racismo, mas quando você começa a mostrar dados de que as mulheres negras têm mais complicações, você percebe que tem algo estrutural”, afirma.
Os dados do Ministério da Saúde apontam que, das mortes maternas em 2020, 40.871 foram de mulheres pretas ou pardas -ou seja, 57% do total. “É preciso se despir desse racismo estrutural para dar equidade de tratamento.”
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