Entenda por que as variantes que têm surgido não são tão diferentes

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A cada semana surgem notícias de uma nova variante do vírus surgindo em alguma cidade ou país.

A mais recente foi a P.4, encontrada pela primeira vez em Mococa, no interior do estado de São Paulo, e já presente em outros municípios da região, como Porto Ferreira.

Essas variantes, embora geograficamente distintas, parecem ser muito mais semelhantes entre si, o que pode indicar um fenômeno chamado convergência evolutiva.

Em geral, a convergência é quando a mesma característica aparece em grupos não relacionados entre si, indicando, de modo geral, a adaptação a ambientes similares.

No caso do coronavírus, essa convergência aponta para uma adaptação do vírus, que se torna mais forte, levando a casos mais graves da doença e com maior capacidade de infectar até mesmo indivíduos que já contraíram a doença no passado.

O coronavírus Sars-CoV-2 é um vírus de RNA envolto por uma capa de proteína e gordura, com proteínas na superfície em formato de espículas (proteína S do Spike), que dão a ele a aparência de uma coroa -daí o nome, coronavírus.

Seu genoma (sequência de letras que formam a molécula de RNA) é formado por cerca de 30.000 letras, ou nucleotídeos.

As novas formas do vírus podem aparecer quando uma ou mais mutações surgem em sua sequência genética, alterando sua estrutura, sua capacidade de transmissão ou o seu comportamento de fuga de anticorpos neutralizantes. As mutações são como erros de cópia que ocorrem quando o vírus replica seu material genético dentro das células infectadas.

A partir daí, surgem as variantes do vírus, em evolução constante.

As mutações são, na maioria das vezes, aleatórias, mas pressões ambientais podem levar algumas delas a prevalecerem na população, como quando essa mudança no padrão confere alguma vantagem adaptativa à nova forma.

Durante a pandemia, novas ondas surgiram em vários países em todo o mundo. A alta circulação do vírus e o elevado número de casos atuam como um gatilho para o surgimento dessas mutações.

Assim, ao longo do tempo, diversas variantes do coronavírus surgiram e desapareceram. Aquelas que se mantêm dominantes em uma população constituem as chamadas linhagens.

Em artigo publicado no último dia 1? de junho na prestigiosa revista científica Nature, pesquisadores britânicos mapearam a frequência de certas mutações em algumas regiões do vírus e sua associação com “ganho ecológico” do Sars-CoV-2, tornando-o mais transmissível ou ainda capaz de escapar de anticorpos.

Eles viram que as pressões seletivas que tornam as mutações mais vantajosas, como possibilitarem maior capacidade de transmissão ao vírus, também aparecem em populações onde grande número de pessoas possui anticorpos contra a forma ancestral do vírus ou em pacientes que fazem uso de anticorpos monoclonais.

Essas mutações são, em sua maioria, na região de ligação com o receptor, chamada de RBD, mesma região que contém a proteína S. Como o Sars-CoV-2 usa a proteína S para invadir as células, é natural que um maior número de mutações ocorra nessa região do vírus.

Em pelo menos três linhagens distintas conhecidas até aqui -a variante que surgiu na Inglaterra, em outubro de 2020 (B.1.1.7), a sul-africana (B.1.351) e a brasileira ou de Manaus (P.1)-, o vírus sofreu mutação em uma mesma região dessa proteína, a posição N501Y.

Outras mutações que têm surgido com frequência nas linhagens do vírus são nas posições E484K -presente nas variantes B.1.351, P.1 e P.2–, K417N e D614G -a primeira mutação a ocorrer em uma linhagem do vírus da China que se espalhou rapidamente e hoje é encontrada em quase todas as linhagens no mundo.

A posição E484K preocupa por estar ligada a um escape imunológico, isto é, na presença desta mutação, os anticorpos neutralizantes capazes de bloquear a entrada do vírus na célula, impedindo sua infecção, não conseguem fazer a ligação, e o vírus consegue “fugir” do sistema imune.

Uma ação similar é a da mutação L452R, que foi identificada em uma variante encontrada no sul da Califórnia (CAL.20C), na indiana (B.1.617 e suas três sublinhagens) e na P.4, e consegue escapar da ação dos anticorpos monoclonais, como os que são utilizados para tratamento de pacientes em estado grave.

Recentemente, pesquisadores identificaram uma possível nova variante na região metropolitana de Belo Horizonte contendo 18 mutações distintas -duas delas na proteína S.

A suspeita surgiu após a verificação da presença de dois genomas com a mesma sequência genética de pacientes não relacionados entre si e de áreas distantes geograficamente -indicando uma possível origem e circulação dessa nova cepa.

E os números de novas mutações que essas variantes carregam também têm aumentado. Recentemente, foi descoberta uma nova variante na Tanzânia, chamada A.VOI.V2, com 31 mutações no total, 11 delas na proteína Spike.

Conforme aumentam as variantes em circulação, é preciso também aumentar a vigilância genômica, justamente para identificar e monitorar essas novas formas, como qual a sua frequência e como elas têm se comportado -se são variantes importadas ou não.

“Temos visto que essas novas variantes têm de 16 a até 22 mutações, o que é muito maior do que encontrávamos anteriormente de uma linhagem para outra”, explica Fernando Spilki, coordenador da Rede Corona-ômica e professor da Universidade Feevale.

“Isso pode ser reflexo de muito espaço para a circulação do vírus e o mais importante é pensar onde estão surgindo essas mutações e tentar entender a partir de estudos qual o significado dessas mutações.”

IMPACTO NAS VACINAS

Além do potencial impacto do ponto de vista de saúde pública, os cientistas têm buscado entender qual o impacto das novas variantes nas vacinas em uso contra a Covid-19.

Até o momento, a variante britânica não parece causar impacto potencial nas vacinas. A da África do Sul, quando testada contra o soro de indivíduos vacinados com as vacinas da Pfizer e da Moderna, diminuiu significativamente o nível de anticorpos presentes no sangue. Os anticorpos são apenas uma forma de resposta imune, e é preciso ainda investigar melhor o possível impacto da variante nessas vacinas.

Estudos clínicos feitos na África do Sul com as vacinas da Novavax e da Janssen (Johnson & Johnson) apontaram para uma redução na eficácia de seus imunizantes quando testadas naquele país, embora no caso da Janssen ela ainda tenha mantido uma boa proteção contra casos graves (73%).

Recentemente, pesquisadores da Universidade de Oxford e da AstraZeneca divulgaram que sua vacina não é eficaz contra a variante sul-africana.

Já em relação às variantes brasileiras P.1 e P.2, em um estudo com o soro de indivíduos vacinados com as vacinas da Pfizer e Moderna houve redução nos anticorpos neutralizantes, embora em uma proporção menor do que o observado para a B.1.351. A vacina da Janssen, que também foi testada na América Latina, não teve uma redução de sua eficácia, indicando proteção contra as variantes P.1 e P.2

A vacina Coronavac se mostrou eficaz contra a variante P.1 em um estudo conduzido em Manaus, no estado do Amazonas, onde ela é dominante. A pesquisa contou com 67.718 profissionais da área da saúde que receberam o imunizante.

É importante conhecer as áreas do vírus que mais sofrem mutações, assim as produtoras de vacinas podem atualizar suas vacinas, caso elas não se mostrem eficazes contra uma nova cepa. É assim que ocorre, todos os anos, a atualização da vacina contra o vírus da gripe.

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