O México está cerrando a marcação em seus aeroportos e barrando mais brasileiros que tentam entrar no país. De janeiro a abril deste ano, 1.846 viajantes desta nacionalidade tiveram sua entrada negada em aeroportos mexicanos, ou 2,3% do total dos visitantes. É quatro vezes o número das rejeições no mesmo período em 2020 e também em 2019, no pré-pandemia. O Brasil é o terceiro país de origem com mais inadmitidos, atrás do Equador e da Colômbia.
Autoridades que lidam com o tema e deram entrevista sob a condição de anonimato dizem que há subnotificação, já que nem todos os casos são repassados, e que historicamente a proporção é de repatriação de 0,4% do total de turistas brasileiros. Neste ano, apenas em um dia, 8 de abril, foram ao menos 78 inadmitidos, mais do que as ocorrências de todo o mês de março de 2020.
O alerta sobre o tema foi dado pela Polícia Federal de Minas Gerais, que fez uma nota afirmando ter constatado um “aumento da recusa de entrada de brasileiros pelas autoridades mexicanas nos procedimentos de imigração dos aeroportos”. Segundo o texto, o objetivo do governo mexicano é impedir a entrada de pessoas que queiram atravessar a fronteira terrestre e entrar nos EUA de forma irregular, e as pessoas barradas possuem “alerta migratório” contra elas.
O Itamaraty disse que percebeu a tendência de aumento e que o tema é prioritário para a embaixada brasileira.
Enquanto esperam pela repatriação dentro do aeroporto, os viajantes reclamam de maus-tratos por parte dos policiais, condições precárias de alojamento e impossibilidade de se comunicar com familiares. Segundo as queixas deles, os mexicanos estão dispensando aos imigrantes o mesmo tratamento discriminatório que muitos de seus cidadãos recebem ao atravessar a fronteira dos Estados Unidos.
A Folha teve acesso a um vídeo feito por um dos brasileiros detidos em maio no aeroporto da Cidade do México. Ele não quis dar entrevista, mas contou que conseguiu esconder o celular antes que fosse apreendido –os aparelhos são confiscados durante a espera pelo voo de repatriação.
As imagens mostram um local com beliches muito próximas umas das outras, cheio de homens deitados, a maioria sem máscara. Segundo o jornal espanhol El País, a instalação é conhecida pelos turistas latino-americanos como “cela”, “calabouço” ou “quartinho”.
“Se alguém tivesse Covid ali dentro ia contaminar todo mundo”, diz o jogador de futebol Matheus Barboza, 23, que ficou detido por 24 horas nesse mesmo lugar. “Tinha umas 60 pessoas dentro da sala, umas 40 eram brasileiras. Não dormíamos porque toda hora abriam a porta para colocar mais alguém lá dentro, parecia um presídio. Não nos deixaram telefonar para ninguém, tiraram nossos celulares, relógios, malas, tudo. Foi uma situação constrangedora.”
Matheus afirma que viajou ao México para jogar futebol em um time local. Disse que levou o contrato de trabalho e o teste de Covid negativo e que os agentes pediram que ele abrisse suas redes sociais. “Mostrei fotos minhas jogando futebol, quiseram ver minhas conversas com minha mãe, minha namorada”, conta.
Ele acredita que foi barrado por não ter passagem de volta, mas diz que não tinha porque iria ficar para trabalhar no país. Diz também que nunca esteve nos EUA.
Os brasileiros Janaína e Ulysses Rodrigues também foram barrados pelas autoridades mexicanas, que alegaram que ele não podia entrar por ser uma “ameaça migratória”. Segundo o casal, eles moram em Londres há dez anos, vieram ao Brasil visitar a família e fariam uma parada em Cancún antes de voltar para a Europa.
“Queríamos fechar a viagem com chave de ouro. Mostramos a reserva do hotel, que tínhamos pago à vista, R$ 10 mil, mas eles não deixaram explicar, não queriam nem saber”, diz Janaína, 34, que calcula ter tido um prejuízo de ao menos R$ 15 mil.
Ela conta que foi colocada em uma sala diferente da do marido, onde havia cerca de 30 pessoas amontoadas, dez delas do Brasil. “O lugar era um lixo. Trataram a gente super mal, nos deixavam com fome, mal tinha água para tomar. Se uma criança chorava, eles mandavam calar a boca.”
Uma das brasileiras, segundo ela, estava com um filho com autismo chorando muito e começou a passar mal. “Outra menina teve que gritar com os guardas para que deixassem o marido entrar na sala.”
Ulysses, 37, acredita que foi barrado por ter tido um visto para os EUA negado em 2015, segundo ele. “Mas estávamos com malas de 23 kg, mais bagagem de mão e mochila. Não tinha como olhar para nós e achar que iríamos atravessar [a fronteira]”, diz Janaína.
Não são só os brasileiros que viraram alvo. Outros países latino-americanos notaram o mesmo incremento nas repatriações nos primeiros meses deste ano. Em março, o governo da Colômbia manifestou formalmente ao México sua preocupação pelas “reiteradas inadmissões” e pelas supostas violações de direitos humanos no tratamento dos colombianos que aguardam o voo de volta.
Desde fevereiro, um grupo de embaixadas e consulados de países latino-americanos, incluindo o Brasil, fez reuniões com autoridades mexicanas para pedir um melhor tratamento a seus cidadãos inadmitidos no aeroporto.
A tônica da discussão foi que, apesar de o México ter soberania para decidir quem entra em seu território, deve respeitar as leis e tratar com dignidade os viajantes barrados. Também foi pedido que o México notifique os governos dos casos de cidadãos barrados e que permita ligações telefônicas dessas pessoas para um familiar e para o consulado.
Em meados de março, o responsável pelo departamento de migração do aeroporto da Cidade do México foi trocado. Apesar de o número de pessoas vetadas ter continuado elevado, depois disso foram registradas menos reclamações oficiais de maus-tratos por parte dos brasileiros.
O Brasil proibiu voos para o México do começo da pandemia até julho do ano passado. Mesmo com a retomada da rota, o número de voos diminuiu consideravelmente devido à menor demanda.
Neste ano, a procura voltou a aumentar. De janeiro a abril de 2021, mais de 79 mil brasileiros viajaram para o México, segundo a embaixada do país. A média do ano todo, na pré-pandemia, ficava em torno de 350 mil. Por não exigir visto e por ser um dos poucos países abertos neste momento a voos saindo do Brasil, o México tem sido um dos locais preferidos por turistas brasileiros que precisam fazer quarentena em outro país antes de voar para os EUA ou para outros destinos da Europa e da Ásia.
Mas a retomada dos voos também tem levado ao México mais migrantes que querem tentar a sorte de atravessar a fronteira dos EUA sem visto. Muitos são atraídos pelo fim do mandato do presidente republicano Donald Trump, que tinha uma forte bandeira anti-imigração e foi derrotado pelo democrata Joe Biden.
Os EUA têm acordos com o México para tratar da questão migratória de maneira conjunta e, desde sua posse, Biden tem negociado para que o país vizinho reforce o controle da entrada de migrantes que se dirigem à fronteira.
Em março, o governo mexicano concordou em mandar 10 mil agentes de segurança até a fronteira para deter os imigrantes. Em troca, os EUA prometeram enviar vacinas contra Covid para os mexicanos e investir em programas humanitários e econômicos na região para enfrentar as causas sistêmicas que levam as pessoas a migrarem.
Escolhida por Biden para tratar do tema em seu governo, a vice-presidente americana, Kamala Harris –ela própria filha de imigrantes–, reuniu-se virtualmente com o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, no último dia 7 e marcou de ir ao país vizinho em junho.
Pelas leis mexicanas, irregularidades migratórias não são crime, e os repatriados teoricamente não têm impedimento de voltar ao país. Mas, na prática, pode haver maior dificuldade numa futura viagem.
Em nota, o Itamaraty afirmou que o consulado brasileiro está em contato permanente com autoridades mexicanas para garantir “tratamento justo e digno a nossos nacionais”. No site do Itamaraty, há um aviso de que entrar informalmente nos EUA, a partir do México, “é uma prática delituosa nos dois países e extremamente perigosa” e que a “travessia representa sério risco de vida para os envolvidos”.
Em nota enviada à Folha, o cônsul mexicano Vicente Flores afirmou que as autoridades mexicanas podem negar a entrada de viajantes quando houver inconsistências na documentação apresentada ou quando os motivos da viagem não forem comprovados adequadamente.
“Muitos dos viajantes de nacionalidade brasileira chegaram ao México nos últimos meses com a intenção de fazer a quarentena necessária antes de viajar para os EUA, alguns dos quais tentaram cruzar para aquele país através da fronteira norte do México, às vezes sem ter visto daquele país”, completou, acrescentando que o fluxo de brasileiros cresceu muito neste primeiro semestre e que os casos de inadmissibilidade representam um percentual pequeno do total.
“Apesar da atual contingência de saúde devido à pandemia de Covid-19, o México mantém uma política de portas abertas para viajantes de todo o mundo, incluídos numerosos turistas brasileiros.”
Coiotes fazem promessas falsas de fronteiras abertas
A crise econômica decorrente da pandemia e a derrota do republicano Donald Trump para o democrata Joe Biden na eleição presidencial de 2020 levaram a uma explosão da imigração irregular para os EUA. O número de detenções na fronteira com o México em 2021 já é o maior em 20 anos.
Em Governador Valadares (MG), conhecido polo de emigração de brasileiros para os EUA, o movimento de saída é grande. Ali do lado, Sobrália, uma minúscula cidade de cerca de 5.000 habitantes que tem a maior proporção do país de emigrantes em relação à população, todo mês sai “uma carroça de gente, uns 20 pelo menos”, conta um morador.
Segundo a Polícia Federal de Minas Gerais, coiotes –criminosos que cobram até US$ 20 mil (R$ 104 mil) para levar imigrantes –têm feito até palestras prometendo, falsamente, que as fronteiras estão abertas depois da posse de Biden. Apesar de algumas flexibilizações terem sido feitas, as restrições à entrada de quem não tem visto seguem em vigor.
“Só é possível cruzar os pontos de fronteira terrestre em casos excepcionais. Tentativas de travessia irregular apresentam gravíssimos riscos para a segurança e a vida das pessoas envolvidas”, diz uma nota da PF, divulgada em abril. Outro sinal de alerta para os policiais foi o aumento no número de passaportes solicitados em Minas Gerais –de janeiro para abril, a procura cresceu 77%.
Para César Rossatto, professor da Universidade do Texas e cônsul honorário do Brasil, a fronteira é “como um termômetro que mede a temperatura das tensões sociais dos distintos países”. “Agora, estão chegando muitos haitianos, equatorianos, brasileiros”, diz. “Ninguém quer abandonar tudo, vender casa, carro, pagar caro e arriscar a vida se a coisa não está feia. A pandemia deixou milhões na miséria na América Latina.”
O número de crianças que chegam desacompanhadas também é recorde. Só em março, foram 19 mil. Elas chegam traumatizadas da travessia e sofrem também nos abrigos onde são instaladas. “Cheguei a chorar ao ouvir as histórias delas. Teve um de nove anos que chegou no meio da pandemia, conseguimos que não fosse deportado”, diz Rossatto.
Para muitos, o sonho americano não termina bem. Além das prisões e deportações, eles estão sujeitos a sequestros, extorsões, abusos sexuais e outras violências por parte dos coiotes mexicanos, muitos ligados a cartéis de drogas.
Uma parte morre durante a travessia no deserto ou no rio Grande. O consulado do Brasil no México divulgou um aviso em abril dizendo que tem sido procurado por vários familiares de brasileiros que desapareceram ao tentar atravessar a fronteira. Há cinco meses, um goiano de 36 anos morreu ao bater a cabeça no chão após pular o muro entre os dois países. “O muro de ferro, de 15 metros, não consegue barrar a imigração. Estou vendo aqui coisas que nunca vi na vida”, diz Rossatto. “As pessoas estão no desespero total. E isso vai piorar nos próximos meses.”
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