PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – A auxiliar de serviços gerais Márcia Elisa Rodrigues, 43, se emociona ao lembrar da enchente em Porto Alegre, em 2024, quando precisou ficar quase um mês fora de casa. Moradora há dez anos de uma vila em Navegantes, ela tinha trazido a mãe, Noeli, 83, de São Borja para morar no mesmo terreno.
Com a cheia, a casa de Márcia ficou bem avariada; a de sua mãe, inabitável. “Ela fica triste por não ter mais o cantinho dela, mas decidimos que não poderia mais ficar ali. Também não podemos mexer na estrutura da casa, então agora a última esperança é uma casa nova.”
A enchente de 2024 agravou a situação dos moradores de comunidades de Navegantes, como as vilas Tio Zeca e Areia. Da mesma forma que Márcia, eles já esperavam por indenizações e realocação por conta da obra da Nova Ponte do Guaíba, na zona norte de Porto Alegre.
O Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) diz que das obras remanescentes falta concluir três ramos de acesso. Técnicos da autarquia estimam até 24 meses para o fim dos trabalhos. Atualmente o processo de contratação da conclusão das obras está em fase de elaboração do edital de licitação, com prazo estimado de quatro meses para ser publicado.
De volta à sua casa, que terá de ser demolida para a conclusão da obra, e sem condições de se mudar, a técnica de enfermagem Caroline de Oliveira, 42, tomou uma decisão drástica: largar um dos dois empregos, o que tinha conquistado por meio de um concurso público, para ver se consegue ser contemplada com um imóvel.
“Estudei para ter uma vida melhor. Moro bem na passagem onde vai ser construída a ponte, e a minha casa ficou 45 dias debaixo d’água. Sempre que ia para o serviço, passava aqui em frente e sentia uma angústia”, conta. Ela diz que sempre ouvia motivos diferentes para não ser contemplada: por ser de família unipessoal (só com uma pessoa) ou por ter renda acima do teto para o programa de compra assistida.
Na terça-feira (25), o contrato de número 500 do programa de compra assistida do Minha Casa, Minha Vida Reconstrução foi assinado em Porto Alegre, e ao todo, já foram firmados 508 deles na capital -cerca de 9% do total de 5.821 pedidos encaminhados pela prefeitura de moradores que vivem em áreas de reassentamento, com obras públicas (diques), da região das ilhas ou vilas à beira do Guaíba.
Destas mais de 5.000 famílias, 2.752 foram consideradas elegíveis (já tem garantido o direito ao imóvel).
O programa viabiliza a compra de imóveis de até R$ 200 mil por quem teve a casa destruída ou interditada definitivamente pelo evento climático. É preciso ter renda mensal familiar de até R$ 4.700.
Após perder sua casa, a agente comunitária Patrícia Menna Barreto, 39, acaba de assinar o contrato. “Fico feliz, mas não deixo de brigar pelos que ainda estão nas comunidades. Depois da enchente, passamos a conviver com o medo de furtos e de animais que entram nas casas.”
O rigor com as famílias unipessoais no Cadastro Único não afeta apenas os que enfrentaram as enchentes. O governo federal tem intensificado as ações de regularização, após identificar um novo aumento de famílias unipessoais no fim de 2024.
Segundo Maneco Hassen, coordenador do escritório do governo federal no Rio Grande do Sul, para destravar a questão das famílias unipessoais, o governo vai liberar que os municípios assinem a responsabilidade de atestar que o candidato vive sozinho e que o endereço está correto.
“Agora o programa ganhou ritmo. É como um financiamento da casa, leva alguns meses”, diz. Além dos 508 contratos em Porto Alegre, foram 777 no Rio Grande do Sul. Ele afirma que o governo pretende chegar a 1.000 no estado até o Carnaval e a 1.000 em Porto Alegre até a primeira quinzena de março.
“Não tem ninguém reprovado, o que tem é muita confusão por desconhecimento”, diz Hassen, que reforça que, por conta da demanda ser maior do que a oferta de imóveis já prontos, serão construídas habitações em Porto Alegre, região metropolitana e Vale do Taquari.
“Para ser justo, acelerou. Nunca a União tinha feito algo assim, e o programa tem regras que podem causar estranheza nos inscritos [como a necessidade do Habite-se ou de o imóvel ser regularizado]. Mas até pelo que eu ouvi dos contemplados, quando enfrentam os problemas, eles conseguem”, diz o diretor do Demhab (Departamento Municipal de Habitação), André Machado.
Na zona sul, desabrigados conquistaram junto ao governo do estado um terreno no bairro Cristal para construir moradias populares pelo programa Minha Casa Minha Vida Entidades.
As famílias vêm de bairros atingidos pelas enchentes e haviam ocupado um antigo prédio da Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler), no Centro Histórico de Porto Alegre, até serem despejados. Após uma ação na sede do governo estadual, eles conquistaram o terreno para a construção das moradias.
O futuro empreendimento vai abrigar as famílias da ocupação Sarah Domingues, mas sofre resistência por parte de moradores do bairro. Um dos apontamentos é que a obra traria impactos ambientais pela presença de uma nascente de água no terreno.
No último dia 23, o MLB-RS (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas no Rio Grande do Sul), organizou um ato de resistência no terreno.
O local foi cedido por edital público, e a entidade vencedora tem 18 meses para obter financiamento para a construção de 120 moradias.
Segundo Luciano Schafer, coordenador nacional do MLB no Rio Grande do Sul, o movimento tem buscado o diálogo com os moradores e explicar a importância do projeto. “Iniciamos um debate, tem uma feira em frente ao nosso terreno e já houve um episódio de agressão a um militante, mas barrar a construção não é a vontade geral, e soubemos de constrangimentos e ameaças de quem não concorda com o abaixo-assinado.”
Presidente da Frente Parlamentar Invasão Zero, o deputado estadual Gustavo Victorino (Republicanos) foi acionado por moradores do bairro que são contrários ao projeto. Destacando que o terreno não foi invadido, mas cedido aos integrantes, ele diz entender a preocupação dos moradores e que a decisão causa estranheza, por se tratar de uma área nobre e com restrições ambientais.
“Aquela área é de preservação ambiental, tem água corrente, animais silvestres. Porto Alegre tem muitas áreas disponíveis, periféricas, circunvizinhas, mas não necessariamente um local nobre como aquele. Temos o exemplo de um conjunto habitacional que foi construído há alguns anos em uma área central e hoje se tornou um foco de crime, os moradores têm medo.”
Em nota, a Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária informa que a cedência do terreno em questão foi por meio de edital. Seis entidades concorreram, e não houve contestação ao resultado.
“O terreno do estado estava sem uso e foi incluído na lista de áreas públicas disponibilizadas para programas de habitação de interesse social e o entorno da região tem as características arquitetônicas adequadas para construção de moradias nesse formato.”
LEIA ÍNTEGRA DA NOTA DO DNIT
“O Dnit informa que das obras remanescentes da Nova Ponte sobre o rio Guaíba na BR-116/290/RS falta concluir a construção de três ramos de acesso da Nova Ponte Sobre o Rio Guaíba na interseção com a BR-290/RS, a Freeway e serviços de pavimentação, acabamento e sinalização em parte dos ramos já construídos. Técnicos da autarquia estimam 18 meses para a conclusão dos trabalhos, após o início efetivo dos serviços, o que depende da remoção das famílias do local das obras.
Se considerarmos a execução do sistema de proteção dos pilares dos vãos centrais (Dolfins), o prazo para a execução total do empreendimento, deverá ser de 24 meses. Atualmente o processo de contratação da conclusão das obras está em fase de elaboração do edital de licitação, com prazo estimado de quatro meses para ser publicado.
O processo de realocação das famílias das Vila Tio Zeca e Vila Areia está em andamento. As ações estão sendo executado pela Caixa Econômica Federal, em conjunto com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Justiça Federal, Ministério Público Federal e com apoio do Dnit. Informações sobre o andamento dos processos de realocação devem ser direcionadas à CEF.
O Dnit assumiu a responsabilidade pela demolição das edificações, limpeza, remoção e recuperação da área após a realocação das famílias. Neste sentido, já possuí empresa contratada para execução dos serviços, aguardando apenas a liberação das frentes de serviço.
As famílias que foram atingidas pelas enchentes estão sendo atendidas pelo MCMV Reconstrução, com gestão pelo Ministério das Cidades, CEF e Prefeitura de Porto Alegre.”