Mesmo sem ter cidadania portuguesa, Geizy Fernandes, natural de Divinópolis (MG), já votou em várias eleições de Portugal, além de ter sido duas vezes candidata em pleitos oficiais. Se for escolhida nas primárias de seu partido, concorrerá nas próximas eleições municipais de Lisboa, previstas para daqui a seis meses.
“Quando eu me candidatei, foi um processo tranquilo, normal. Ninguém colocou nenhum entrave. Era um direito meu e, simplesmente, limitaram-se a seguir o protocolo”, afirma ela, que vive no país desde 2008. Embora seja um ponto bem estabelecido na legislação portuguesa e um procedimento relativamente pouco burocrático, o direito dos imigrantes ao voto e, principalmente, à candidatura política, ainda é pouco conhecido.
Um projeto liderado pela ONG Casa do Brasil de Lisboa, que oferece apoio à comunidade brasileira no país, pretende mudar esse cenário e aumentar a participação política dos estrangeiros. Batizada como “Vota Imigrante”, a iniciativa reúne e divulga informações, de um jeito acessível e simplificado, sobre o que é preciso para participar das eleições.
Na avaliação da presidente da instituição, Cyntia de Paula, a maior participação nas eleições pode ajudar a dar visibilidade à situação dos estrangeiros, além de contribuir para haver maior representatividade e diversidade na política portuguesa.
“É importante ocupar esses espaços [políticos], levar nosso olhar, nossas vivências. Também é importante para a elaboração de políticas públicas e implementação de medidas locais que de fato garantam mais igualdade e oportunidades, que combatam estereótipos e preconceitos”, afirma.
Numa primeira etapa, o projeto aposta nas redes sociais para chamar a atenção dos quase 200 mil estrangeiros sem dupla cidadania europeia com direito a votar nas eleições municipais. Desses, a maior parte, cerca de 151 mil, são brasileiros.
Dados do recenseamento eleitoral português de 2020 indicam que apenas 15.512 estrangeiros de fora da União Europeia estavam inscritos para votar, em um universo de mais de 10,8 milhões de eleitores. A participação eleitoral de estrangeiros depende de vários fatores, incluindo nacionalidade original, tempo de residência legal em Portugal e, sobretudo, o tipo de pleito em questão.
As eleições autárquicas –que escolhem os ocupantes das Câmaras Municipais (equivalentes às prefeituras), juntas de freguesia (espécie de subprefeitura com mais poderes) e assembleias municipais– são as que têm participação mais ampla.
Após dois anos de residência legal no país, cidadãos de qualquer país da UE, além dos do Brasil e de Cabo Verde, já podem votar nas eleições municipais. Para brasileiros e cabo-verdianos, após três anos de residência, já é possível se candidatar a cargos nesses pleitos. Ao contrário das outras nacionalidades, os direitos políticos dos brasileiros podem se estender também às eleições legislativas e presidenciais.
“Na verdade, os brasileiros são o grupo com os maiores direitos eleitorais. Eles têm a capacidade eleitoral ativa, o direito de votar, e também a capacidade eleitoral passiva, que é o direito de ser eleito”, avalia a advogada Emellin de Oliveira, especializada em temas de migração e doutoranda na Universidade Nova de Lisboa.
Graças ao chamado tratado de Porto Seguro, assinado em abril de 2020, cidadãos do Brasil podem requisitar o estatuto de igualdade de direitos políticos, que iguala a participação eleitoral do brasileiro à de um português. Os brasileiros são também os únicos estrangeiros que podem, com a nacionalidade de origem, concorrer a uma vaga no Parlamento.
Beneficiária do tratado de igualdade de direitos políticos, Geizy Fernandes foi candidata à deputada em 2019 pelo Partido Livre, legenda de esquerda da qual foi uma das fundadoras. Ela diz que a opção de concorrer sem recorrer à dupla cidadania também foi uma forma de manifestação política.
“Pensei que seria positivo eu poder me candidatar como uma cidadã completamente imigrante, sem nacionalidade portuguesa, fazendo jus àquilo que eu acredito que seja o futuro da democracia, que é ser plural e multicultural”, afirma.
Embora afirme ter sentido muito apoio e acolhimento entre os portugueses durante as campanhas das quais participou, a brasileira também revela um episódio de xenofobia em 2015, em sua primeira tentativa de candidatura às legislativas.
Na ocasião, um erro do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) impediu que Geizy realizasse o recenseamento eleitoral, etapa obrigatória. O caso acabou noticiado na imprensa portuguesa, gerando uma série de comentários agressivos. O recenseamento eleitoral é um dos grandes gargalos ao voto estrangeiro.
Enquanto os portugueses têm recenseamento automático e ficam aptos a votar tendo em conta o endereço oficial cadastrado, os estrangeiros precisam realizar manualmente o processo nas juntas de freguesia de onde moram. Por conta disso, em regiões com pouca presença imigrante, o processo pode ser complicado devido à pouca familiaridade das autoridades locais com o processo.
Cyntia de Paula defende mais atenção do poder público para o assunto.
“As pessoas não sabem que têm esse direito porque não há divulgação. Eu responsabilizo as instâncias governamentais, mas até as próprias associações de imigrantes. Mas a vida dos migrantes e das associações já é uma corrida de obstáculos tão grande que, entre procurar a casa, comida, emprego e se regularizar, os direitos políticos ficam por último”, analisa.
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