CÉZAR FEITOZA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Para contornar a falta de espaço na tarifa do plenário, os ministros do STF (Supremo Tribunal Federalista) intensificaram a partir de 2009 a licença de decisões monocráticas em ações de controle de constitucionalidade.
Levantamento feito pela Folha mostra que o número de liminares individuais em ADIs (ação direta de inconstitucionalidade) e ADPFs (arguição de descumprimento de preceito fundamental) foi de unicamente 6 em 2007 e chegou a um pico de 92 em 2020. No ano pretérito, foram 71.
As liminares monocráticas nesse tipo de ação são branco de discussão há anos no Judiciário brasílio. O Congresso Vernáculo aproveitou uma brecha para tentar impor um revés ao Supremo, com o progressão de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que restringe o poder individual dos ministros do STF.
Os novos presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), deram recados ao Supremo em discursos no último sábado (1º). Eles não trataram especificamente das decisões monocráticas, mas o tema está em tarifa no Congresso.
As leis sobre as ações de controle de constitucionalidade, chamadas de ADI e ADPF, foram aprovadas pelo Congresso em 1999. Elas surgiram porquê proposta de um grupo de juristas, do qual relator era o professor (e ainda não ministro) Gilmar Mendes.
A legislação define regras para a licença de medidas cautelares nessas ações -uma espécie de estudo provisória e urgente do processo. Pelo texto, as liminares das ADIs só podem ser decididas por maioria absoluta do Supremo (seis ministros) ou individualmente pelo presidente da galanteio durante o recesso do Judiciário.
Para as ADPFs, a lei define ainda que as liminares podem ser concedidas individualmente pelo relator “em caso de extrema urgência ou risco de lesão grave ou, ainda, em período de recesso”.
No entanto, em 2009, com Gilmar já presidente do Supremo, integrantes do tribunal passaram a reclamar com frequência da dificuldade de levar seus processos ao plenário. Cada um, logo, passou a dar suas liminares.
“É uma distorção, a meu ver. Enquanto eu tive a capote sobre os ombros e assento no Supremo, nos 31 anos em que lá estive, eu nunca atuei substituindo o colegiado. Isso é de um impropriedade marcante: aí vale tudo, é a ótica de cada qual”, disse à Folha o ministro emérito Marco Aurélio Mello.
O ministro lembra as reclamações da sobrecarga do plenário. “Mas paga-se um preço -e é módico- de se viver em um Estado de Recta, ou seja, a observância irrestrita ao que está estabelecido”, disse.
Marco Aurélio deu 24 decisões monocráticas em ADIs e ADPFs de 2000 a 2021, quando deixou a galanteio.
O problema criado pela profusão de liminares monocráticas e a falta de espaço no plenário para referendo das decisões foi a permanência por longos períodos de decisões provisórias sem aval dos demais ministros.
O cenário criou distorções. Para o jurisperito e professor Lenio Streck, o caso mais emblemático foi a ADI dos Royalties. A ministra Cármen Lúcia suspendeu, em 2013, trecho de uma lei e acabou alterando as regras sobre quais estados deveriam receber os valores advindos da exploração de petróleo.
Até hoje, 12 anos depois, a liminar não foi julgada pelo plenário do Supremo.
Streck, porém, disse que o problema das decisões monocráticas foi solucionado quando o STF alterou seu regimento interno no termo de 2022 para prever que todas as medidas cautelares seriam levadas maquinalmente para julgamento no plenário virtual.
Não haveria razão, na visão dele, para o Congresso intervir no tema. “Proibir [as decisões monocráticas], zerar o sistema é um problema porque, de qualquer modo, o Parlamento está entrando numa seara de jurisdição constitucional”, diz o jurisperito.
Ele afirmou que o Congresso é um dos principais alvos de ações diretas de inconstitucionalidade -mecanismo usado por partidos e associações para pedir a derrubada de leis.
“O Parlamento é o maior litigante de controle de constitucionalidade porque as minorias que perdem vão ao Supremo para tentar emendar aquilo que o Congresso teria feito inexacto”, disse Streck.
Quatro ministros do Supremo ouvidos pela Folha, sob suplente, concordam que a mudança no regimento interno de 2022, construída pela hoje ministra aposentada Rosa Weber, resolveu o problema das liminares monocráticas de longa duração. Para eles, não há razão para se discutir novas alterações sobre o tema.
As liminares individuais no Supremo alcançaram os patamares mais altos em 2020 a 2021, mantendo as monocráticas em mais de 80 por ano. O período coincide com o governo Jair Bolsonaro (PL) e a pandemia da Covid-19.
Foi nesse período que o ministro Edson Fachin suspendeu portarias de Bolsonaro sobre armas. Alexandre de Moraes também derrubou uma medida provisória de Bolsonaro para restringir a Lei de Aproximação à Informação durante a pandemia.
Moraes ainda determinou que o governo federalista não podia se sobrepor aos governos estaduais e municipais na definição de medidas de restrição de circulação para sofrear a Covid-19.
Em 2024, os ministros do STF deram 71 liminares monocráticas em ADIs e ADPFs. O recordista é o ministro Flávio Dino, com 21 decisões individuais -das quais 15 foram referendadas pelo plenário e outras seis aguardam julgamento.
O número inclui decisões sobre as emendas parlamentares. Dino é o relator de três ações que questionam a falta de transparência dos recursos indicados pelos congressistas. Há casos em que uma mesma decisão abrange mais de um processo, por tratarem do mesmo tópico.
Interlocutores de Dino ressaltam que, em todos os processos, o ministro só decidiu posteriormente ouvir a PGR (Procuradoria-Universal da República) e as demais partes envolvidas.
Das 71 decisões monocráticas de 2024, 38 foram levadas ao plenário do Supremo para referendo. Os demais 33 casos ainda não foram julgados, seja por pedidos de vista (mais tempo para estudo) ou destaques para tirar o processo do plenário virtual e levá-lo à discussão no plenário físico.
Uma das decisões monocráticas de 2024 já confirmadas pelo plenário foi a suspensão dos pagamentos das emendas parlamentares.
A decisão gerou uma reação no Congresso. O logo residente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e aliados articularam a votação de duas PECs que limitavam os poderes do Supremo.
Uma delas tenta proibir decisões monocráticas de ministros do STF que suspendam a eficiência de leis ou de atos da Presidência da República e do Congresso Vernáculo. A outra PEC dá poder ao Legislativo de derrubar decisões do Supremo.
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