SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para lucrar o homenzinho de ouro, as atrizes indicadas ao Oscar não podem falar coisas negativas. Armadas de seus vestidos de grife, devem sorrir enquanto oferecem aos deuses de Hollywood suas reputações uma vez que sacrifício. Qualquer deslize vira delícia para o público. Nesta que tem sido uma das temporadas mais sangrentas da história recente, estão no picadeiro duas forasteiras, novatas no Oscar, vindas do lado de cá do muro de Donald Trump.

 

De um lado, a brasileira Fernanda Torres, pronta para vingar sua mãe e seu país. Do outro, a espanhola Karla Sofia Gascón, a primeira mulher trans indicada ao Oscar de melhor atriz, hoje radicada no México. Em jogo, todo e qualquer pormenor de suas vidas pregressas que possa gerar confusão.

“É quase um requisito que, em toda temporada de premiações, alguma infração do pretérito seja desenterrada, qualquer observação inadequado pelo qual a pessoa tenha de se desculpar”, diz Michael Schulman, responsável do livro “Oscar Wars”, sobre os dramas reais de quem vai detrás da estatueta.

“Esta é certamente uma das campanhas mais intensas e rápidas”, afirma a estrategista Debra Birnbaum, com larga experiência em campanhas de premiações. Mas ela lembra a temporada de 1999, aquela em que Fernanda Montenegro perdeu para Gwyneth Paltrow. Historicamente, talvez a combate entre “O Resgate do Soldado Ryan” e “Shakespeare Enamorado” tenha sido a mais agressiva, diz Birnbaum, mas é difícil confrontar um mundo sem redes sociais com o de 2025.

“A campanha pelo Oscar, ao contrário da campanha política, não pode ser negativa. Qualquer vestígio de negatividade é proibido e contra as regras”, diz Schulman.

Em entrevista a nascente jornal, Gascón encheu Fernanda Torres de elogios, para logo em seguida emendar “o que eu não palato é que há uma equipe nas redes sociais que trabalha no entorno dessas pessoas tentando diminuir o trabalho dos outros, uma vez que o meu, ou um filme”. “Eu, em nenhum momento, falei mal de Fernanda Torres ou de seu filme, mas vejo muitas pessoas que trabalham no envolvente de Fernanda Torres que falam mal de mim e de ‘Emilia Pérez’. Isso fala mais deles e de seu filme do que do meu.”

No X, o velho Twitter, o trecho do vídeo foi usado uma vez que argumento para expressar que Gascón deveria ser desclassificada por ter supostamente descumprido uma regra.

Uma manadeira próxima à Liceu de Artes e Ciências Cinematográficas, porém, confirmou à reportagem que seus diretores se reuniram para determinar a fala de Karla Sofía Gascón. A desfecho teria sido de que ela não feriu o regulamento da premiação.

Alguns dias antes, foi a vez da estrela de “Tapas e Beijos” levar xingo da internet. Um vídeo de 17 anos detrás em que Fernanda Torres interpreta uma personagem em blackface -quando um ator branco pinta seu rosto e partes do corpo de preto– voltou a circundar nas redes sociais, o que levou a Deadline, revista especializada em Hollywood a questionar a atriz sobre o esquete humorístico no Fantástico. Ela se desculpou.

Depois da polêmica com Torres, Karla Sofia Gascón teve tuítes antigos resgatados. Nas postagens, publicadas nos anos de 2020 e 2021, a artista compartilha opiniões controversas a saudação de acontecimentos uma vez que o homicídio de George Floyd, varão preto morto por policiais nos Estados Unidos que se tornou símbolo e provocou uma série de manifestações em relação à violência policial.

Em outra ocasião, Gascón questionou o “aumento de muçulmanos” na Espanha, seu país de origem. Outra postagem, de setembro de 2020, ironiza o tratamento oferecido às mulheres pelo islamismo.

Gascón decidiu desativar sua conta no X na tarde desta sexta.

“Acho que os tuítes antigos são provavelmente fatais para a campanha dela. Não há desculpa para o quão ofensivos eles são”, afirma Schulman. “As coisas estavam difíceis para o filme, mas nascente é um nível totalmente novo de dano para a campanha dela.”

Essa combate entre grupos de fãs parece mais prejudicar a imagem de ambas as atrizes do que ajudar qualquer uma delas. Logo quem ganha? Segundo Debra Birnbaum, a resposta é clara –Demi Moore.

“Se essas campanhas fossem baseadas somente na atuação, nossas previsões seriam completamente diferentes. Eu uso a termo ‘campanha’ porque é muito parecido com uma campanha política”, afirma a estrategista.

“Tem a ver com a história que você conta. Demi Moore fez um ótimo trabalho ao se apropriar da própria narrativa, valorizar sua atuação, que foi potente, erigir essa narrativa e fazer um ótimo exposição que reuniu tudo isso.”

Mas, para ela, se o “timing” de Demi Moore é perfeito, o de Fernanda Torres também é invejável.

“A performance de Fernanda em ‘Ainda Estou Cá’ é tremenda”, afirma ela. “Acho que foi praticamente ela sozinha a responsável por levar o filme às indicações ao Oscar. Aquela atuação é impressionante.” Birnbaum também destaca o trabalho também bom que Torres fez com sua narrativa, de forma a se conectar com o filme e com o momento político dos Estados Unidos.

Não foram só as latinas que sofreram impacto em suas imagens nesta corrida ao Oscar. Demi Moore, Cynthia Erivo e Mikey Madison também foram níveo de controvérsias menores. Porém, não há uma vez que negar que são as novatas de Hollywood, Torres e Gascón, que sofreram impactos mais contundentes nessas polêmicas.

Segundo o Google Trends, mundialmente, a procura pelos termos “Fernanda Torres blackface” na plataforma de buscas só ganhou tração em seguida a publicação de uma reportagem no Deadline, em que a atriz pediu desculpas pelo esquete de 2008. Na noite desta quinta, a curva de interesse já anunciava uma trajetória de retorno ao interesse nulo. A atenção, porém veio majoritariamente de Brasil e Portugal.

Depois disso, as buscas se mantiveram estáveis, sem grandes alterações em seguida o escândalo do blackface.

O interesse pelo nome “Karla Sofia Gascón” entre usuários do mundo inteiro teve um aumento temporário na noite desta quarta-feira, mas atingiu um pico ainda maior nesta quinta-feira.

Os que pesquisam pelo nome da atriz de “Emilia Pérez” também pesquisaram pelo tópico “islamofobia”. Nos Estados Unidos, “George Floyd” e “tweet” estavam entre os assuntos relacionados.

“Há níveis de polêmica. Para mim, é evidente que blackface é ofensivo. Mas havia comediantes fazendo blackface até dez anos detrás nos Estados Unidos. Talvez no Brasil não tenha o mesmo peso”, diz Schulman, sobre a polêmica de Torres. “Esses tuítes de Gascón são claramente racistas e claramente pretendem guerrear uma população”, ele diz, sobre os graus de seriedade das controvérsias da brasileira e da espanhola.

Na cerimônia do Oscar de 2012, o apresentador da cerimônia, Billy Crystal, fez blackface num esquete em que interpretava o ator e cantor Sammy Davis Junior. No filme de 2008 “Trovão Tropical”, Robert Downey Junior interpretou um personagem com blackface. Ele foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante, mas perdeu a estatueta para Heath Ledger.

“As redes sociais tornaram tudo na vida mais conflituoso, exagerado, cruel e rápido”, diz Michael Schulman, o pesquisador. “As notícias sobre celebridades são digeridas em uma velocidade absurda, o que só adiciona mais combustível à campanha pelo Oscar. Tudo é amplificado em um ritmo apressurado, e pequenos comentários que antes poderiam passar despercebidos agora se espalham pelo mundo.”

Ao contrário de Demi Moore e Fernanda Torres, Karla Sofía Gascón não levou o Orbe de Ouro. E dissemelhante do esquete de 2008 de Torres, os tuítes de Gascón são muito recentes e diretos. Para piorar, “Emilia Pérez”, filme gaulês que se passa no México, tem sido criticado por pessoas trans e pelos próprios mexicanos.

A Associação de Gays e Lésbicas Contra a Maledicência, a Glaad, nos Estados Unidos, soltou um transmitido afirmando que o filme é um retrato profundamente retrógrado de uma personagem trans. O diretor Jacques Audiard foi achincalhado depois de declarar em entrevista que não fez uma pesquisa mais profunda sobre o México, porque julgava que já sabia muita coisa. O longa foi praticamente todo filmado na região de Paris e não envolveu quase nenhum profissional mexicano, uma vez que conta o jornal Le Monde.

No agregador Rotten Tomatoes, o filme tem uma aprovação de somente 19% do público e 76% da sátira especializada. Em contrapartida, “Ainda Estou Cá” tem a aprovação de 96% da sátira especializada e 99% do público. E, também contrariando secção da equipe de “Emilia Pérez”, o diretor e elenco do filme brasílio têm permanecido mais discretos nas redes e aparições na mídia.

Enquanto isso, no GoldDerby, site de previsões de premiações, é Demi Moore que encabeça praticamente todas as previsões feitas por especialistas e editores.