SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Carrefour vai incluir uma cláusula antirracista a partir desta quinta-feira (29) em todos os contratos com fornecedores e prestadores de serviços, além de divulgar a revisão de sua política de valorização da diversidade.
Em um evento com fornecedores, parceiros e outros varejistas nesta quarta, a rede assumiu compromissos, como transformação do modelo de segurança das lojas e aceleração do avanço na carreira de colaboradores negros.
As regras incluem a política revisada de diversidade do grupo, que reforça a “tolerância zero ao racismo”. Entre as obrigações, estão não praticar atos de discriminação, além de promover a inclusão social e oferecer condições iguais de promoção.
Também é exigido o respeito às diretrizes da cartilha de diversidade da companhia e obrigação de replicá-las junto aos colaboradores, fornecedores e terceirizados. Descumprir as obrigações pode causar a exclusão de fornecedores e o pagamento de uma multa contratual de 30%, que será destinada a uma causa social de combate ao racismo.
O que motivou a mudança foi a morte de João Alberto Silveira Freitas, homem negro de 40 anos, morto após ter sido espancado por seguranças em uma unidade da rede em Porto Alegre (RS), em novembro do ano passado. Dois seguranças foram presos no dia do crime e seis funcionários viraram réus por homicídio triplamente qualificado.
Noël Prioux, presidente do Carrefour Brasil, afirmou que a rede reconhece que o que havia sido feito até agora não era suficiente para evitar episódios como o de João Alberto. “Ao estabelecermos a cláusula antirracismo em todos os contratos, devemos gerar um impacto positivo na sociedade e transformar discursos em novas práticas.”
A marca disse que tem feito um esforço em treinamentos ligados à diversidade, inclusão e respeito. A empresa ressaltou a criação de um fundo de R$ 40 milhões em investimentos em programas de combate ao racismo, além de um plano de aceleração de carreira de 500 colaboradores negros.
“Para quem é negro ou pobre, ir ao supermercado não pode ser motivo de tensão”, diz o narrador em um vídeo institucional divulgado pela empresa durante o evento. Em Porto Alegre, a rede começou um projeto-piloto em quatro lojas para rever protocolos e treinar profissionais de segurança.
“O impacto da morte do João Aberto pesa em todos nós, percebemos que tudo aquilo que estávamos fazendo não tinha sido suficiente para impedir aquela fatalidade e começamos a buscar respostas”, disse João Senise, vice-presidente de recursos humanos.
À Folha, ele afirmou que a empresa já tinha políticas antirracistas em seu código de conduta, que é internacional, mas que o caso de Porto Alegre foi definitivo para dar um passo seguinte, e colocar essas práticas contra o racismo como cláusula nos contratos.
No início do mês, a viúva de João Alberto, Milena Alves, recusou uma proposta de indenização do Carrefour no valor de R$ 1 milhão. Os advogados tentaram uma indenização extrajudicial de R$ 2,5 milhões, que foi recusada pela empresa. Caso a disputa chegue na Justiça, eles devem buscar um valor entre R$ 10 milhões e R$ 15 milhões, por danos morais e materiais.
Um dos advogados de Milena, Carlos Barata, ressalta que a cláusula antirracismo do Carrefour não resolve a questão, se a conduta e a política interna da empresa não mudarem. Nesta quarta-feira, o Carrefour afirmou que depositou o valor de R$ 1 milhão para a viúva em uma conta criada para consignação extrajudicial, mesmo após a recusa.
A empresa disse, ainda, ter depositado R$ 100 mil extras diretamente na conta bancária de Milena para gastos mais urgentes da viúva.
Segundo uma pesquisa do Instituto Locomotiva, apresentada durante o evento do Carrefour, 69% dos consumidores negros já disseram ter sofrido preconceito em lojas e já foram seguidos por seguranças em estabelecimentos comerciais.
Além do caso de João Alberto, a morte por parada cardíaca do representante de vendas Moisés Santos em uma loja no Recife também gerou indignação. Ele era funcionário de uma empresa fornecedora de alimentos e morreu durante o trabalho. Em vez de fechar a loja, a equipe usou guarda-sóis e tapumes para encobrir o corpo e seguiu funcionando. O hipermercado disse, à época, que prestou primeiros socorros e acionou o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência).
Em 2018, a morte da cadela Manchinha em uma loja da Grande São Paulo fez o Carrefour se tornar alvo de protestos. Ela vivia no estacionamento de uma loja em Osasco e era alimentada por funcionários. Em 28 de novembro, ela foi golpeada por um segurança terceirizado, que afirmou ter sido orientado a retirar a cadela do local. O Carrefour afastou o funcionário e afirmou repudiar maus-tratos, além de ter anunciado uma parceria com uma ONG de defesa dos animais.
Este mês, o operador de empilhadeira Matheus Aparecido Santos da Silva, 20, morreu após perder o controle do veículo de trabalho, que acabou caindo sobre o rapaz em uma unidade na região do Limão (zona norte de São Paulo). O Carrefour afirmou em nota que, logo após o acidente, acionou os bombeiros e o Samu.
Sobre os outros casos envolvendo lojas do Carrefour, Senise afirmou que a varejista tem um conjunto de valores e procedimentos que cobrem todos esses aspectos. “Se ocorre um evento inesperado, a gente vê essas ocorrências como um alerta e uma oportunidade para rever os procedimentos. [É sinal de que] alguma coisa estava nos escapando e percebemos no momento em que ocorre uma tragédia.”
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