(FOLHAPRESS) – Todos os dias, 58 toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU) são despejados nas águas dos rios e afluentes da Bacia do Cume Tietê, localizada na região metropolitana de São Paulo. A quantidade equivale ao teor de muro de seis caminhões comuns de lixo que vão parar diariamente nos corpos hídricos da região mais rica e urbanizada do Brasil.

 

Tamanho volume é constituído tanto por resíduos lançados diretamente em córregos e afluentes da região uma vez que por aqueles descartados incorretamente em ruas e parques e arrastados para as águas pelo vento e pelas chuvas.

Esse descarte inadequado de resíduos faz segmento da equação que justificação alagamentos severos durante chuvas torrenciais uma vez que aquelas vistas na capital paulista na última sexta-feira (24).

O oferecido inédito, obtido pela Folha, faz segmento de um estudo encomendado pela Fabhat (Instalação Filial da Bacia Hidrográfica do Cume Tietê), braço executivo do CBH-AT (Comitê da Bacia Hidrográfica do Cume Tietê).

O estudo foi financiado pelo Fehidro (Fundo Estadual de Recursos Hídricos) porque foi identificado que a presença de resíduos nos corpos hídricos era tamanha que se tornou um problema na bacia. Realizado pela Envex Engenharia e Consultoria, ele gerou um projecto de gestão integrada de resíduos para a região.

“Esses resíduos vão parar nas barragens da bacia, causando potenciais impactos estruturais, além dos impactos ambientais uma vez que um todo”, explica o engenheiro ambiental Helder Nocko, um dos autores do estudo. “Instalamos ecobarreiras em rios representativos da região para reter os resíduos e identificá-los. E chegamos a esses valores muito surpreendentes: 58 milénio quilos por dia.”

Ecobarreiras são estruturas flutuantes, colocadas de uma margem a outra do curso de chuva, capazes de reter os resíduos arrastados pela correnteza na superfície de córregos, afluentes e rios.

Para Solange Wuo Franco, diretora de controle e fiscalização da Secretaria de Meio Envolvente da Prefeitura de Suzano (SP) e coordenadora da Câmara Técnica de Gestão Ambiental do Condemat+ (Consórcio de Desenvolvimento dos Municípios do Cume Tietê), que reúne 14 municípios, o problema se agrava em tempos de mudanças climáticas.

“As chuvas torrenciais fazem a lavagem do solo e muito resíduo descartado vai entupindo bueiros e causando as enchentes, além de poluir as águas por justificação da dissolução. A microdrenagem das bacias e a drenagem maior ficam muito prejudicadas com isso”, alerta.

De concórdia com a Semil (Secretaria de Meio Envolvente, Infraestrutura e Logística) do governo paulista, que faz o recolhimento do lixo flutuante ao longo dos 25 km do rio Pinheiros, afluente da Bacia do Cume Tietê, desde janeiro de 2023 foram recolhidas 77 milénio toneladas de resíduos a um dispêndio de R$ 140 milhões.

“Criamos um tela na cercadura do rio chamado Lixômetro, que mostra aos cidadãos quanto foi retraído e a qual dispêndio. É um recurso que poderia estar sendo aplicado em outras políticas públicas”, explica a secretária da pasta, Natália Resende.

“A gente tem retirado, em média, duas piscinas olímpicas por dia de sujeira, sedimentos e outros materiais do fundo do rio Tietê e seus afluentes. Em dois anos, foram 2,3 milhões de metros cúbicos, o que equivale a quase 165 milénio caminhões cheios. Enfileirados, eles chegariam de São Paulo até o Uruguai”, ilustra Resende.

A pasta investiu R$ 434 milhões em dois anos de programa de desassoreamento do Tietê, que aumenta a capacidade de sucção das chuvas e mitiga o impacto de enchentes.

Segundo Nocko, o trabalho de retirada desses resíduos é muito importante, mas precisa vir escoltado da prevenção, ligada à coleta e à limpeza pública, ambos de cultura dos municípios.

“É preciso primeiro trabalhar para prevenir o aporte desses resíduos no rio e depois tentar tirar o quanto antes provável”, explica. “Por isso sugerimos a implantação de ecobarreiras nos córregos, ou seja, mais perto dos locais onde esse aporte acontece.”

São muitos os vetores destes resíduos que vão parar nos rios, explica Nocko. Primeiro, há 195 milénio pessoas na região metropolitana de São Paulo que não têm aproximação à coleta de resíduos domésticos. “Elas vão fazer alguma coisa com esses resíduos, seja jogá-los no rio ou em pontos viciados de descarte”, explica.

Há também o problema de coletas ineficientes, uma vez que contêiners subdimensionados instalados em comunidades nas quais os caminhões de coleta não conseguem circundar.

“As concessionárias instalam contêiners ao lado do rio, mas não são suficientes. O lixo fica para fora e, eventualmente, vai parar no rio. Observamos territórios por um ano inteiro e isso acontece rotineiramente. Não é um tanto pontual”, explica a engenheira ambiental Fernanda Muzzolon Padilha, outra autora do estudo.

E há também o descarte de itens feito nas ruas, que é arrastado para bocas de lobo ou diretamente para os rios. “Vimos muitas marmitas de sustento jogadas e estruturas de drenagem que têm função de reter o resíduo, mas não o retêm”, aponta Nocko.

Para Hélio Suleiman, diretor-presidente da Fabhat, o estudo aponta que “as soluções precisam envolver tanto o poder público uma vez que a sociedade, já que o cidadão precisa cooperar também”.

Procurada, a Prefeitura de São Paulo disse fazer zeladoria de córregos e recolhimento de resíduos nesses locais. “A cidade conta com coleta de resíduos sólidos porta a porta em 100% do território, que é reforçada em alguns pontos com contêineres. O uso inadequado desses equipamentos com descarte de entulho e materiais diversos, entretanto, pode comprometer a eficiência do serviço”, diz a gestão Ricardo Nunes (MDB).

O Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, que reúne sete municípios da região, afirmou, em nota, que obteve em 2023 R$ 1,9 milhão do Fehidro “para implementar projeto de sinalização visual com alertas visando proteção das áreas de manancial na região, que representam 56,4% do território do Grande ABC”. O objetivo da iniciativa é conscientizar a população para que não faça descarte irregular de resíduos.

Para o engenheiro Flávio de Miranda Ribeiro, consultor em economia circundar e mentor do Pacto Global da ONU para a espaço, é preciso repensar as técnicas de coleta de resíduos num contexto de mudança climática.

“A estratégia de deixar o saco na lajeada precisa ser repensada porque, quando chove muito, ele sai boiando, para além da questão estética e de higiene”, avalia.

“A coleta por contêiners alocados em quantidade suficiente e em locais estratégicos, seja em esquinas, seja em ecopontos, traz mais benefícios, apesar de custar mais dispendioso porque exige esforço de quem faz a coleta.”

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